Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
Na impossibilidade de condecorar todos os portugueses que estão a aprender a viver sem comer, o presidente da República vai atribuir condecorações a 21 personalidades das comunidades portuguesas e cidadãos estrangeiros, por ocasião do Dia de Portugal.
A escolha das personalidades tem, contudo, uma grave lacuna. Já era mais do que justo que Cavaco Silva condecorasse José Eduardo dos Santos. Não faltam razões que justifiquem esse reconhecimento. Uma delas poderia ser a certeza de que o presidente de Angola está a meter na cadeia todos aqueles, nomeadamente em Cabinda, que pensam de maneira diferente.
Espero, contudo, que Cavaco Silva ainda vá a tempo de colocar Eduardo dos Santos entre os condecorados. E este ano seria ouro sobre azul. Desde logo porque seria uma forma e enaltecer o único Estado da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, à qual Luanda preside, que têm há 33 anos o mesmo presidente e que nunca foi eleito. Isto para além de ser governado pelo mesmo partido, o MPLA, desde 1975.
Que importa que Angola seja de facto, que não formalmente, uma ditadura? Sim, o que é que isso importa?
A única coisa que conta nas ocidentais praias lusitanas é o petróleo, que é um bem muito – mas muito - superior aos direitos humanos, à democracia, à liberdade, à cidadania.
Reconheça-se, contudo, que a hipocrisia não é uma característica específica de Portugal, se bem que no reino de Cavaco & Coelho tenha alguns dos seus mais latos expoentes.
E como Angola tem petróleo (grande parte roubado na sua colónia de Cabinda), ninguém se atreve a perguntar a Cavaco Silva se acha que Angola respeita os direitos humanos, ou se é possível que a presidência da CPLP seja ocupada por um país cujo presidente está no poder há 33 anos, sem ter sido eleito.
Cavaco Silva, como não poderia deixar de ser, não vê o que se passa mas amplia o que gostava que se passasse. Vai daí não se cansa (embora sem a mesma efusividade de José Sócrates ou de Passos Coelho) de enaltecer os méritos do regime angolano.
É claro que em Angola, tal como nos restantes países da Lusofonia, existem muitos seres humanos que continuam a ser gerados com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Mas, é claro, morrem em... português... o que significa um êxito também para Portugal.
Cavaco Silva, tal como Passos Coelho, tem razão. O importante é mesmo os famintos e miseráveis da Lusofonia saberem dizer, em bom português, “não conseguimos viver sem comer”. Continuarão, como até aqui, sem comida, sem medicamentos, sem aulas, sem casas, mas as organizações internacionais vão perceber o que eles dizem.
Tal como perceberam que Portugal transferiu a presidência da CPLP, com todo o brilhantismo e à volta de uma mesa farta, para um país que, por exemplo, mantém forte presença militar e policial na sua colónia de Cabinda, que não respeita os direitos humanos e que é dos mais corruptos do mundo.
Mas o que é que isso importa? O importante é que Angola fala português, com ou sem acordo ortográfico, tem petróleo que nunca mais acaba (embora a partir de uma colónia) e, mais importante do que tudo, está em vias de resolver os problemas económicos de Portugal.
Problemas que acabarão quando a Oferta Pública de Aquisição, parcial ou total, lançada pelo regime do MPLA sobre Portugal se concretizar. E, reconheçamos, condecorar José Eduardo dos Santos ou, aceito, a sua filha Isabel, seria uma preciosa ajuda.
Recordam-se que, no dia 6 de Maio de 2008, o músico e activista Bob Geldof afirmou, em Lisboa, que Angola é um país "gerido por criminosos"? Porque se trata de uma injustiça… Portugal poderia provar o contrário ao reconhecer os préstimos mundiais do presidente de Angola.
Cavaco Silva não pode esquecer que foi graças a José Eduardo dos Santos que Portugal adoptou a democracia, que a escravatura foi abolida, que D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os rios passaram a correr para o mar…
Cavaco Silva não pode esquecer que o MPLA é Angola e que Angola é o MPLA. Aliás, quando ouviu os cabindas dizerem que se põem de joelhos só perante Deus, Eduardo dos Santos disse ao MPLA que queria ser Deus. E assim aconteceu!
Legenda: À esquerda, o presidente de Angola recebe o Nobel da Paz. À direita, o dono do Jornal de Angola recebe o Prémio Pulitzer.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: SERIA O FIM, EMBORA APLAUDÍVEL, DA MACACADA!
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