Baptista-Bastos – Diário de Notícias, opinião
Está a registar-se, embora lentamente, um movimento de regresso à terra, como meio de subsistência. É o resultado dramático da ausência de perspectivas para os mais novos, e do sufoco que sofrem os mais velhos, com a extorsão aos seus elementares rendimentos. Este retorno não vai alterar, em nada, as dificuldades por que atravessamos: apenas alivia alguns portugueses, uns por desespero e não desejarem sair do País; outros por impedimento da idade. A agonia lenta de muitos de nós torna-se cada vez mais inteligível, mesmo para aqueles que proclamam o estribilho insultuoso segundo o qual "estamos no bom caminho."
O tornar ao campo não significa o desejo subjectivo contido, por exemplo, no Jacinto d'A Cidade e as Serras, de redescoberta do paraíso perdido. Aquele fora atacado pelo "mal de siècle", o tédio e a ociosidade. Os portugueses de agora são o alvo, aparentemente inconvertível, de uma ideologia protectora dos poderosos. Em vez de uma história em tempo longo mas, apesar de tudo, inspiradora de esperanças, impõe-se uma história com algo de sórdido e de inumano.
Aquilo que vale, do ponto de vista de economistas associados àquela doutrina, é a relatividade dos valores, e a consequente mutação dos indicadores financeiros. O "capitalismo desgovernado", de que falou, anteontem, em Fátima, D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga, resulta da própria natureza predadora do sistema. Aquele prelado, aliás, tem criticado a passividade dos cristãos ante o que considera uma pesada ameaça à Humanidade. Há um manifesto e significativo mal-estar em certos sectores da Igreja na análise à violência da razão dominante.
Pedro Passos Coelho não se sente constrangido ao obedecer aos ditames desta ideologia de repressão. Mas os efeitos de contágio são perigosos. Como já foi dito, o primeiro-ministro abriu a caixa de Pandora e não sabe como fechá-la. Acha-se muito confortável entre aquela gente com a qual se encontra nos sinédrios internacionais. Olhamos e não acreditamos que sejam eles que regem os nossos destinos. As flutuações do tempo, desde a queda do Muro de Berlim, permitiram a ascensão de uma mediocridade impante, que não garante nem a nossa liberdade nem a nossa segurança.
No PS, infelizmente, há quem simpatize com estes princípios dominantes, e aceite a versão de um mundo descomprometido dos valores do "universal humano." A ética é substituída pela pragmática, o eufemismo mais vil que existe para dissimular a traição. A exaltação do empobrecimento, como justificação para o equilíbrio das contas públicas, leva à degradação do ser, em todas as variantes. Uma loucura cega atravessa a Europa e invadiu Portugal. O regresso à terra é uma remigração exclusivamente determinada pelo capitalismo. A Igreja começou a advertir de uma deformidade que nos impele à destruição.
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