sábado, 14 de outubro de 2023

Portugal | O dia 25 de Novembro de 1975 foi um dia bonito?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

No dia seguinte ao dia 25 de Abril de 1974 as pessoas gritavam nas ruas "liberdade" e uma multidão louca de alegria exigia, frente à Cadeia de Caxias, a saída imediata dos presos políticos.

No dia seguinte ao 25 de Novembro de 1975, com Estado de Sítio e recolher obrigatório declarados, com as ruas vigiadas por tropa, ninguém cantava de felicidade.

No dia seguinte ao 25 de Abril de 1974 os jornais, com tiragens gigantescas, celebravam nas primeiras páginas a vitória do Movimento das Forças Armadas e exibiam, orgulhosamente, um aviso: "Esta edição não foi visada pelos Serviços de Censura".

No dia seguinte ao 25 de Novembro de 1975 a imprensa portuguesa estava, simplesmente, proibida. Por exemplo, o Diário de Notícias, onde escrevo, só teria autorização para sair quase um mês depois, a 22 de dezembro.

No dia seguinte ao 25 de Abril de 1974 a primeira palavra de ordem entoada pelas manifestações populares foi esta: "O povo unido jamais será vencido".

No dia seguinte ao 25 de Novembro de 1975 não se entoaram palavras de ordem, nem houve um único cidadão, da Esquerda à Direita, com ou sem ideologia, que achasse que os portugueses estavam unidos.

No dia seguinte ao 25 de Abril de 1974 os protagonistas políticos dos tempos que se seguiram começaram a organizar partidos políticos livres e democráticos.

No dia seguinte ao 25 de Novembro de 1975 os vencedores do golpe discutiam se deviam ilegalizar alguns partidos, incluindo o PCP. Felizmente perceberam o disparate e desistiram.

No dia seguinte ao 25 de Abril de 1974 o Presidente Américo Tomás e o Governo de Marcelo Caetano estavam demitidos e os seus principais protagonistas partiram para o exílio. Foi mesmo o começo de uma revolução.

No dia seguinte ao 25 de Novembro de 1975 o Presidente da República, Costa Gomes, e os membros do Governo de Pinheiro de Azevedo continuaram no poder, incluindo o ministro comunista, Veiga de Oliveira, que lá permaneceu até ao fim, a 23 de julho de 1976.

No dia seguinte ao dia 25 de Abril de 1974 poetas escreviam versos, artistas pintaram cravos, fotógrafos documentaram a festa. "A Poesia Está Na Rua" sintetizaria Sophia de Mello Breyner e pincelaria Maria Helena Vieira da Silva.

No dia seguinte ao dia 25 de Novembro de 1975 não houve poesia, nem quadros, nem fotografias festivas. No dia seguinte ao 25 de Novembro de 1975 não houve arte.

No dia seguinte ao 25 de Abril de 1974 um poeta, José Carlos Ary dos Santos, e um músico, Pedro Osório, combinaram fazer aquela que seria a primeira gravação em liberdade de um disco e compuseram uma canção chamada Portugal Ressuscitado, uma entre muitas e muitas e muitas músicas que celebraram a chegada da democracia.

No dia seguinte ao 25 de Novembro de 1975 não se compuseram canções a festejar o dia, nem se achou que Portugal estava revigorado - o medo da guerra civil estava no espírito de muita gente. No Brasil, tempos depois, Chico Buarque mudou os versos de Tanto Mar, canção que compusera para saudar a Revolução dos Cravos, e escreveu; "Já murcharam tua festa, pá".

No dia seguinte ao 25 de Abril de 1974 o cravo vermelho tinha passado a ser a flor que simbolizava a conquista da liberdade em Portugal. Nos anos seguintes, em todos os dias 25 de Abril, até hoje, milhares de pessoas passaram a usar essa flor na lapela, no cabelo, agarrada pela mão, para lembrar como tinha sido esse dia.

No dia seguinte ao 25 de Novembro houve algumas pessoas que tentaram que o cravo também fosse a flor do dia. Não pegou.

No dia seguinte ao dia 25 de Abril de 1974 milhares de emigrantes e exilados políticos, vítimas da repressão da ditadura, organizavam-se, felizes, para voltarem à sua pátria, agora libertada.

No dia seguinte ao 25 de Novembro de 1975 alguns dos beneficiários do fascismo português, que tinham fugido de um país que se libertara deles, perceberam que podiam voltar.

Nos quase 50 anos seguintes ao dia 25 de Abril de 1974, milhares e milhares e milhares de gerações sucessivas de portugueses saíram às ruas para celebrar o Dia da Liberdade, numa significativa e impressionante identificação popular, genuína, pura, com a simbologia libertadora dessa data.

Nos quase 50 anos seguintes ao 25 de Novembro de 1975 não há memória de uma única celebração popular digna desse nome, numa significativa e impressionante declaração de indiferença popular, genuína e pura, sobre o hipotético valor político-social desse dia.

O dia 25 de Abril de 1974 foi um dia lindo na História de Portugal.

O dia 25 de Novembro de 1975 talvez, não sei, tenha sido um dia necessário, mas foi, factualmente, um dia feio na biografia deste povo. Celebrá-lo para quê?

* Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana