quarta-feira, 13 de junho de 2012

UM ANO DEPOIS





1 Um ano depois de o atual Governo ter entrado em funções, todos os portugueses sentem - e o próprio Governo reconhece - que tudo está muito pior do que antes. A culpa não é só das políticas do Governo. É, fundamentalmente, da crise global que aflige a União Europeia no seu conjunto. Como sempre escrevi, nestas crónicas, mesmo no tempo do anterior Governo e que o PSD então não gostava de ouvir. Porque os dirigentes europeus, na sua esmagadora maioria, ultraconservadores e neoliberais, partidários de uma globalização desregulada, aceitaram sempre que os mercados estivessem acima dos Estados, assumindo por inteiro a ideologia neoliberal, principal responsável pela crise global e múltipla que nos afeta.

A circunstância de o Governo, há um ano eleito, ser constituído na sua maioria por neoliberais convictos - que celebraram a vinda da troika como um bem supremo, cujas políticas devia respeitar e ir além delas, como sucedeu - não só teve como consequência diminuir consideravelmente um país, com quase nove séculos, transformando-o num protetorado da troika, como, sem estratégia nem bom senso, se ter lançado em políticas de pura austeridade. Resultado: os cortes e cada vez mais cortes estão a destruir o Estado Social e o Estado de bem-estar e a conduzir o País para uma recessão económica profunda, ao empobrecimento de boa parte da população e ao flagelo do desemprego, numa proporção nunca vista.

Um ano depois desta política, de terrível austeridade, Portugal vai enfraquecendo dia a dia, sem explicações prévias aos portugueses, nem qualquer diálogo consequente com os Partidos e os Parceiros Sociais. Assim, o Governo está a ficar cada vez mais isolado e o descontentamento contra ele, vindo de todos os sectores, começa a ser muito grande. Não se iluda o Senhor Primeiro-Ministro e o Governo quanto à paciência dos portugueses que, com efeito, tem sido grande, ou com os elogios (interessados) da troika. A continuar assim, tudo lhes vai, inevitavelmente, cair em cima. E de que maneira!

D. José Policarpo, Patriarca de Lisboa, na homília que proferiu na Sé de Lisboa, no dia 7 deste mês, feriado do Corpo de Deus, disse com a sua lucidez e prudência habituais: "É preciso que os líderes europeus mantenham a dignidade da pessoa humana no centro da resposta à crise." E acrescentou: "A solução só será encontrada com uma revolução cultural." "Porque no centro das preocupações da Europa deveria estar a pessoa humana na sua dignidade e na sua vocação de fraternidade." E o porta-voz da Conferência Episcopal, D. Manuel Morujão, esclareceu: o Cardeal-Patriarca referia-se "às soluções economicistas, vistosas e pouco duradouras, adotadas pelos Estados da Zona Euro, incluindo Portugal". E conclui: "Temos de seguir por um caminho que dê primazia à pessoa humana e aos valores e não seguir o caminho economicista dos nossos dias".

D. Januário Torgal, Bispo das Forças Armadas, e D. João Lavrador, Bispo Auxiliar do Porto, pronunciaram-se no mesmo sentido, visando aliás o atual Primeiro-Ministro, Passos Coelho. Temos que ultrapassar - disseram - os tempos de austeridade.

Aliás, membros ilustres do PSD, reclamando-se da social-democracia, como Manuela Ferreira Leite, Rui Rio, Pacheco Pereira, entre outros, também se têm pronunciado contra as políticas de austeridade, que estão a empobrecer os portugueses, sem remédio e ignorando a dignidade dos cidadãos e uma política de valores.

O PP, membro da Coligação do Governo, salvo algumas raras exceções, tem-se mantido silencioso. Mas como a sigla CDS voltou a ser utilizada, a política social da Igreja vai, necessariamente, reaparecer, no momento político que pareça ao líder do CDS/PP ser o mais oportuno.

