terça-feira, 28 de agosto de 2012

Portugal: O GOVERNO EM VERSÃO NINTENDO

 


Paulo Ferreira – Jornal de Notícias, opinião
 
A consola de jogos da Nintendo é a minha mais recente amiga. Travámos conhecimento no Algarve, durante as férias. A minha 3DS (a do meu filho mais novo, na verdade) é azul, cor do clube do meu coração, logo bonita, o que sempre ajuda a quebrar as dificuldades iniciais. A 3DS tem várias virtudes, entre elas a de entreter os miúdos enquanto nos demoramos no jantar. Mas também é pedagógica. Um dos meus jogos preferidos - a versão 7 do Mario Kart - é uma belíssima metáfora do percurso feito pelo atual Governo.
 
O jogo é simples, mas requer astúcia, treino, rapidez e lucidez na decisão para se ter sucesso. Seis bonecos seguem nos seus karts, uns atrás dos outros, por percursos vários. Durante o trajeto surgem cubos que, quando tocados pelos carros, libertam uma "arma" que os ajuda a livrarem-se dos incómodos concorrentes (cascas de banana, carapaças voadoras, etc...). Claro: às vezes, somos nós os visados pelas "armas" dos outros.
 
A coisa é relativamente fácil, quando jogada nas versões 50 e 100 centímetros cúbicos (cc). Só começamos a perceber como aquelas pequenas criaturas podem ser irritantes quando nos atrevemos a correr na versão 150 cc. Aí são necessários nervos de aço para não atirar a consola contra a parede.
 
Enquanto andou a jogar as versões 50 cc e 100 cc, o Governo pôde jurar, sem ruborizar, que, daqui a quatro meses, quando entrar o novo ano, as agruras dos portugueses começariam a desaparecer. Mal passou para o modo 150 cc, aquele em que a perícia do condutor é verdadeiramente posta à prova, o Governo estatelou-se. Porquê? Porque lhe falta treino, lucidez e rapidez na decisão. Cada curva mais apertada do percurso anuncia um precipício; cada "arma" disparada pela (cruel) realidade é recebida com o pânico típico dos inseguros; aos obstáculos que vão surgindo o Executivo fecha os olhos, na esperança de que desapareçam. O Governo anda desgovernado. Eu não emprestava a minha Nintendo a Passos Coelho, sob pena de o primeiro-ministro estragar todos os recordes que consegui nas férias...
 
Hoje, chega a Portugal a troika, para a quinta avaliação do andamento das medidas que supostamente nos tirariam do inferno. É já claro que o objetivo maior do memorando - controlo do défice e da dívida pública - não será alcançado nos timings previstos, pelo que resta saber o que aí vem: mais austeridade, mais tempo para controlar o monstro ou ambos em doses a definir pela troika?
 
O tempo, como no Mario Kart, esgota-se. E o tempo joga contra Passos: os sinais de definhamento e desnorte são claros em vários ministérios, o que significa que à crise financeira e económica pode estar prestes a juntar-se uma perigosa e insustentável crise política. O problema é que, ao contrário do que podemos fazer com a Nintendo, não dá para desligar e começar de novo com a nossa vidinha coletiva...
 

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