quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Angola | A Aldrabice da Guerra Civil -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Milhares de angolanos deram a vida pela paz e a reconciliação nacional durante a guerra contra os invasores estrangeiros. O preço foi muito elevado, mas para os combatentes, a Independência Nacional, a liberdade e a dignidade estavam acima de tudo e nada paga esses valores. Assinar no Luena a declaração do fim da rebelião armada foi muito mais do que esse gesto simples. O abraço entre os generais Armando da Cruz Neto e Abreu Muengo Kamurteiro na Assembleia Nacional encerrou o período dos anos de chumbo. Em Nova Iorque o regime racista de Pretória rendeu-se. Aí sim, acabou a guerra. O último acto foi a Batalha do Cuito Cuanavale, no Triângulo do Tumpo.

Antes da Paz do Luena existiram operações militares estrangeiras em Angola, executadas pela mais agressiva coligação que alguma vez se formou no mundo, para submeter um povo. O seu fracasso foi a vitória de todos os angolanos, mesmo os que se sentem derrotados e continuam a identificar-se com os invasores e agressores estrangeiros. Habituados a alugar armas e consciências, não são capazes de aceitar o regime democrático. Querem saber o que foi a “guerra entre filhos da mesma pátria?”. Esta lista foi preparada para os arquivos da Presidência da República. Revelo as agressões estrangeiras depois do 11 de Novembro de 1975

Após a Independência Nacional tudo começou com a “Operação Protéa”, no dia 23 de Agosto 1981, com um ataque aéreo contra vários objectivos económicos e sociais nas proximidades de Xangongo e Ondjiva. As forças da SWAPO e os seus postos de comando na província do Cunene, também foram bombardeadas. Centenas de angolanos, militares e civis, morreram durante estes ataques de surpresa. 

A comunidade internacional nem sequer quis saber do número de mortos nos campos de refugiados namibianos ou nas aldeias angolanas da Huíla, Cunene e Cuando Cubango. Mas o regime de apartheid da África do Sul estava sujeito a sanções severas, que as grandes potências nunca respeitaram, dando assim o seu acordo a um regime que foi o mais grave crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade. 

A invasão estrangeira foi feita às claras e com meios abundantes. Era impossível esconder a agressão. Pretória atacou o Sul de Angola com 11.000 homens, 36 tanques “Centurion M41”, 70 blindados “AML90”, 200 veículos de transporte de tropas tipo Rattel, Buffel e Sarracen. Um número indeterminado de canhões G-5 e de 155 milímetros. Mísseis terra-ar Kentron de 127 milímetros, 90 aviões de guerra e helicópteros. A comunidade internacional, sobretudo as grandes potências mundiais, não viram este movimento maciço de tropas. Estes foram os meios dos crimes contra Angola. 

Os mandantes são conhecidos por todos: EUA, Reino Unido, França e Alemanha. Os cúmplices, hoje são íntimos dos angolanos: UNITA, seus kaxikos do Bloco Democrático ou Abel Chivukuvuku, o galo negro com muitas vidas. Como ditam as regras do Direito Internacional, os que foram coniventes com o regime de apartheid e fizeram a guerra a seu lado, têm as mesmas responsabilidades e qualquer Tribunal independente condena com a mesma pena, os autores materiais dos crimes e os seus cúmplices conscientes, directos e voluntários.

A “Operação Protéa” bateu estrondosamente na parede da Cahama e de lá as forças agressoras estrangeiras nunca passaram. Inseguros quanto aos resultados finais, tiveram o cuidado de destruir a ponte sobre o rio Cunene, em Xangongo (antiga vila Roçadas) para que as forças angolanas não tivessem capacidade para perseguir os invasores.

Do rio para Norte, só actuava a aviação inimiga, até ao dia em que os karkamanos perderam o domínio do ar.

A invasão estrangeira começou com um bombardeamento aéreo sobre a Cahama e Chibemba. Os racistas de Pretória atacaram com seis aviões “Mirage” e dois “Buccanneer”.Quem os vendeu ao regime racista? França e Reino Unido. O grosso do armamento foi servido pelo estado terrorista mais perigoso do mundo, agora tu cá tu lá com João Lourenço. Mudam-se os tempos, mudam os à-vontades.