O PS, que tem cumprido o primeiro compromisso com a troika - onde isso vai, depois de um ano, em que tudo tem mudado consideravelmente? -, também tem vindo a opor-se às medidas de austeridade e às chamadas "privatizações" (melhor dito: às vendas ao estrangeiro), afirmando, pela voz do seu Secretário-Geral, a necessidade imperativa do crescimento económico e da luta contra o desemprego.

O Governo, portanto, não vai contar com o PS, para correr em seu auxílio. Nem com os Sindicatos e os outros Parceiros Sociais. Resta-lhe, portanto, ou mudar as políticas de austeridade (o que é contrário a tudo o que fez até agora) ou sujeitar-se a um isolamento político, que lhe será fatal. Um dilema que não augura nada de bom, nos próximos meses, para o futuro deste Governo...

2 A Espanha em maus lençóis

Mais uma vez uma agência de rating - desta feita a Fitch - colocou em risco a dívida pública de Espanha, a que chama lixo, invocando a necessidade urgente da recapitalização da Banca Espanhola. A União Europeia, em pânico, preferia, dado que a Espanha é a 4.ª economia europeia, um pedido de ajuda. A Itália, numa posição muito semelhante à de Espanha, mas muito discreta, também gostaria que Madrid se decidisse e pedisse ajuda, visto que enquanto o pau vai e vem folgam as costas. Contudo, o Governo presidido por Mariano Rajoy hesitou. Não quis tornar-se um novo protetorado de uma outra qualquer troika. Tem razão e Rubalcaba, líder da Oposição, parece apoiá-lo...

Bruxelas, entretanto, decidiu salvar os bancos espanhóis - mesmo sem austeridade - e no sábado passado avançou com a promessa de cem mil milhões de euros a Espanha, um bom exemplo para Portugal repensar a sua política, dado que a Irlanda quer já renegociar o seu resgate...

A Chanceler Merkel, depois de ter cometido tantos disparates e de ter contribuído para que a União Europeia, como hoje todos reconhecem, esteja à beira do abismo, pediu agora aos 27 Estados membros (vide El País de dia 8) que "cedam soberania em troca de mais União Política". Porque a Alemanha - disse Merkel - fará o que for necessário para dominar a crise. Veremos...

É certo que a Espanha está a viver uma conjuntura muito difícil. Não é só o sistema bancário que está em crise, como o Bankia, com casos de corrupção e fraude. Há nas Caixas (Catalunya Caixa e Novagalicia) "buracos" inesperados consideráveis que se estimam em 80 mil milhões de euros. Mas não esqueçamos que o desemprego é outro flagelo, que subiu a 24,3% da popu- lação e o desemprego jovem a 51,5%. Num Estado como a Espanha, dividido em 17 autonomias, está-se perante uma crise muitíssimo grave. Por isso, a Europa estremeceu, o Presidente Barack Obama - como aliás o FMI, mais uma vez - chamou a atenção para a crise que o capitalismo neoliberal, dito de casino, provocou. Parece claro que a crise não pode ser resolvida pelos mesmos que a provocaram. Assim, é preciso mudar urgentemente de paradigma, como François Hollande, Presidente da França, e o Presidente Barack Obama, o aliado americano, têm vindo a reclamar. Na realidade, seja o que for que aconteça, nas próximas semanas, começou a haver um movimento antineoliberal na Europa a manifestar--se contra a austeridade sem regras e em favor de uma União Política com uma economia real (não virtual) e os Estados membros de Direito, solidários, capazes de dominar os mercados, com democracias sociais e sociedades mais igualitárias e de bem-estar.

Eis um programa pelo qual todos os europeus progressistas devem lutar. Não só para evitar o abismo mas também para que o projeto europeu avance não só para uma União financeira e fiscal, mas também social e política, como é indispensável.

