quinta-feira, 13 de março de 2025

Portugal | DESCONFIANÇA

Paulo Guinote* | Diário de Notícias, opinião

Assisti durante a tarde de 3.ª feira, com a escassa incredulidade que me resta, ao que passou por ser um debate sobre uma moção de confiança apresentada por um Governo ao Parlamento, ao qual deve prestar contas. De debate teve pouco, pelo menos para quem ainda tenha algumas ilusões acerca da capacidade da nossa classe política de apresentar ideias e discuti-las com um mínimo de elevação na forma e um mínimo de densidade na substância.

Se tudo se tivesse passado fora do ambiente parlamentar, mais do que rejeitar uma qualquer moção de confiança, parece-me que seria aprovada uma moção de desconfiança generalizada sobre uma classe política enredada em questões mesquinhas, das quais se tentam safar através de truques mais próprios de uma disputa de Jotinhas pelo domínio de uma associação de estudantes numa Escola Secundária.

Não adianta dizer-se que este é o discurso do “populismo”, porque o pior serviço que se pode prestar ao regime democrático é torná-lo refém de tropelias que revelam o desconhecimento das regras mais básicas do funcionamento do Parlamento, como colocar membros do Governo a fazer propostas que só os deputados podem e líderes parlamentares a sugerirem como conduzir os trabalhos, função que é exclusivo da presidência da Assembleia da República.

A desorientação assumiu tais proporções naquele jogo do “vamos reunir-não vamos reunir”, do “suspende-não suspende a sessão”, do “vota-se ou não se vota o requerimento” e do “tira tu a moção que eu não tiro a comissão”, que uma líder parlamentar fez uma intervenção na qual anunciou o sentido de voto (contra) um requerimento, para poucos minutos depois se abster. E ainda tivemos um deputado da direita conservadora a considerar que se deveriam desprezar “formalidades” como se o respeito pelas regras parlamentares fosse um empecilho aos jogos florais em desenvolvimento.

Sei que as queixas em relação à qualidade dos nossos protagonistas políticos e da própria vida política nacional são tão antigos e já mereceram tantas prosas sarcásticas, que é redundante revisitar esse território, embora surja sempre um novo ponto baixo em toda esta coreografia tristonha, que esconde com encenada indignação um enorme vazio ético.

Poderia revisitar os eternos Eça, Fialho ou Ramalho ou citar cronistas mais recentes, mas prefiro repescar o desanimado retrato do ostracizado Rui Mateus, quando a Democracia Portuguesa tinha pouco mais de 20 anos:

“(…) os partidos e os seus principais dirigentes rapidamente desperdiçariam este enorme património, em lutas intestinas e com vaidades provincianas. Hoje, visto de fora para dentro, Portugal regressou ao seu estatuto de país insignificante e receptor. Não foram conseguidos os grandes objectivos da Revolução de Abril e o País encontra-se entre a Europa e a mediocridade.”

Contos Proibidos, p. 19

* Professor do Ensino Básico.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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