La
Tribune, Paris – Presseurop – imagem Len
O tratado fiscal
europeu vai ser votado na terça-feira, 9 de outubro, na Assembleia Nacional,
depois de debates acalorados. Uma disputa que deixou clara a indigência das
propostas francesas para a reforma da União Europeia e deu mais uma prova da
autossatisfação e provincianismo de uma classe política excessivamente
protegida em casa, na opinião de uma jornalista francesa.
O debate sobre o
tratado fiscal já fez uma vítima: a sua reputação de estratega europeia. Na
Europa já ninguém tem dúvidas: a França não tem nenhum "grande
desígnio", nenhum "plano secreto" para lançar as bases de um
novo "deal" [acordo] político e institucional europeu, que concilie a
economia social de mercado e as contingências de uma globalização darwiniana.
Um acordo tanto mais necessário quanto as soluções adotadas nos últimos quatro
anos levaram ao limite de resistência a arquitetura existente e maltrataram os
princípios democráticos. Claro que a França vai "apresentar
propostas", como anunciou o primeiro-ministro, antes do Conselho Europeu
de 17 e 18 de outubro, que será provavelmente o primeiro de uma longa série
dedicada à reforma da União Europeia. Mas podemos imaginar a extrema cautela e
pragmatismo radical de tais propostas, perante a necessidade de conciliar
diferentes sensibilidades. Teme-se, pois, justificadamente, que estejam
desfasadas em relação ao debate já iniciado em Bruxelas e Berlim.
O presidente do
Conselho Europeu, Herman van Rompuy, anda há semanas a destilar a sua ideia de
"orçamento da zona euro". O princípio de uma mudança no Tratado da
União Europeia é quase certo, nem que seja apenas para incorporar, como
previsto para 2018, o fundo europeu de €500 mil milhões que deve ser lançado
por estes dias. O Governo alemão já manifestou a sua disponibilidade para
realizar um referendo na República Federal, se as alterações propostas exigirem
retoques na sua sacrossanta constituição. O que explica, então, o acanhamento
de Paris? Temos um manancial de razões políticas, de preocupações legítimas
sobre o ADN liberal da Comissão Europeia, para além do próprio princípio da
supranacionalidade, um debate que recua ao tempo da primeira das comunidades
europeias.
Relutantes em
deixar o Olimpo parisiense
Mas, que seja aqui
permitido acrescentar uma hipótese a esta lista. Não haverá nesta evaporação da
voz francesa mais qualquer coisa: uma mistura de preguiça, provincianismo,
orgulho e complacência? Não haverá, em suma, muito más razões para essa
paralisia de grande parte da elite política francesa perante a questão
europeia? Razões que uma expressão alemã, misto de ironia e inveja, muito bem
resume: "Feliz como Deus em França"? Os nossos dirigentes políticos
são deuses relutantes em deixar o seu Olimpo parisiense, ao ponto de desertarem
das fileiras do Parlamento Europeu em época de eleições legislativas francesas.
É muito mais simpático almoçar no Chez
Françoise, nos Invalides [o restaurante do jet-set político em Paris], do
que naquelas tascas sebentas da praça do Luxemburgo, em Bruxelas, ou – pior
ainda – no restaurante dos deputados, que nada, exceto as toalhas brancas e o
serviço à mesa, distingue da cantina do pessoal.
Porquê deixar o
campo bem demarcado dos debates internos, onde cada um sabe o seu lugar:
nacionalista, gaullista de esquerda ou de direita, socialista eurocrítico, etc.
Para quê expor-se no campo aberto da competição europeia, enfrentar a
estranheza do liberalismo de um socialista escandinavo ou do legalismo alemão,
quando se pode permanecer no quadro de um referencial ideológico conhecido?
Para quê ver-se obrigado a comunicar num idioma estranho como o inglês de
Bruxelas, quando se fala a mais bela língua do mundo? Para quê, em suma,
aborrecer-se a construir a Europa quando se está tão bem em casa?
Paris não estava de
todo preparada
Infelizmente, a
transformação da UE em instrumento de "integração solidária", como
deseja o Presidente Hollande, só pode ser feita renunciando ao conforto
nacional. Não se trata de desnacionalizar a política, mas de integrar no debate
e na reflexão os paradigmas de outros europeus, para selar os compromissos
históricos frutíferos que permitiram o mercado comum e a moeda única.
Académicos e empresários aprenderam, há algum tempo, a familiarizar-se com os
riscos, as submissões, mas também com as oportunidades de um mundo de
fronteiras cada vez mais ténues, mais internacionais, mais anglófonas. Não é só
o operário da cadeia de montagem que tem de entender: "O senhor
compreende, a concorrência chinesa...". A corporação política, no entanto,
permanece profundamente nacional, senão mesmo nacionalista. É claro, que há, na
Bélgica, flamengos que sonham viver num país monolingue, onde seria preciso
passar num teste de língua para comprar um terreno. Mas teremos de partilhar o
seu sonho no nosso país?
A visão das
divisões internas à esquerda reflete, antes de mais, a angústia perante essa
coisa estranha chamada União Europeia. Confirma a amarga constatação feita pela
antiga presidente do Movimento Europeu, Sylvie Goulard, hoje deputada, que
escreveu em 2007: "Nos últimos anos, a Europa não se tem desenvolvido
enquanto comunidade de gente solidária." E isso aconteceu por falta de
reflexão e, em política, pensamento e ação caminham juntos.
Com a antiga
maioria ou com a atual, a crise veio revelar que Paris não estava de todo
preparada. Temos mais uma vez uma comparação cruel com a Alemanha, que, desde
2009, vem propondo um amplo debate sobre os objetivos da União e agora reclama
abertamente a convocação de uma Convenção, para a qual se está a preparar. A
mecânica da crise deu ênfase precisamente a tudo aquilo que a construção
europeia pretendia evitar: colocar a Alemanha no centro do jogo europeu, numa
posição objetivamente dominante. Para aqueles que vivem no Olimpo, talvez seja
uma perspetiva que dá para contemplar com serenidade. Mas não para nós, simples
mortais.
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