quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Portugal: INDIGNADOS OU ENCURRALADOS?

 


Manuel Maria Carrilho – Diário de Notícias, opinião
 
Tudo em convulsão ou já em decomposição? - eis a questão que melhor sintetiza as consequências do brutal discurso de Pedro Passos Coelho do passado dia 7, que veio alterar radicalmente, e com consequências de momento imprevisíveis, as relações entre os portugueses e o Governo.
 
Isto aconteceu porque esse discurso revelou um primeiro-ministro incompetente, dogmático e autista. Características que apareceram como se da queda de uma máscara se tratasse, revelando a outra face de um político que, em geral, era visto como um homem esforçado, aberto e tolerante.
 
Despoletou-se assim a cólera dos cidadãos, uma cólera alimentada por uma inédita sucessão de deceções e de injustiças, que a ação do Governo foi suscitando durante o seu primeiro ano de vida. E, como ensinou Aristóteles, há mesmo uma cólera "boa", que é a que é provocada pelo sentimento de injustiça e pelo desejo de justiça.
 
E agora? Bom, agora este governo parece ferido de morte, isto é, afetado por um generalizado descrédito, que pode não ter redenção possível. O primeiro-ministro enfrenta por isso uma verdadeira prova de vida, a que só poderá ter alguma hipótese de sobreviver se conseguir libertar-se dos seus dois números dois: Vítor Gaspar e Miguel Relvas.
 
Foram estes dois ministros, os dois pilares nucleares do Governo de Passos Coelho, que - por razões diferentes, é certo - mais contribuíram para carbonizar o perfil do primeiro-ministro, num caso arrastando-o para a fogueira da imoralidade, no outro fechando-o no forno da mais cega irracionalidade. A questão, a grande questão a meu ver, é a de saber se, sem eles, existe algum Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro de Portugal.
 
Uma remodelação, para ter algum sucesso, implica um audaz golpe de asa: um governo a sério, no projeto, na orgânica, na composição, na estratégia e nos protagonistas. Difícil!... até porque a coligação entrou na fase de guerrilha, com o PP a hesitar sobre se quer continuar a ser o garante da aliança, ou o seu sniper.
 
Tudo isto vai propiciar momentos de grande exaltação ideológica à esquerda radical, com a escassa utilidade de que, infelizmente, tem feito prova. Os dois protagonistas que, contudo, mais pesarão na evolução da situação, são o Partido Socialista e o Presidente da República.
 
O Presidente perceberá hoje melhor o erro que cometeu ao ter deixado a "rapaziada" do PSD fazer o que queria, pondo entre parêntesis o exercício efetivo da sua autoproclamada autoridade, seja no plano político, seja na vertente económico-financeira - para já não falar de outos registos determinantes, como o social ou o cultural.
 
O verão 2011 deveria ter sido, como muitas vezes defendi, o da abertura de um ciclo patriótico, de uma legislatura patriótica de que um Presidente da República recentemente eleito por sufrágio universal podia e devia ter feito a pedagogia, abrindo a via a um novo contrato social e político, de que o País urgentemente precisa.
 
Cavaco Silva tinha a obrigação de ter posto um travão a esta linha de frívolo experimentalismo político, económico-financeiro, social e cultural, que é uma das características mais evidentes dos políticos que pensam poder iludir a ignorância com a imprudência.
 
Um memorando "milagreiro"? Um governo minimalista, com ministros-chave sem qualquer experiência política? O sonho de "ir além" da troika? A batalha europeia sem quaisquer ideias próprias, ao colo da chanceler Merkel? A concertação social feita nos écrans da televisão? Negociação política em ziguezague e aos supetões? O constante desmentido dos objetivos anunciados? Não, ninguém pode dizer que não houve sinais - nem que eles não eram de molde a fazer o Presidente agir.
 
Ele preferiu todavia (como muitos outros responsáveis, é bom lembrá-lo) passar o verão a descartar tranquilamente, em todas as intervenções que fez, a necessidade e a possibilidade de mais austeridade, pelo que não se vê como poderia vir agora justificar o contrário. Mas o seu silêncio não é, mais uma vez, um bom augúrio - resta esperar pelo Conselho de Estado.
 
Tudo isto torna, naturalmente, o papel do Partido Socialista determinante. Consciente das responsabilidades que, com a anterior liderança, o PS teve na deterioração da situação nacional que impôs o plano de resgate, o líder do PS fez até aqui o que podia e devia: mostrar que a política é uma equação que, sem esquecer o passado, implica sobretudo o futuro e se assume no presente.
 
Perante os fracassos do Governo e da coligação que o sustenta, ser-lhe-á pedido tudo. E tudo é precisamente o que o líder do PS não pode prometer a ninguém. O caminho só pode ser o de preparar uma efetiva alternativa ao desastre dos últimos três anos de governação em Portugal. Nada disto é instantâneo, dá mesmo muito trabalho. Mas essa é a verdadeira via para quem - como acontece com o líder do PS, espero - acredita que, com as políticas, as ideias e os protagonistas que nos trouxeram até aqui, é daqui que nunca sairemos. Só assim, para lá de indignado, o País não fica também encurralado.
 
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