Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
1-Ao contrário do
que escreveu o Courrier International, de 17 do corrente mês, intitulado
"Um novo mundo" e com subtítulo "Barack Obama e Xi Jinping, dois
líderes para desenhar o planeta de amanhã", eu acho, sem ser pessimista,
que, pelo contrário, o mundo do futuro próximo está em crise e muito grave.
Porquê? Porque tanto os Estados Unidos como a China estão em crise. E vão ter de a
vencer, antes que possam entre ambos entender-se para criar "um novo
mundo": os Estados Unidos porque ainda não ultrapassou a crise financeira
e económica, com que contaminou a União Europeia e não só a Zona Euro, embora
esteja mais perto de o conseguir do que a própria Europa. E a China, cuja
corrupção foi em grande parte reconhecida e criticada abertamente no recente
Congresso de Pequim do Partido Comunista Chinês, mudou de líderes, é verdade,
mas são da mesma formação, que terão de vencer a corrupção existente - o que
não é nada fácil - e fazer reformas políticas e sociais que são muito difíceis
de implantar, sem darem origem a conflitos sociais graves.
Depois, temos a
crise da Zona Euro, cada vez mais profunda e grave, sobre a qual escreverei
mais adiante. Mas temos também o Médio Oriente, que está em conflitos latentes,
como é o caso da Síria. Um exemplo de enorme mortandade diária que está a
agravar-se sem remédio à vista, contando o ditador Bashar al-Assad com o apoio
da Rússia e da China (gravíssimo por paralisar a ONU); o retorno inesperado do
conflito entre Israel e a Palestina, na Faixa de Gaza, que constitui um perigo
imenso de guerra, com o emprego de mísseis cruzados; o Afeganistão, uma guerra
infindável que continua, sem paz à vista; o Irão e o Iraque, com a luta entre
sunitas e xiitas; o terrorismo da Al Qaeda, que, apesar da morte de Ben Laden e
de um dos seus sucessores, Ahmed al-Jabari, continua a atuar, sobretudo no
Norte de África, onde a "primavera democrática" está a dar lugar à
luta entre as religiões e os militares, no caso do Egito, e a afastar-se na
Líbia e até na Tunísia da democracia anunciada.
A Ásia também tem
problemas graves, que começam a manifestar-se entre a China, o Japão e Taiwan e
entre as duas Coreias, um conflito que parece eternizar-se.
A Índia, que é um
dos países emergentes, tem crescido muito economicamente, mas sofre ainda de
grandes desigualdades sociais, que são acentuadas com o problema das castas que
subsiste. Outro país dito emergente com problemas é a Rússia de Putin, que
voltou à presidência e tem dificuldades com a classe política em exercício, onde
a corrupção reina. Um exemplo é a atual demissão imposta por Putin do ministro
da Defesa, Anatoli Serdiukov, por essa mesma razão.
Depois, desde o
fracasso da Conferência de Copenhaga, onde os grandes Estados deixaram cair as
medidas para defesa do Planeta, ameaçado pelo aquecimento global e pela lixeira
que os oceanos se estão a tornar, que provocam os tufões, os tsunamis, os
terramotos e as catástrofes ditas naturais, que começam a multiplicar-se em
todos os continentes. Os grandes interesses económicos planetários impõem-se à
defesa do Planeta, ameaçando, no pior sentido, talvez sem remédio, o futuro das
novas gerações...
Tudo isso é
consequência de uma globalização desregulada e de uma ideologia neoliberal,
mais grave do que foi, no século passado, a ideologia comunista. Por isso é
preciso denunciá-la, onde quer que se manifeste.
Note-se que a ONU,
em que se depositou tanta esperança, no século passado, também está paralisada
nos últimos anos, pelo exercício de veto, mas não só por isso. Porque não há vontade
política para combater os grandes interesses económicos. E assim o mundo do
futuro se está a tornar cada vez mais uma incógnita que, a não ser corrigida,
vai custar caro à Humanidade.
2-SINAIS DE MUDANÇA
NA EUROPA A palavra austeridade, que a chanceler alemã simbolizou, nos últimos
dois anos, e que as instâncias dirigentes europeias perfilharam (a Comissão
Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, este com
algumas críticas, reconheça-se), tem vindo a verificar-se que não conduziu a
nada de bom para resolver a crise e, pelo contrário, só faz subir a recessão
económica dos Estados vítimas e, em consequência, o desemprego. Os Estados mais
pequenos foram as maiores vítimas dos mercados usurários, como, por ordem
cronológica: a Grécia, a Irlanda e Portugal. Se a Alemanha tivesse atuado a
tempo, entrando com dinheiro para desenvolver as economias dos países
referidos, o problema estaria hoje resolvido. Mas não foi o que aconteceu. A
Alemanha e os Estados que a seguiram deixaram que os responsáveis europeus,
talvez para permanecer nos seus lugares, se mantivessem paralisados, entre
discursos e cimeiras completamente inúteis.
Entretanto, como se
esperava, a crise alargou-se a duas importantes economias: a Espanha e a
Itália. E, ao que parece, à própria França, que está já em recessão, bem como,
agora, à Zona Euro, toda ela em recessão, com a subida em flecha do desemprego.
Contra o que sucede com os Estados da União que não pertencem à Zona Euro. A
própria Alemanha vai ter em 2013 uma queda grave, com a recessão e o desemprego
a subir. É inevitável!
