José Goulão* | Strategic Culture Foundation, excluído em Google (censura) | Publicado em Opera
A transformação de Gaza, ou pelo menos da sua costa, em empreendimentos residenciais e turísticos fechados já foi testada e está em curso há quase um quarto de século.
O mega-empreendedor da construção civil de negócios globais comissionado na Presidência dos Estados Unidos da América, Donald Trump, aparentemente ignorando os filtros do cinismo político dominante e assumindo a ganância inerente ao seu empreendedorismo, pousou os seus olhos gananciosos na costa mediterrânica da Faixa de Gaza e deduziu que uma nova, paradisíaca e altamente lucrativa “Riviera” poderia ser ali construída.
Sem saber, ou talvez já tentando estabelecer uma posição, o presidente-desenvolvedor civil entrou na terra reivindicada pelos colonos sionistas, que há muito tempo exigem um regresso à Faixa de Gaza para explorar o paraíso de acordo com os seus próprios interesses.
A transformação de Gaza, ou pelo
menos da sua costa, em empreendimentos residenciais e turísticos fechados já
foi testada e está em curso há quase um quarto de século. Os 19 colonatos
sionistas que existiram na Faixa de Gaza entre 1982 e 2006 eram condomínios
privados e luxuosos, protegidos pelas tropas israelitas; ocupavam
Em termos gerais, poderá haver um impedimento concreto a resolver para que o plano de Trump se concretize. Viveram no enclave até há pouco tempo, antes de Benjamin Netanyahu iniciar esta nova etapa do genocídio da população original da Palestina, mais de dois milhões de pessoas.
Para Trump, afinal, não há problema. Os habitantes do território são enviados para os países árabes, que terão de os acolher e integrar, ignorando talvez que este processo, a versão mais recente da “solução final”, já dura há quase oitenta anos e sem integração. Ele próprio, na pessoa do seu genro, inventou durante a primeira administração os chamados “Acordos de Abraão”, que se baseavam na transferência de palestinianos de Gaza e da Cisjordânia para a Península do Sinai egípcia e para uma cidade muito moderna e imensa criada de raiz, Neom, já em construção na província de Tabuk, na Arábia Saudita, ligada à referida Península do Sinai passando pelo Golfo de Aqaba e pelo sul da Jordânia. Para não fugir ao espírito de um dos objetivos do projeto e para que a construção de Neom seja realizada em zonas despovoadas, já foi realizada uma limpeza étnica do território, a mando do governo saudita, vitimando principalmente a tribo Howeitat. Os palestinianos expulsos para Neom e Sinai serviriam sobretudo turistas milionários que poderiam desfrutar exclusivamente das delícias do Mar Vermelho até ao Mediterrâneo. A nova “Palestina” resultaria então de uma transferência da população de Gaza e da Cisjordânia para um território no Sinai pelo megalómano Néon.
Não diga que Trump, na sua heterodoxia política e empresarial, por assim dizer, não é um visionário. De Gaza a Sharm-el-Sheik e Neom, do Mediterrâneo ao Mar Vermelho, na sua mente está o maior e mais paradisíaco complexo turístico do planeta, acessível a meia dúzia de mafiosos que controlam cada vez mais o mundo. Não será esta uma gloriosa antecipação do espírito do globalismo, esse futuro risonho para o qual o Ocidente tanto trabalha, mesmo que isso custe a vida e a expulsão dos locais de nascimento e de residência de milhões e milhões de seres humanos?
O rei anda nu
Mas o rei anda nu. Todo o disparate que rodeia esta extravagância (que deve ser levada a sério) de Trump não é mais do que um fruto natural da imensa estratégia de engano e mentiras cultivada pela política convencional para cometer as maiores atrocidades.
De alguns governos à ONU, as palavras de Trump foram interpretadas, com uma razão que não se pode negar, como a intenção de realizar uma limpeza étnica.
Vamos falar a sério. A limpeza étnica está em curso na Palestina há muito tempo. A “marcha da morte” de Lydda em 1948, o massacre da população das aldeias de Deir Yassin, ou de Ramle, no mesmo ano – a exemplo das centenas de cidades palestinianas “despovoadas” ao mesmo tempo – são episódios equivalentes ao massacre em curso em Gaza ou à expulsão em massa levada a cabo há poucos dias em Jenin, no Norte da Cisjordânia. É o mesmo sistema; é o mesmo processo: limpeza étnica.
Em última análise, estas ocorrências criminosas são uma inevitabilidade da existência da doutrina nazi, supremacista e racista do sionismo. “Uma terra sem povo para um povo sem terra” foi o primeiro princípio fundador do sionismo, há mais de 130 anos. Por outras palavras, a Palestina estaria desabitada e à espera do povo judeu, a quem foi prometida por Deus há três mil anos, através da pena de Moisés.
A Palestina, porém, foi e é povoada por um povo multifacetado e antigo, no seio do qual existia uma comunidade perfeitamente integrada de judeus palestinianos que, de acordo com as teses do sionismo, também faziam parte simultaneamente do “povo sem terra”. É em mistificações como esta que assenta a existência do Estado de Israel, que não se considera deste mundo, está acima de todos os outros e não se rege pelas leis terrenas, mas pelos dogmas do Antigo Testamento, com o seu inegável cunho de crueldade. Nada disto impede que o Estado sionista seja venerado por praticamente todos os outros habitantes do planeta, como se tivessem a consciência pesada devido ao Holocausto cometido por Hitler, horror que o sionismo sequestrou e abusadamente invoca e em que não foram apenas massacrados judeus, como reza a história, o que não se conhece em Israel e nos seus principais aliados.
