Manuel Maria
Carrilho – Diário de Notícias, opinião
Tudo em convulsão
ou já em decomposição? - eis a questão que melhor sintetiza as consequências do
brutal discurso de Pedro Passos Coelho do passado dia 7, que veio alterar
radicalmente, e com consequências de momento imprevisíveis, as relações entre
os portugueses e o Governo.
Isto aconteceu
porque esse discurso revelou um primeiro-ministro incompetente, dogmático e
autista. Características que apareceram como se da queda de uma máscara se
tratasse, revelando a outra face de um político que, em geral, era visto como
um homem esforçado, aberto e tolerante.
Despoletou-se assim
a cólera dos cidadãos, uma cólera alimentada por uma inédita sucessão de
deceções e de injustiças, que a ação do Governo foi suscitando durante o seu
primeiro ano de vida. E, como ensinou Aristóteles, há mesmo uma cólera
"boa", que é a que é provocada pelo sentimento de injustiça e pelo
desejo de justiça.
E agora? Bom, agora
este governo parece ferido de morte, isto é, afetado por um generalizado
descrédito, que pode não ter redenção possível. O primeiro-ministro enfrenta
por isso uma verdadeira prova de vida, a que só poderá ter alguma hipótese de
sobreviver se conseguir libertar-se dos seus dois números dois: Vítor Gaspar e
Miguel Relvas.
Foram estes dois ministros,
os dois pilares nucleares do Governo de Passos Coelho, que - por razões
diferentes, é certo - mais contribuíram para carbonizar o perfil do
primeiro-ministro, num caso arrastando-o para a fogueira da imoralidade, no
outro fechando-o no forno da mais cega irracionalidade. A questão, a grande
questão a meu ver, é a de saber se, sem eles, existe algum Pedro Passos Coelho,
primeiro-ministro de Portugal.
Uma remodelação,
para ter algum sucesso, implica um audaz golpe de asa: um governo a sério, no
projeto, na orgânica, na composição, na estratégia e nos protagonistas.
Difícil!... até porque a coligação entrou na fase de guerrilha, com o PP a
hesitar sobre se quer continuar a ser o garante da aliança, ou o seu sniper.
Tudo isto vai
propiciar momentos de grande exaltação ideológica à esquerda radical, com a
escassa utilidade de que, infelizmente, tem feito prova. Os dois protagonistas
que, contudo, mais pesarão na evolução da situação, são o Partido Socialista e
o Presidente da República.
O Presidente
perceberá hoje melhor o erro que cometeu ao ter deixado a "rapaziada"
do PSD fazer o que queria, pondo entre parêntesis o exercício efetivo da sua
autoproclamada autoridade, seja no plano político, seja na vertente
económico-financeira - para já não falar de outos registos determinantes, como
o social ou o cultural.
O verão 2011
deveria ter sido, como muitas vezes defendi, o da abertura de um ciclo
patriótico, de uma legislatura patriótica de que um Presidente da República
recentemente eleito por sufrágio universal podia e devia ter feito a pedagogia,
abrindo a via a um novo contrato social e político, de que o País urgentemente
precisa.
Cavaco Silva tinha
a obrigação de ter posto um travão a esta linha de frívolo experimentalismo
político, económico-financeiro, social e cultural, que é uma das
características mais evidentes dos políticos que pensam poder iludir a
ignorância com a imprudência.
Um memorando
"milagreiro"? Um governo minimalista, com ministros-chave sem
qualquer experiência política? O sonho de "ir além" da troika? A
batalha europeia sem quaisquer ideias próprias, ao colo da chanceler Merkel? A
concertação social feita nos écrans da televisão? Negociação política em
ziguezague e aos supetões? O constante desmentido dos objetivos anunciados?
Não, ninguém pode dizer que não houve sinais - nem que eles não eram de molde a
fazer o Presidente agir.
Ele preferiu
todavia (como muitos outros responsáveis, é bom lembrá-lo) passar o verão a
descartar tranquilamente, em todas as intervenções que fez, a necessidade e a
possibilidade de mais austeridade, pelo que não se vê como poderia vir agora
justificar o contrário. Mas o seu silêncio não é, mais uma vez, um bom augúrio
- resta esperar pelo Conselho de Estado.
Tudo isto torna,
naturalmente, o papel do Partido Socialista determinante. Consciente das
responsabilidades que, com a anterior liderança, o PS teve na deterioração da
situação nacional que impôs o plano de resgate, o líder do PS fez até aqui o
que podia e devia: mostrar que a política é uma equação que, sem esquecer o
passado, implica sobretudo o futuro e se assume no presente.
Perante os
fracassos do Governo e da coligação que o sustenta, ser-lhe-á pedido tudo. E
tudo é precisamente o que o líder do PS não pode prometer a ninguém. O caminho
só pode ser o de preparar uma efetiva alternativa ao desastre dos últimos três
anos de governação em Portugal. Nada disto é instantâneo, dá mesmo muito
trabalho. Mas essa é a verdadeira via para quem - como acontece com o líder do
PS, espero - acredita que, com as políticas, as ideias e os protagonistas que
nos trouxeram até aqui, é daqui que nunca sairemos. Só assim, para lá de
indignado, o País não fica também encurralado.
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