3 A crise que se arrasta na Grécia

A Grécia, berço da civilização europeia, a que se deve a democracia, tem vindo a ser, nos últimos anos, muito atacada pelo capitalismo neoliberal. A ganância pelo dinheiro arruinou os próprios bancos gregos, mal orientados pela banca alemã. Primeiro, pôs no poder um partido de Direita, ultraconservador, que destruiu as finanças públicas para ser agradável aos mercados usurários. Depois in extremis, quando a situação já era muito difícil, chegou ao poder o PASOK, socialista, dirigido por Georges Papandreou, neto, mal recebido por uma Europa então quase toda ultraconservadora. Atacado pela Direita extrema e pela Esquerda dita radical, os sociais-democratas gregos do PASOK foram forçados a demitir-se, pela pressão alemã da senhora Merkel. Um caso sem perdão! Deste então, com um Governo de circunstância, à espera de eleições, muitos europeus finalmente compreenderam que era necessário salvar a Grécia da bancarrota e do caos. Mas como?

Há poucos dias, num debate em direto da televisão, no Parlamento uma deputada comunista grega foi esbofeteada por um deputado neonazi. Um espetáculo doloroso que só demonstra que sem regras, no plano económico e com um capitalismo de casino, a democracia dificilmente pode funcionar. Lembremo-nos dos anos finais da República de Weimar: primeiro foram para os campos de extermínio hitlerianos os sociais-democratas, mas a seguir foram, igualmente, os comunistas... Pobre Grécia e pobre Europa...

Esperemos que as eleições do próximo domingo criem à Grécia condições para um Governo eficaz - que tenha a ajuda europeia - e possa repor a Grécia no lugar a que tem jus.

4 Hollande de novo em eleições

François Hollande não perdeu tempo desde que ganhou as eleições presidenciais. Falou com a Senhora Merkel, no próprio dia da sua investidura, e não teve papas na língua. Esteve, depois, no Canadá e encontrou o seu aliado natural mais importante, o Presidente Barack Obama, em Chicago, salvo erro. Esteve no G8 e falou claro e, depois, na última Cimeira de Bruxelas, onde voltou a dizer o que pensava.

Hoje, há uma corrente europeia clara que se revê nas suas posições e que procura isolar a Chanceler Merkel, apesar de as suas cedências não terem sido poucas.

No passado domingo, 10 de junho, realizaram-se as eleições legislativas em França. O sucesso dos socialistas, aliados aos Verdes e à Frente de Esquerda, ultrapassou o que se esperava. O antigo partido de centro-direita de Sarkozy - embora ele se tenha posto à margem - ficou mais ou menos a par da extrema-direita da família Le Pen. O que foi significativo, num tempo em que a extrema-direita pró-nazi, cresce em vários países europeus. Há que a isolar e enquadrar, enquanto é tempo.

Hollande - com excelentes resultados, que vão melhorar no próximo domingo - tem assim o caminho aberto para seguir o seu percurso político, sem tergiversações. A Europa tem de mudar, quer a Senhora Merkel queira, quer não. Isso ajuda a América do Norte, como Barack Obama disse, a ganhar ele próprio as eleições (em novembro), como é tão necessário que aconteça para a Europa e o mundo. A China, que começa a sentir a crise global a bater--lhe à porta, também só tem van- tagem nisso. O neoliberalismo tem de desaparecer do mapa - pacificamente - como sucedeu com o comunismo soviético, do final do século passado !

5 Maria Keil

Morreu Maria Keil, com 97 anos, uma bonita idade, viúva há longos do arquiteto e antifascista Francisco Keil do Amaral. Um casal exemplar, do qual a Maria de Jesus e eu próprio tivemos o privilégio de ser amigos íntimos.

Maria Keil marcou as artes plásticas portuguesas, como pintora, ilustradora, ceramista, preenchendo as estações de metro de Lisboa com a beleza excecional dos seus coloridos painéis. Foi, além disso, até ao fim, uma pessoa humana a todos os títulos invulgar.

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