Daniel Oliveira –
Expresso, opinião, em Blogues
Não tenho qualquer
tipo de ódio para com a chanceler Merkel. Para mim é apenas uma política em
quem não votei e de quem discordo, que considero não estar, nem por sombras, à
altura deste momento histórico. Ainda assim, acho o nosso primeiro-ministro bem
menos merecedor de respeito.
Nada tenho contra
os alemães. Porque nada tenho contra qualquer povo e porque, no que
especialmente toca aos alemães, são um povo que conheço bem. Fiz na Alemanha
bons amigos. E, mesmo politicamente, a maioria das pessoas que conheci na
Alemanha estão-me muito mais próximas do que aqueles que me governam aqui.
Tenho pela história
da Alemanha as perplexidades que muitos europeus têm. Não considero que ela
tenha de diminuir os alemães das gerações que se seguiram à guerra e ao Holocausto.
Apenas penso que todos os países devem aprender com a sua história. Com o que
ela tem de nobre e com o que ela tem de crime. Nós, por exemplo, com o
colonialismo e a guerra colonial. E não acho que, nessa matéria, os alemães
sejam mais esquecidos dos que os restantes povos. Pelo contrário, o que se
compreende pela magnitude do crime que mancha a sua memória. Assim como penso
que um povo que mereceu de todos os europeus tanta solidariedade - para a sua
reconstrução e para a asua reunificação - devia ser especialmente sensível para
com a necessidade de ser solidário com os outros.
Penso que, na
Alemanha, domina um sentimento em relação aos povos do Sul que resulta de um
absoluto desconhecimento da nossa realidade, que pinta os portugueses, os
gregos, os espanhóis e os italianos como povos preguiçosos. E considero esse
retrato inaceitável. Se os alemães não querem, e têm todo o direito a não o
querer, ser retratados como um povo xenófobo e intolerante, não podem cometer a
mesma injustiça com os outros.
Como português,
responsabilizo, antes de tudo, aqueles que, tendo sido eleitos por nós, se
recusam a representar os nossos interesses e se colocam numa posição de
servilismo, antipatrótica e complexada. Não somos, ao contrário do que disse o
ministro das Finanças, o melhor povo do Mundo. Mas também não somos pior do que
qualquer outro. Merecemos o mesmo respeito.
É como europeu que
hoje me manifestarei contra a presença da chanceler Merkel em Lisboa.
Porque considero
que a Alemanha, depois de se ter oposto à criação do euro e de ter feito
exigências pouco sensatas para que ele nascesse, tem fortes responsabilidades
na atual arquitetura de uma moeda presa por arames. Porque considero que o
atual governo alemão impediu uma intervenção rápida na Grécia, quando a crise
começou, não deixando que se travasse uma epidemia europeia e, por razões
meramente eleitoralistas, deixou que tudo ganhasse dimensões impossíveis de
controlar. Porque considero que o governo alemão tem sido a principal força de
bloqueio às alterações mais urgentes no euro e na União: mudança do estatuto do
BCE, criação de títulos da dívida europeus, orçamento europeu que não seja
apenas simbólico, harmonização fiscal na Europa e um programa para o
crescimento.
Porque considero
que a política de "contenção salarial" alemã, começada por Schroeder
e continuada por Merkel, criou um tal desequilíbrio nas trocas comerciais
dentro da União Europeia que torna inviável o mercado único e obrigará os
países que queiram sobreviver ao regresso ao protecionismo dentro da própria
Europa.
Porque considero
que os moldes dos "resgates" aos países em dificuldades tiveram como
único objetivo resgatar a banca alemã e francesa, destruindo, para isso,
qualquer possibilidade de salvar as economias dos países periféricos. É mentira
que a Alemanha esteja a pagar a crise europeia. Ela tem permitido à Alemanha
financiar-se a juros negativos e o financiamento da troika tem servido apenas
para garantir um saque às economias periféricas com o objectivo de dar tempo à
banca alemã para se livrar dos maus investimentos que fez.
Hoje, protesto
contra duas coisas: a cegueira e a humilhação.
A cegueira de uma
chanceler que abusa dos seus poderes para impor a todos uma política económica
e financeira suicida e que trava todas as possíveis soluções para a crise
financeira da Europa. Que vive a pensar nos ciclos eleitorais internos e
destrói os alicerces da solidariedade europeia. Que está errada na estratégia
para combater a crise financeira, económica, social e política da Europa, não
tendo aprendido as lições dos anos 30, que tão trágicas foram para o seu
próprio país.
A humilhação de
quem sente que esta visita é um ato de provocação, para consumo interno alemão.
E a humilhação de quem faz parte de um País que passou a ser tratado como um
protetorado.
Dito isto, é contra
o meu governo que, antes de tudo, estou. Um governo que não se dá ao respeito,
que me envergonha de cada vez que se põe ao lado de interesses antagónicos aos
nossos e que se rebaixa perante a injustiça da lei do mais forte. O que farei
hoje, protestando contra a chanceler Angela Merkel, é explicar a Pedro Passos
Coelho que não acompanho a sua subserviência. Nunca a acompanharei. Que, como
português, me recuso a perder a minha dignidade. E que, como europeu, me recuso
a ser menos cidadãos do que qualquer alemão.
Quem acha que isto
representa qualquer tipo de xenofobia contra os alemães não percebe
rigorosamente nada do que está em causa.
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