quarta-feira, 2 de maio de 2012

Portugal: VALEU TUDO PARA PAGAR METADE NO PINGO DOCE




Helena Teixeira da Silva – Jornal de Notícias - ontem

Valeu tudo. Por um desconto de 50% em compras superiores a cem euros nos supermercados da cadeia Pingo Doce, houve tiros e feridos, histeria e agressões, houve polícia e famílias organizadas para poderem comprar a dobrar o que estava sujeito regras - o bacalhau, por exemplo, estava limitado a dez quilos por cada consumidor. Houve quem alugasse táxis para a deslocação ou carrinhos de compras por dez euros. "Vale tudo, porque compensa", dizia-se nas filas de espera. Compensa esperar para entrar, esperar para pagar, esperar para sair." Lutar para não ficar de fora.

O grupo Jerónimo Martins lançou esta terça-feira, mais ou menos em segredo, uma promoção inédita: pague metade de tudo o que levar. A informação espalhou-se de manhã e, ao início da tarde, a maioria das prateleiras ficou vazia: azeite, leite, arroz, açúcar e massas foram os primeiros bens a esgotar. Fraldas e enlatados, também. Os bens perecíveis, fruta, legumes e iogurtes não tiveram saída.

Em tempo de crise, os portugueses fizeram uma escolha: encher a dispensa com o que não se estraga. A quase totalidade das lojas do grande Porto fechou muito antes das 18 horas, hora oficial de encerramento, por ruptura de stock ou por intervenção policial motivada por desacatos na corrida aos saldos na alimentação.

Truques para comprar a dobrar

Depois de uma tentativa gorada para entrar na loja do Padrão da Légua, em Matosinhos, uma das primeiras a fechar por "falta de segurança", o casal Azevedo, Armando e Lurdes, seguiu para a Senhora da Hora. Entrou perto das 13 horas, saiu mais de quatro horas depois. Com eles levavam a intenção de gastar cem euros - gastaram 600. Ou melhor, 300. "Reconheço que comprei muitos produtos supérfluos, sobretudo detergentes e vinhos, algumas reservas que há muito tinha deixado de beber", admitiu o empresário de metalomecânica, distribuindo as compras pela mala do carro enquanto trocava um sorriso com a mulher: estavam "cansados", mas "felizes" por terem conseguido entrar. Àquela hora, à porta da loja, menos afortunada, uma pequena multidão gritava, reclamava, exigia falar com o segurança, com o gerente, pedia o livro de reclamações que aparentemente ninguém viu. Lá dentro, conta Armando, "a desorganização foi total.

Não havia carrinhos para toda a gente, as pessoas arrastavam as compras pelo chão, disputavam as caixas de fruta para as transportar, acotovelavam-se pela última embalagem de papel higiénico." O casal não chegou a tempo para comprar massa ou arroz, mas conseguiu organizar-se para comprar bacalhau. "Cada pessoa só podia comprar dez quilos. Por isso, pagámos como se tivéssemos vindo separados." Valeu a pena, claro.

O cenário de tensão, evidente em várias lojas em Matosinhos, não foi diferente do que o JN encontrou em várias lojas no Porto. Na da Avenida da Boavista, a meio da tarde, foi dada uma ordem: quem sair não volta a entrar. "Nem para vir buscar ajuda?", perguntou uma senhora. "Para nada", respondeu o segurança. Buscar ajuda significava resgatar o familiar ou amigo que entretanto saíra para levar sacos ou caixas para acomodar as compras.

O anúncio precipitou a confusão. Também ali foi solicitada a presença da polícia, e pouco depois soou a declaração mais temida pela fila: a loja vai fechar durante duas horas e poderá não voltar a abrir. Uma nuvem de desalento desceu sobre o rosto de Sónia Cerqueira. Ela até sabia do segredo desde domingo à noite, fuga de informação partilhada pelo amigo de um amigo, a irmã fizera calmamente compras durante a manhã, naquele mesmo local, ela deixara-se ficar para a tarde - e agora era tarde de mais. Queria sobretudo comprar fraldas para a filha e "mais dois ou três pacotes dos produtos" que já costuma comprar.

Encolheu os ombros, não disse palavra.

Ao lado, Abel Raeiro, reformado, discursava. "Não aceito que nos considerem inferiores, não aceito ser tratado como cidadão do terceiro mundo, exijo falar com o seu patrão", dizia, dedo em riste, virado ao funcionário incumbido de dizer que o stock quebrara. A sua revolta não se deveu à promoção, mesmo questionando-se sobre ela, porque "ninguém dá nada a ninguém", mas sobre a organização. Na fila, sem carro de compras e já sem a expectativa de entrar, perguntava: "como é possível oferecer uma coisa destas sem prever que iria dar nisto?" Isto é a exaltação fruto de "oferecer metade das compras só a metade das pessoas". A metade beneficiada entupiu o parque, o alarme de CO2 manifestou-se durante toda a tarde, todos reclamaram da falta de segurança.

A loja do Pingo Doce de Coimbrões, em Gaia, foi a única em que o JN conseguiu entrar e a única que, pouco antes das 18 horas, ainda aceitava clientes. Mas entrar para comprar exigia doses extra de coragem. As filas para pagar desenhavam um comboio pelo interior da loja, um círculo sem intervalo entre o início e o fim, as prateleiras quase todas vazias, o chão maltratado por embalagens perdidas, clientes aos encontrões, funcionários exaltados, muita gente a respirar em pouco espaço. À porta, um desistente desabafava: "Escrevam sobre isto, digam que é o fim do mundo, porque o fim do mundo não deve ser diferente."


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