No dia seguinte aos bombardeamentos aéreos, dia 24 de Agosto de 1981, três colunas de infantaria motorizada atacaram e ocuparam à velocidade de um relâmpago, Namacunde, Xangongo e Humbe. Mas Ondjiva resistiu aos invasores.

No dia 27 de Agosto de 1981, às 7h00 da manhã, os invasores tentaram ocupar a capital da província do Cunene, depois dos bombardeamentos aéreos que destruíram objectivos económicos e alvos civis, como o edifício do Governo Provincial. Foram repelidos. Mais duas investidas e de novo o inimigo teve que recuar. No dia 28 de Agosto de 1981 os combatentes angolanos, totalmente isolados e debilitados, foram obrigados a abandonar Ondjiva. Centenas de combatentes da liberdade morreram. Os invasores ocuparam a cidade e a partir desse momento alargaram a ocupação desde a fronteira de Santa Clara (Namacunde) até à Cahama. 

No início de Setembro, há 42 anos, os invasores retiraram para a margem Sul do rio Cunene os blindados e a artilharia pesada. Não conseguiram passar da Cahama e à cautela destruíram a ponte sobre o rio Cunene, na época a maior de Angola.

Operação Daisy

Para reforçar a agressão através da “Operação Protéa” Pretória lançou no dia 1 de Novembro de 1981 a “Operação Daisy”. Os invasores continuavam a atacar as posições das FAPLA na Cahama, nessa época a fronteira sul de Angola. Ao mesmo tempo lançaram uma força numerosa de infantaria motorizada contra as instalações da SWAPO. O objectivo era decapitar o comando militar do movimento que lutava pela independência da Namíbia, ocupada ilegalmente pela África do Sul racista. 

Os sul-africanos ocuparam a antiga colónia alemã denominada Damaralândia ou Sudoeste Africano e apesar de várias resoluções da ONU, continuavam a dominar pela força o povo namibiano.

A “Operação Daisy” terminou no dia 20 de Novembro, há precisamente 42 anos, com a destruição de todos os meios da SWAPO em Bambi e Chetequera.  A SWAPO, sempre com o apoio de Angola e do Presidente José Eduardo dos Santos, reagiu e foi abrir outra frente em Kaokoland.  Os racistas de Pretória responderam com uma nova investida, em Janeiro de 1982, a “Operação Super”. Chamar a uma agressão estrangeira com esta envergadura uma “guerra civil” é desvirtuar a realidade e branquear a agressão estrangeira contra Angola antes, durante e depois da Independência Nacional. Em Angola nunca houve uma guerra civil. 

Operação Meebos 

A “Operação Meebos” foi lançada em Julho e Agosto de 1982, um ano depois da “Operação Protéa”. Os invasores lançaram inúmeros ataques aéreos contra as unidades das FAPLA estacionadas na Mupa, onde também se encontrava desdobrado o quartel-general da SWAPO, denominado “Frente Leste”. 

Angolanos e namibianos tombaram durante estes ataques. Equipamentos sociais destruídos. Mas os resultados foram débeis. Os racistas de Pretória não conseguiam aniquilar as FAPLA e as forças armadas de libertação da Namíbia (PLAN). Em Fevereiro de 1983, Pretória lançou a “Operação Fénix”, reagindo a uma ofensiva das forças armadas da SWAPO. Esta acção militar terminou no dia 13 de Abril, com um resultado inesperado para Pretória: As forças armadas da África do Sul perderam 27 homens. Os racistas começavam a provar o sabor amargo da derrota. Pensavam que iam “caçar negros” em Angola e estavam a ser caçados.

Os sul-africanos reforçaram as acções contra Angola e em 6 de Dezembro de 1983 (há 40 anos) lançaram a “Operação Askari” para destruir as infra-estruturas logísticas das forças armadas de libertação da Namíbia (PLAN). Os ataques foram aéreos e terrestres.

Pretória entrou em desespero e entrou na via dos assassinatos selectivos. Em 29 de Junho de 1985 lançou a “Operação Boswilger”, que durou apenas 48 horas e consistiu no assassinato de combatentes e quadros políticos da SWAPO em solo angolano.

Salvamento do Biombo

Entre 19 de Setembro e o início de Outubro de 1985, a África do Sul avançou com uma intervenção militar de grande envergadura, agora no Cuando Cubango. As FAPLA tinham desencadeado a “Operação II Congresso” para aniquilar o “biombo” dos racistas de Pretória, as forças da UNITA. Quando as tropas do Galo Negro estavam praticamente aniquiladas, as forças de defesa e segurança de Pretória vieram em sua defesa e atacaram as FAPLA no Lomba. Os racistas ainda precisavam de se esconder por trás de uma pretensa “guerra civil” em Angola.

