segunda-feira, 3 de setembro de 2012

ANGOLA E PORTUGAL

 

Diário de Notícias, opinião
 
Se há 10 anos, após a guerra civil, alguém fizesse a previsão de que em Angola se realizariam eleições com a participação da UNITA e de outros partidos da oposição, apesar de estar em exercício um governo dominado pelo MPLA, provavelmente o autor dessa visão seria olhado com alguns sorrisos complacentes dada a incredulidade de que a sociedade angolana pudesse pacificar-se sem o completo aniquilamento político de, pelo menos, um dos dois partidos que se combateram militarmente durante 27 anos.
 
Na verdade já se realizaram, depois do fim da guerra, duas eleições nessas condições. A primeira foi em 2008, seis anos depois da morte de Jonas Savimbi, o líder histórico da UNITA, e, ontem, foi a segunda. A notícia, para já, é a de que o ato eleitoral decorreu sem incidentes e essa, independentemente da contagem final dos votos, é uma primeira vitória para José Eduardo dos Santos, presidente do país há quase 33 anos.
 
O líder da UNITA, no preciso momento em que exerceu o seu direito de voto, anunciou a intenção de impugnar as eleições, num movimento político que dá sinais contraditórios, pois, por um lado, legitima o ato eleitoral e, por outro, declara não ter sido ele justo ou transparente. Independentemente de ter ou não ter razão sobre as críticas que faz à organização do processo, Isaías Samakuva tomou aquela que diz ser a "decisão mais difícil da sua vida" e fez com que a UNITA concorresse e fosse até ao fim nestas eleições. Optou, sem dúvida, pelo caminho que mais seguramente pode levar ao crescimento da democracia no país. Essa é também uma vitória para Samakuva. Esperemos pelos resultados eleitorais, incluindo os níveis de abstenção, e a análise que os observadores internacionais fazem destas eleições.
 
Portugal está numa encruzilhada nas suas relações com Angola e Moçambique. Por um lado, face à expansão das economias destes países, tenta atrair investimento, sobretudo de capitais angolanos, e procura, ao mesmo tempo, promover negócios e projetos vantajosos nessa parte da África lusófona. Por outro lado, multiplicam-se no nosso país as vozes que manifestam desconforto com esse estreitar de relações económicas. Desde argumentos políticos a atitudes que roçam o tom puramente colonialista, ouvem-se essas reservas que, contraditoriamente, não são manifestadas quando se fala de investimentos de capitais oriundos de outros países, alguns com regimes políticos objetivamente bem mais criticáveis do que estes.
 
Portugal ganharia em perceber a enorme oportunidade histórica que está a viver. Não é através de atitudes paternalistas sobre as sua antigas colónias que defenderá o progresso e a democracia nelas. Não é, igualmente, através da permanente desconfiança que beneficiará economicamente das relações que quer aprofundar.
 
Todos concordam que o mundo da Língua Portuguesa tem um potencial de riqueza imensa. Portugal não é dono dessa riqueza, não pode comportar-se como tal. Portugal não pode ser o irmão hipócrita nesta relação, que diz ser tão estreita quanto são as das grandes famílias.
 

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