Uma observação essencial que nunca é demais repetir. O sionismo não representa “os judeus”, sejam eles religiosos ou étnicos. Os dois grupos, sionistas e judeus, estão longe de se sobrepor, pois, por exemplo, não são poucos os cristãos – como os enérgicos Biden e Trump – que se auto-proclamam sionistas.
O sionismo não tem poder de representação para invocar o Holocausto ou para se considerar representante de todos os judeus, muitos dos quais – quem nos diz que não são a maioria? – não se identificam com a limpeza étnica e os episódios de genocídio cometidos em seu nome e considerados indispensáveis para que o objetivo do sionismo seja alcançado: a criação do Grande Israel, do Nilo ao Eufrates, pelo menos. Esta foi a terra prometida pelo deus dos sionistas, esta é a terra que o sionismo quer anexar, não importando os meios que tenha para tal. O judaísmo não se rege por estes objetivos e ambições. O sionismo é uma corrupção do judaísmo, é uma doutrina colonial, desumana e supremacista que considera os outros povos como “estrangeiros” e sem os mesmos direitos. Nada disto tem a ver com os judeus, o judaísmo e a sua imensa cultura antiga, de que existem grandes exemplos técnicos, científicos, económicos e artísticos – da literatura à música, da pintura, escultura e arquitetura ao cinema.
A realidade demonstrou, naturalmente, que a Palestina era habitada. Para que “os judeus” ali se instalassem, era necessário, portanto, expulsar os palestinianos. Uma ação que deveria ser feita, escreveram os teóricos sionistas, para criar um estado “com um regime de tipo europeu”. A chamada “única democracia no Médio Oriente”, cujos resultados são visíveis.
Mas se a Palestina era habitada, foi encontrada uma forma de reverter as coisas e de as encaixar à força na doutrina sionista.
É por isso que é natural ouvir ministros israelitas de hoje e de ontem, activistas de extrema-direita, fanáticos religiosos ou colonos sem raízes na Palestina – alguns nem sequer são judeus, no verdadeiro sentido da palavra – afirmarem que os palestinianos “não são humanos”; ou são “bárbaros”, ou “animais”, ou “selvagens”, ou “sub-humanos”; ou “Os palestinianos e outros ‘goyim’ (estrangeiros e não judeus) têm uma alma mais próxima da alma dos animais do que da alma de um judeu”, lido, neste caso, por um sionista. Em suma, seres inferiores que devem ser expulsos para que a “vontade de Deus” possa ser cumprida e, finalmente, aquela terra prometida possa ser santificada.
Afinal, Donald Trump enunciou, com palavras grosseiras e inconvenientes para as más consciências, sobretudo as ocidentais, um conceito que é inerente ao sionismo, e não ao judaísmo.
Escândalo com o resort de Trump
em Gaza? Afinal, é mais um episódio de limpeza étnica que o mundo tem vindo a
observar, por vezes prolixo, mas sempre calmo e sereno, há quase 80 anos.
Alguns governos e coisas do género na União Europeia insistem, como um mantra,
na “solução dos dois Estados” sem mexer um dedo sobre isso; outros manifestam
solidariedade para com a Palestina e os palestinianos e não têm qualquer
influência ou sentem que cumprem o seu dever desta forma; a ONU arrisca algumas
palavras mais ásperas, mas tem a faca e o queijo na mão para fazer cumprir as
leis que aprovou e não respeita; para aplicar resoluções que ignora e armazena
uma após outra, transformadas em arqueologia diplomática e direito
internacional. Tem as suas “forças de paz”, que prefere utilizar como tropas
coloniais; representa todos os países do planeta, mas tem medo de Israel, além
de ser incapaz de denunciar o conceito nocivo e tóxico do sionismo. A ONU teve
coragem e autoridade suficientes para impor sanções contra o regime do
apartheid na África do Sul, mas não consegue ou não quer fazer o mesmo contra o
apartheid
Há pelo menos alguma agitação nos círculos políticos e mediáticos, sem dúvida, também por causa de Trump. E se Biden tivesse dito as mesmas palavras que Trump? Seria um presidente criativo ao propor uma solução eficaz para o problema de Gaza? Ou apenas mais um cristão sionista cúmplice de genocídio e limpeza étnica? A dúvida mantém-se.
Antes tarde do que nunca, será dito sobre o rebuliço. Neste caso é difícil que o aforismo seja verdadeiro. Trump e o seu confidente Benjamin Netanyahu – que, sejamos honestos, ganhou uma nova vida porque os seus chacras não se alinhavam muito bem com os de Biden – vão continuar a saga contra o povo palestiniano; o mundo envolvente, especialmente no Ocidente, regressará à sua passividade habitual, incapaz ou não disposto a ir além das palavras. Os palestinianos continuarão sozinhos e desprotegidos, mesmo com a sua inesgotável capacidade de luta e resistência, contando apenas com a solidariedade planetária dos cidadãos e das organizações cívicas a seu lado, capazes de lhes dar algum alento e cuja eficácia nos esforços de desenvolvimento é cada vez mais notável.
Esclarecimento preventivo
Este texto não é anti-semita, apenas desobedece ao decreto sionista que pretende equiparar, mais uma vez de forma abusiva, o conceito de anti-semitismo ao exercício saudável e democrático da crítica à doutrina sionista e ao comportamento do Estado de Israel. O sionismo é, na teoria e na prática, o conceito mais anti-semita aplicado à face do planeta, pois define outros povos semitas como anti-semitas, nomeadamente os palestinianos e até as comunidades judaicas na Palestina que são contra a existência do Estado de Israel. Quanto aos governos ocidentais que aceitam a definição sionista de anti-semitismo, mesmo pretendendo criminalizar aqueles que são desobedientes e impô-la dentro da estrutura de uma única opinião, eles próprios não passam de anti-semitas.
*José Manuel Goulão é um jornalista português
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