Montenegro investigado por pareceres que beneficiam empresa que forneceu betão para a sua casa
Pareceres que Luís Montenegro e o seu escritório deram à Câmara de Espinho beneficiam a ABB. Notícia avançada pelo Expresso revela que o inquérito está nas mãos do Ministério Público há dois anos e partiu de uma denúncia. A ABB é, segundo o Correio da Manhã, a empresa que forneceu o betão para a casa de Montenegro
Luís Montenegro e o seu escritório são alvo de uma investigação do Ministério Público há dois anos. Em causa está uma denúncia sobre a requalificação do canal ferroviário de Espinho, pela Barcelos, Alexandre Barbosa Borges, SA (ABB), cujo valor derrapou, segundo contas do Expresso, cerca de 9 milhões de euros acima do previsto. Um valor que, de acordo com os pareceres dados por Montenegro e por um dos seus sócios, devia ser suportado pela Câmara de Espinho, à data da adjudicação liderada pelo social-democrata Pinto Moreira.
Na edição desta sexta-feira, o Expresso revela que, entre 2019 e 2020, o escritório de Montenegro produziu vários pareceres jurídicos, em nome da Câmara de Espinho, para resolver os diferendos que surgiram entre a equipa de fiscalização da obra e a ABB. Alguns deles foram favoráveis à pretensão do empreiteiro.
Parecer de Montenegro arrasa serviços da Câmara
Desses pareceres destaca-se um assinado pelo próprio Luís Montenegro em maio de 2020. “Não compete à fiscalização emitir opinião jurídica que, ademais e in casu, se encontra totalmente errada nos seus pressupostos”, escreveu Montenegro, depois de os fiscais da Câmara entenderem que não só o empreiteiro tinha falhado um prazo legal como estava a estava a reclamar à autarquia um pagamento para o qual os técnicos entendiam não haver fundamentação.
“O enquadramento dos trabalhos, que em nosso entendimento são da sua [ABB] responsabilidade em 50%, não está correto, mas [o empreiteiro] não apresenta justificação para os mesmos”, reclamavam os fiscais da Câmara de Espinho.
Luís Montenegro arrasou a fiscalização. “A arguição jurídica da fiscalização tendente à sua aplicação é, em nosso entendimento, despropositada e somente explicável por desatenção ou desconhecimento técnico-jurídico”, argumentou. Mais: nesse parecer Montenegro defendia que a Câmara deveria introduzir no contrato uma cláusula proposta pela ABB na qual pedia uma série de valores a mais por trabalhos feitos, mas não aprovados pela autarquia.
Esse parecer levou Pinto Moreira a introduzir a referida cláusula, que custou 116 mil euros à Câmara de Espinho num contrato adicional.
Não foi o único contrato adicional feito com base em pareceres jurídicos dados por advogados do escritório onde então Luís Montenegro era sócio. Ao todo foram seis os contratos adicionais firmados entre a autarquia e a ABB. O mais caro deles custou 1,8 milhões à Câmara de Espinho e foi assinado na sequência de pareceres da SP&M que contrariavam os serviços de fiscalização da Câmara.
“Mesmo não identificando agora esse parecer em concreto, todo o trabalho da sociedade de advogados foi elaborado para a Câmara Municipal e defendendo sempre, única e exclusivamente, o interesse do município”, respondeu ao Expresso fonte oficial do gabinete do primeiro-ministro sobre a intervenção direta de Montenegro como jurista neste processo.
Obra cujo preço foi definido por arquiteto que fez casa de Montenegro derrapou 9 milhões
Neste momento e apesar dos seis contratos adicionais que fizeram subir o valor da obra, a ABB pede ainda em tribunal um total de 6 milhões de euros, em dois processos, o primeiro dos quais interposto em setembro de 2023, quando a Câmara já estava nas mãos do PS.
Segundo as contas do Expresso, caso o empreiteiro ganhe duas ações administrativas que tem atualmente em tribunal contra a autarquia, a obra terá uma derrapagem final de 73,2% sobre o preço base do concurso que ganhou, podendo custar mais 9 milhões do que o inicialmente previsto.
A ABB ganhou o concurso para a requalificação do canal ferroviário de Espinho, apresentando uma proposta sete mil euros mais baixa do que o preço-base do concurso público, quando as outras quatro propostas concorrentes estavam 25,3% a 40,5% acima desse valor.
A obra foi adjudicada por 12,4 milhões de euros e inclui a construção de um parque de estacionamento subterrâneo de 400 lugares no centro da cidade.
Segundo o Expresso, preço-base foi definido com base num orçamento desenhado pelo projetista contratado pela Câmara: o gabinete de arquitetura RDLM, o mesmo que desenhou a casa de Espinho de Montenegro.
