Pep Velenzuela, correspondente de Outras Palavras em Barcelona
Primavera jovem espanhola expande-se, toma praças em mais de 200 cidades, desafia ordem judicial e identifica com mais clareza seus adversários
Já é madrugada de 21 de Maio, nas praças ocupadas da Espanha e a polícia não chegou. O Tribunal Eleitoral havia ameaçado jogá-la contra os manifestantes, caso teimassem. Interpretando de forma esdrúxula a legislação – que proíbe comícios às vésperas das eleições – “exigira” que centenas de milhares de jovens abandonassem o protesto que fazem contra a velha política.
A resposta veio seca. Os manifestantes mandaram avisar que não saíam. Anunciaram que fariam no sábado, em respeito à lei, os chamados “gritos mudos”. Enormes protestos, em que a multidão permaneceria sem palavra alguma, um gesto – a mão sobre a boca – bastando para expressar como se sentem, diante da “democracia”. Em poucas horas, duplicou o número de pessoas que aderiram aos protestos. Além de coalhar a Puerta del Sol, em Madri, e a Praça da Catalunha, em Barcelona, eles se expandiram para mais de 200 cidades – todas com as praças principais tomadas. Iniciada com passeatas, há apenas uma semana (em 15/5), e chamada por isso de “Movimento 15-M”, a mobilização por “Democracia real, já” também passou a enxergar mais claramente seus adversários: “Não somos mercadoria nas mãos de políticos e banqueiros” destaca um dos sites principais produzidos pelos acampados.
“Nós, os desempregados (quase 5 milhões nesta hora, mais do 20% da população ativa), os mal pagos, os subcontratados, os precários, os jovens…” reza um manifesto produzido pelo “Democracia Real”, “queremos uma mudança e um futuro digno”. O texto desenha as linhas básicas uma proposta que vai se concretizando nas assembleias multitudinárias: mudança da lei eleitoral, na direção de proporcionalidade e listas abertas; não ao financiamento privado dos partidos e as campanhas, controle público dos bancos e assim por diante…
Motivos para a luta dos jovens, realmente, não faltam. O país, desculpe o leitor, está fodido com a crise. Na Espanha, o estouro da bolha imobiliária é pior do que na Irlanda. O setor da construção civil deixou no desemprego centenas de milhares de trabalhadores. Também milhares de famílias ficaram sem condições de continuar a pagar a hipoteca e já foram ou vão ser despejadas das moradias. O próprio governo espanhol reconheceu que os jovens de agora viverão pior do que os seus pais. As passeatas no dia 15 de maio atearam fogo a um coquetel explosivo… e agora, a verdade é que ninguém sabe nem imagina até onde as coisas podem ir.
Os protestos deverão terminar até domingo, se não houver surpresas. Depois, esse movimento deverá encontrar seu próprio caminho – o que é o mais difícil, pois ele é muito diverso e heterogêneo, juntando de fato posições ideológicas até pouco amigas em alguns casos.
Mais há, em sentido oposto, a coesão produzida pelo encontro e convívio, nas praças tomadas. Durante as assembléias, onde se dá palavra para todo aquele que se animar a pegar o microfone, representantes de organizações de família despejadas da moradia por impossibilidade de pagar a hipoteca, de migrantes e desempregados, de comitês de trabalho em hospitais e escolas e liceus, de estudantes… apontam os motivos pelos quais não é mais possível ficar passivos. E denunciam bancos e política como responsáveis principais da situação, provocando o aplauso reiterado de uma animada e viva assembleia. Depois, vai chegando a hora da organização. Todos sabem que a mudança não é coisa de um dia, que uma passeata não resolve. Formam-se comissões de trabalho: logística do acampamento, relações com os outros acampamentos, propaganda e agitação, programação interna e para o resto de cidadãos.
Ninguém levou bandeira de sindicatos ou partidos; também não apareceram os líderes dos mesmos. À mesma hora das assembleias, numerosos atos de campanha aconteciam; todos, por certo, com muito menos público. Mas há, de qualquer modo uma boa presença de veteranos militantes de organizações políticas da esquerda. Armando, do histórico Partido Comunista Catalão, acredita que o “movimento será efêmero, mas devemos estar aqui, eles são protagonistas, e vamos seguir adiante”. Núria, trotskista de longa data, não perde a fé, ao contrário: “Aprendi que não dá para fazer tudo de vez e menos ainda para correr sozinho”. No fim das contas, como disse Franki, mais uma voz na assembleia, “só o povo salvará ao povo”.
O fim de semana eleitoral vai ser ainda bem mais animado, agora ninguém duvida disso: mais pessoas mais acampamentos, mais assembleias e passeatas. Paira na atmosfera, porém, uma incógnita: e depois do fim de semana?
A maioria da população está ainda longe do movimento e, em princípio, deveria votar segundo as previsões estatísticas no domingo. Se elas se confirmarem, a direita deverá levar vantagem histórica. O cenário institucional que se pode prever é, portanto, terrível.
O movimento agora está apenas nascendo e vai ter que se confrontar com a realidade do passar lento dos dias… Mas não é menos verdade que já marcou época, sem dúvida. E ainda podem acontecer coisas tão surpreendentes quanto as dos últimos dias.
Sem esquecer que se cravou, no cenário político da Europa, uma enorme encruzilhada. Todos os governos veem, como medida para sair da crise, o corte de direitos sociais, aprovado por parlamentos que se recusam a debater com a sociedade. Mas após a primavera espanhola, em que país a juventude receberá estas medidas sem rebelar-se também?
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