Entre 14 de Agosto e 25 de Novembro de 1987 (há 36 anos), a África do Sul lançou a “Operação Moduler” que visou travar a ofensiva das FAPLA na via entre Cuito Cuanavale e Mavinga, vila ocupada pelos racistas e onde o Presidente PW Botha esteve, levado pela mão de Savimbi. Pela primeira vez nos tempos modernos um Chefe de Estado estrangeuro entrou num país soberano, à força.

O triângulo do Tumpo

As FAPLA tiveram de recuar e adoptar posições defensivas. Pretória lançou então a “Operação Hooper” para capturar o Cuito Cuanavale, avançar sobre Menongue e daí para o Planalto Central. Tropas aliadas da UNITA já estavam na zona do Bié. O objectivo final era criar um “país” para Savimbi a Sul do rio Cuanza. 

O teatro desta operação foi o Triângulo do Tumpo, à vista do Cuito Cuanavale. Faz parte da Batalha do Cuito Cuanavale na qual os racistas de Pretória foram derrotados. E com a derrota, foram forçados a capitular em Nova Iorque, aceitando a independência da Namíbia. Mas a África do Sul, apesar da mudança de regime, não largou mão do seu “biombo” e guardou os “melhores combatentes e o melhor material” em bases secretas no Cuando Cubango, que atacaram assim que a UNITA perdeu as eleições em 1992.

Tomem nota de mais operações militares da África do Sul em Angola:

Operação Hooper. Decorreu de 15 de Dezembro de 1987 a 26 de Fevereiro de 1988. Visou desalojar as FAPLA das elevações de Chambinga e da Base Logística do Tumpo.

Operação Packer. Decorreu de 26 de Fevereiro a 23 de Março de 1988. Visou impedir que as FAPLA se reorganizassem para uma nova ofensiva, através de ataques de pequena envergadura, flagelamentos e minas.

Operação Displace. Decorreu de 30 de Abril a 29 de Agosto de 1988, data em que os últimos soldados sul-africanos se retiraram de Angola, após terem sido derrotados no Triângulo do Tumpo. Visou apoiar o grupo de engenheiros (sapadores sul-africanos) empenhado na implantação de minas, em quase todas as travessias sobre os rios Cuito e Cuanavale, numa extensão superior a 14 quilómetros, para evitar a exploração do êxito pelas FAPLA.

Os racistas de Pretória, coligados com os EUA, Reino Unido, França e República Federal da Alemanha desencadearam em Angola várias operações com vista a destruir unidades económicas. O Governo sem meios de financiamento para enfrentar a guerra de agressão estrangeira tinha de capitular. Falharam. Tomem nota:

OPERAÇÃO AMAZONE desencadeada em 12 de Agosto de.1980. Esta acção de sabotagem visou destruir as fontes de recursos que sustentavam a guerra, realizando um ataque contra as instalações petrolíferas existentes no Porto do Lobito. OPERAÇÃO KERSLIG (CANDLE LIGHT) desencadeada no dia 30 de Novembro de 1981. Daqui a três dias faz 42 anos. Esta acção visou destruir a capacidade de Angola financiar o esforço de guerra, desferindo um ataque contra as instalações petrolíferas  no Porto do Luanda.

OPERAÇÃO ARGON em Maio de 1985. Esta acção visou destruir a capacidade de Angola financiar o esforço de guerra, desferindo um ataque contra a Base Petrolífera de Malongo, em Cabinda. Foi mal sucedida. O comandante da operação foi preso e mais tarde trocado por prisioneiros sul-africanos e namibianos. OPERAÇÃO COOLIDGE em 25 e 26 Agosto 1987. Esta acção visou a destruição da ponte sobre o rio Cuito Cuanavale, para impedir o abastecimento de material e víveres às tropas das FAPLA. 

Acabou a conversa da guerra civil senhor Presidente da República. Vossa excelência sabe que na Grande Batalha do Ntó os invasores eram estrangeiros. Até as “feiticeiras” que vinham a dançar em cima dos blindados eram estrangeiras! Estava lá, ainda se lembra? Eu fui o repórter.

* Jornalista

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