"Quando eu
cheguei aqui, a coisa era muito diferente do que havia sido prometido"
Repórter Brasil
Nos últimos tempos,
uma praga atingiu as fazendas de cacau onde Uexlei Pereira trabalhava no Sul da
Bahia, deixando muita gente sem serviço. Aliciado por um "gato", saiu
de sua cidade, Ibirapitanga, com a oferta de um bom salário, alimentação e
condições dignas de alojamento. No Sul do Pará, Uexlei percebeu que havia sido
enganado. Quando foi resgatado, recebia havia dois meses só a comida. Não tinha
idéia de quanto devia ao gato, conhecido como Baiano, e nem quando iria
receber. A sua história não é diferente da dos demais trabalhadores que fogem
do desemprego para cair na rede da escravidão. Abaixo, estão detalhados oito
passos que transformam um homem livre em um escravo, padrão que pode sofrer
variações dependendo da situação e do local, mas que se repete com freqüência.
1) Ao ouvir rumores
de que existe serviço farto em fazendas, mesmo em terras distantes, o
trabalhador ruma para esses locais. O Tocantins e a região Nordeste, tendo à
frente os Estados do Maranhão e Piauí, são grandes fornecedores de mão-de-obra.
2) Alguns vão
espontaneamente. Outros são aliciados por "gatos" (contratadores de
mão-de-obra a serviço do fazendeiro). Estes, muitas vezes, vêm buscá-los de
ônibus, de caminhão - o velho pau-de-arara - ou, para fugir da fiscalização da
Polícia Rodoviária Federal, pagam passagens para os trabalhadores em ônibus ou
trens de linha.
3) O destino
principal é a região de expansão agrícola, onde a floresta amazônica tomba
diariamente para dar lugar a pastos e plantações. Os estados do Pará e Mato Grosso
são os campeões em resgates de trabalhadores pelo Ministério do Trabalho e
Emprego.
4) Há os
"peões do trecho" que deixaram sua terra um dia e, sem residência
fixa, vão de trecho em trecho, de um canto a outro em busca de trabalho. Nos
chamados "hotéis peoneiros", onde se hospedam à espera de serviço,
são encontrados pelos gatos, que "compram" suas dívidas e os levam às
fazendas. A partir daí, os peões tornam-se seus devedores e devem trabalhar
para abater o saldo. Alguns seguem contrariados, por estarem sendo negociados.
Mas há os que vão felizes, pois acreditam ter conseguido um emprego que
possibilitará honrar seus compromissos e ganhar dinheiro.
5) Já na chegada, o
peão vê que a realidade é bem diferente. A dívida que tem por conta do
transporte aumentará em um ritmo crescente, uma vez que o material de trabalho
pessoal, como botas, é comprado na cantina do próprio gato, do dono da fazenda
ou de alguém indicado por eles. Os gastos com refeições, remédios, pilhas ou
cigarros vão sendo anotados em um "caderninho", e o que é cobrado por
um produto dificilmente será o seu preço real. Um par de chinelos pode custar o
triplo. Além disso, é costume do gato não informar o montante, só anotar. Uma
foice, que é um instrumento de trabalho e, portanto, deveria ser fornecido
gratuitamente pelo empregador, já foi comprada por um peão por R$ 12,00 do
gato. O equipamento mínimo de segurança também não costuma existir.
6) Após meses de
serviço, o trabalhador não vê nada de dinheiro. Sob a promessa de que vai
receber tudo no final, ele continua a derrubar a mata, aplicar veneno, erguer
cercas, catar raízes e outras atividades agropecuárias, sempre em situações
degradantes e insalubres. Cobra-se pelo uso de alojamentos sem condições de
higiene.
7) No dia do
pagamento, a dívida do trabalhador é maior do que o total que ele teria a
receber. O acordo verbal com o gato também costuma ser quebrado, e o peão ganha
um valor bem menor que o combinado inicialmente. Ao final, quem trabalhou meses
sem receber nada acaba devedor do gato e do dono da fazenda e tem de continuar
a suar para quitar a dívida. Ameaças psicológicas, força física e armas também
podem ser usadas para mantê-lo no serviço.
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