A RDLM, segundo consta no site deste gabinete de arquitetura, foi também a responsável pelo projeto do Casino de Chaves, que pertence à Solverde, até há pouco tempo um dos clientes da Spinumviva, a sociedade familiar de Montenegro.
Sucessor do PM no seu escritório contradiz Montenegro
Na contestação às pretensões da ABB em tribunal pedindo mais pagamentos à Câmara de Espinho, o sócio que viria a substituir Luís Montenegro no seu escritório tem um entendimento oposto ao que Montenegro teve quando emitiu um parecer sobre este processo.
“É absolutamente falso que o empreiteiro não tivesse considerado na sua proposta [submetida a concurso público] os condicionalismos das infraestruturas não cadastradas, bem como a necessidade de se coordenar e obter informação atualizada junto de entidades terceiras”, escreve Nuno Castro Marques, dando razão à fiscalização da Câmara e falando em “desrespeitos inaceitáveis da ABB relativamente a instruções transmitidas pela fiscalização”.
PGR confirma inquérito
À VISÃO, fonte oficial da PGR confirma a existência do inquérito, sem dar mais pormenores. “O inquérito em referência encontra-se em investigação e está sujeito a segredo de justiça. Não tem arguidos constituídos”, respondeu por escrito a PGR a 12 de março, quando confrontada com um pedido da VISÃO sobre o inquérito que corre há dois anos, na sequência de uma denúncia, e envolve o primeiro-ministro.
Apesar de a investigação envolver o primeiro-ministro, a Procuradoria-Geral da República nunca deu nota pública do processo, que se iniciou quando Lucília Gago estava ainda em funções e continua agora com o seu sucessor, Amadeu Guerra.
Quando António Costa foi referido em escutas intercetadas no âmbito da Operação Influencer, a PGR liderada por Lucília Gago entendeu que era necessário tornar público que o então primeiro-ministro estava a ser alvo de uma investigação, num parágrafo que levaria Costa a demitir-se.
A ligação entre a ABB e a casa de Espinho de Montenegro
Segundo o Correio da Manhã, o betão usado na casa de seis andares construída por Luís Montenegro em Espinho foi fornecido pela ABB à Rui Mota Oliveira Services. Gaspar Barbosa Borges, presidente da ABB, disse àquele jornal que “a ABB não executou qualquer trabalho na moradia do Dr. Luís Montenegro. A sociedade Rui Mota Oliveira Services foi, em tempos, cliente da ABB e, nessa qualidade, contratou com esta última fornecimentos de betão para diversas obras, incluindo para a obra mencionada [de Luís Montenegro]”.
A Rui Mota Oliveira Services entrou em insolvência em janeiro de 2020, ainda durante a obra da casa de Montenegro, cujos trabalhos de construção terão começado em novembro de 2016 e terminado em outubro de 2020.
Apesar da insistência dos jornalistas e do pedido da PJ no âmbito de um outro processo (entretanto arquivado) sobre a casa de Espinho, Luís Montenegro nunca revelou as faturas do pagamento da sua moradia nem aos jornais nem às autoridades e nunca revelou o custo da construção.
Segundo o Correio da Manhã, a Rui Mota Oliveira Services tem uma dívida de mais de 41 mil euros à ABB que, de acordo com o mesmo jornal, nunca terá sido reclamada apesar de esse crédito estar reconhecido no processo de insolvência.
Gaspar Barbosa Borges recusou
divulgar o preço do betão fornecido à obra alegando, ao Correio da Manhã, estar
em causa “informação comercial sensível”. Ainda assim, o gestor assegurou que
“as faturas respeitantes ao fornecimento de betão para essa obra [de
Montenegro] foram pagas pela Rui Mota Oliveira Services no dia 5 de abril de
2018, mediante transferência bancária, tendo sido emitidos pela ABB os
competentes recibos no dia 10 de abril de
As polémicas da ABB
A ABB tem sido notícia por vários processos judiciais. No mais mediático o CEO da empresa e o ex-presidente da Câmara de Santarém pelo PSD, Moita Flores, acabariam por ser absolvidos em primeira instância em abril de 2024 de um caso que envolvia suspeitas de crimes de branqueamento de capitais e de corrupção por causa da construção de um parque de estacionamento na cidade ribatejana.
Em junho de 2024 foi notícia o litígio entre a ABB e o Futebol Clube do Porto, com a construtora a acusar o clube de incumprir um acordo para a construção da Academia da Maia.
E em setembro do ano passado, foi noticiado que a ABB estava a impugnar a adjudicação de uma obra de construção de uma residência universitária em Braga, com dinheiros do PRR.
Gaspar Barbosa Borges, o presidente da ABB, é administrador do Sporting Clube de Braga.
* Título PG
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