É essa situação que
vai obrigar, penso eu, a mudar de rumo para que a União Europeia e o euro não
caiam no abismo, como avisou Helmut Schmidt. Acabar com a austeridade e as
manobras das troikas e mudar de paradigma - como está a fazer a América de
Obama - é a única forma de relançar o crescimento económico e de baixar o
flagelo do desemprego. Quanto ao dinheiro, basta pôr a máquina que fabrica o
euro a trabalhar e depois se verá...
Daí a motivação - e
as manifestações - que por toda a Europa estão a suceder contra a austeridade,
por levarem à recessão e ao desemprego e para obrigar os mercados a obedecer
aos Estados, mantendo a concertação social, acabando com as troikas (que estão
ao serviço dos grandes interesses), sem medo de que isso dê lugar a alguma
inevitável inflação. É o único caminho possível para nos tirar da crise, como
disse, com toda a razão, a Presidente Dilma, do Brasil, no encontro
Ibero-Americano de Cádiz, na presença do Presidente português e do
primeiro-ministro, Passos Coelho, que não se atreveram a responder. Apesar da
Presidente Dilma denunciar como um erro colossal as medidas de austeridade, que
só levam os países que as utilizam, como é o ensinamento latino-americano, à pior
recessão e ao flagelo do desemprego...
3-AS SONDAGENS
VALEM O QUE VALEM... É certo. Mas a última sondagem revelada pelo Expresso, de
sábado último, foi de tal modo reveladora da péssima situação em que nos
encontramos que se tornou, ao que parece, propositadamente ignorada pelas
rádios, televisões, jornais e pelos comentadores do costume. Permito-me, por
isso, dizer aos leitores - que a não leram ou o fizeram em diagonal - a
conclusão que pode retirar-se da sondagem (que vale o que vale, repito) sobre o
estado em que se encontram os partidos da coligação e da oposição e a fraqueza
incomensurável em que está o Governo e a atual coligação.
Trata-se de uma
sondagem, publicada pelo Expresso de sábado, feita pela reputada agência
Eurosondagem. O PS, que se manifestou claramente, ao cabo de um ano e meio de
Governo, contra a política de austeridade, é hoje o maior partido (35%),
seguido pelo PSD (26,9%) - não confundir com o Governo -, uma vez que uma
percentagem considerável de quadros do PSD não está com o Governo, como se
verá. O PP-CDS, o outro partido da coligação, mantém-se, estranhamente, com
10,1%, seguido muito de perto pelo PCP, 10%, e pelo Bloco de Esquerda, 9,5%.
Contudo, o mais
interessante da sondagem está na popularidade ou na contrapopularidade dos
líderes partidários, que não condiz com a dos partidos. Seguro, líder do PS, é
o mais popular, 15,2%, seguido de Paulo Portas, o que é curioso, 13,9%,
Francisco Louçã, 8,8%, Jerónimo de Sousa, 5,6%, o Presidente, Cavaco Silva,
4,2% e, finalmente, pelo primeiro-ministro, Passos Coelho, -0,4%. Quanto às
instituições, a Assembleia da República representa -4,5%, o Ministério Público,
-17,4%, o Governo, -20,5%, e os Juízes, -23,8%. Se a sondagem estiver certa,
Governo e Justiça andam pelas ruas da amargura!
Talvez por os
resultados serem tão maus para o Governo é que a sondagem, no seu conjunto,
tenha sido tão pouco comentada... Mas, que diabo, o primeiro-ministro com -0,4%
de popularidade e o seu Governo -20,5% é caso para nos perguntarmos: o que
espera o Governo para se demitir, sendo certo que sabe bem que o próximo ano de
2013 - com esta política de austeridade - será muito pior do que o atual...?
4-AS UNIVERSIDADES
PÚBLICAS EM FÚRIA Estão
a cortar os fundos às universidade públicas, que atingiram um grau de
competência verdadeiramente excecional, só comparado às melhores universidades
estrangeiras. Os reitores e os professores em geral estão em fúria e já
ameaçaram que terão de interromper os seus trabalhos escolares, nos primeiros
meses do próximo ano. Os estudantes - os melhores - veem-se obrigados a
emigrar, como aconselhou o primeiro-ministro. Trata-se de uma calamidade
nacional, visto que sem conhecimento nada progride e ficaremos confrontados com
um recuo civilizacional de muitos anos. Penso no anterior ministro, professor
Mariano Gago, que tanto esforço fez em favor da Ciência, do Conhecimento e das
Universidades. Tudo isso se irá perder, por causa da maldita austeridade, que
só é aplaudida pelos grandes interesses económicos, que ganham com os mercados
usurários e que mandam nas troikas.
O ministro da
Educação, que, ao que dizem, é um ilustre matemático, não pode calar-se, sob
pena de estragar a sua reputação.
5-UMA HOMENAGEM
MERECIDA O Grémio Literário, que conta três séculos de história, criado no século
XIX por figuras como Alexandre Herculano e Almeida Garrett, entre outras
igualmente ilustres, resolveu homenagear o grande crítico e historiador de
Arte, doutorado na Sorbonne, José-Augusto França, no dia em que celebrou 90
anos, em perfeita lucidez. Estive lá, com minha mulher, que aliás integra o
Conselho Literário do Grémio.
Conheço e sou amigo
de José-Augusto França desde a nossa comum juventude. Nunca fomos íntimos,
porque as nossas vidas foram muito diversas. Mas sempre o admirei, pelo seu
extraordinário sentido crítico, em matéria de Arte e de História, e pelos
inúmeros livros que publicou em português e em francês. Foi , para
mim, um grande gosto passar com ele - e sua mulher - o jantar dos seus 90 anos,
rodeado de amigos, muitos dos quais também são meus, com tão boa disposição e
juventude de espírito...
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