A intervenção
militar francesa no Mali decidida há uma semana pelo presidente François
Hollande com o pretexto de combater o terrorismo e impedir o avanço dos grupos
islâmicos para as regiões do Sul tropeçou em um desenlace dramático: um grupo
islâmico que se reivindica com um braço da Al Qaeda proveniente do norte do
Mali atacou uma planta de gás situada na localidade argelina de Amenas. A
operação de resgate, pelo exército argelino, deixou um número ainda indefinido
de mortos. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.
Eduardo Febbro - Carta Maior
Paris - A
intervenção militar francesa no Mali decidida há uma semana pelo presidente
socialista François Hollande com o pretexto de combater o terrorismo e impedir
o avanço dos grupos islâmicos para as regiões do Sul tropeçou em um desenlace
dramático: um grupo islâmico que se reivindica com um braço da Al Qaeda
proveniente do norte do Mali atacou uma planta de gás situada na localidade
argelina de Amenas, ao sudeste do país e perto da fronteira com a Líbia. O
comando da Aqmi (Al Qaeda no Magreb islâmico) sequestrou 41 pessoas, em sua
maioria estrangeiros – norteamericanos (71), franceses (2), noruegueses (13) e
japoneses – e reteve dentro da planta mais de 600 empregados argelinos.
O assalto inicial à planta de gás explorada pela companhia nacional Sonatrach,
juntamente com a britânica British Petroleum e a norueguesa Statoil deixou um
saldo de mortos, um britânico e um argelino. Mas 24 horas depois da operação
lançada pelos homens da Aqmi, o exército argelino agiu para libertar os reféns.
As informações sobre o saldo de vítimas ainda são confusas: a imprensa argelina
fala da morte de 14 ou 49 pessoas, entre reféns e sequestradores. As agências
internacionais falam de seis reféns e oito jihadistas mortos, mas a agência
árabe ANI e o canal Al Jazeera asseguram que há 34 reféns mortos e 15
sequestradores. Seja como for, o governo argelino reconheceu que havia vítimas
entre os reféns.
A operação montada pelos integrantes da Al Qaeda no Magreb islâmico está ligada
à intervenção militar francesa no Mali realizada a partir de uma leitura muito
parcial da resolução 2085 do Conselho de Segurança das Nações Unidas que no dia
21 de setembro de 2012 aprovou o deslocamento de uma força da União Africana
(UA). Um dos homens que participou da operação afirmou que ela foi realizada em
represália contra a intervenção francesa no Mali. Os membros do comando
disseram que pertenciam à brigada “Jaled Aboul Abbas, Mokhtar Belmokhtar”.
Apelidado de “o Caolho”, ele é um dos chefes históricos da Al Qaeda no Magreb
islâmico e introdutor desta célula no norte do Mali. Um diário argelino, El
Watan, revelou que os terroristas pertenciam ao grupo de Moulathamine, “os
signatários com sangue”, em cuja liderança está Mokhtar Belmokhta. O comando
islâmico exigiu em um comunicado o fim dos ataques franceses no norte do Mali.
Este episódio ocorre no momento em que a França mudou sua estratégia de
intervenção no Mali. As tropas francesas, um total de 2.500 homens, ou seja,
mais do que as que estavam mobilizadas no Afeganistão, começaram a combater
corpo a corpo com os islâmicos que tentam dominar as cidades do sul de Mali. A
configuração desta guerra decidida pelo presidente socialista François Hollande
mudou imediatamente com a permeável leitura que Paris fez da resolução 2085 do
Conselho de Segurança da ONU. O Conselho não autorizou de modo algum a
intervenção direta de um país ocidental e, menos ainda, com tropas em terra. A
resolução só fala de um apoio logístico da Europa, mas não a participação de
tropas.
Informações coincidentes dão conta da férrea resistência que os soldados
franceses estão encontrando. Apesar dos bombardeios com aviões Mirage, as
tropas da França e do Mali ainda não conseguiram retomar o controle da cidade
de Koma, que estava em mãos da coalizão de três grupos islâmicos que se aliaram
em seu avanço na direção do sul desde o golpe de Estado perpetrado em março.
Estes grupos são o Movimento para unidade da jihad na África Ocidental (Mujao),
Al Qaeda no Magreb islâmico (Aqmi) e Ansar Eddine.
O ministro francês da Defesa, Jean-Yves Le Drian, admitiu que a guerra será
longa. Drian revelou que os grupos islâmicos contam com cerca de 1.200 homens
no centro do país, A eles devem se somar os reforços provenientes das células
islâmicas que são abundantes na vasta zona saariana onde a Aqmi tem um controle
total. Trata-se de um território que vai desde a Mauritânia (oeste) até a Líbia
(leste), e desde a Nigéria (sul) até Argélia e Tunísia. A França enfrenta um
adversário complexo e muito bem armado. Os jihadistas contam com um poderoso
arsenal proveniente da guerra ocidental que destronou o presidente líbio
Muhamar Kadafi.
Muitos dos combatentes que a França enfrenta hoje trabalharam como mercenários
a serviço de Kadafi. O grupo que realizou o ataque na Argélia sequestrou em
2009 três catalães e um italiano.
A escolha da Argélia com alvo também se explica pela solidariedade que Argel
manifestou com Paris a propósito da intervenção militar no Mali. Em sinal de
apoio, a Argélia anunciou que fecharia sua fronteira com o Mali para impedir
que os grupos islâmicos se refugiassem na Argélia. Tarde demais. A guerra
parece encantar as opiniões públicas ocidentais, sobretudo quando o alvo são
muçulmanos ou islâmicos. Cerca de 75% da opinião pública mundial respalda a
decisão do presidente socialista de entrar no conflito de Mali. Agora, porém,
com esse sequestro coletivo e a quantidade de mortos que deixou a operação para
libertá-los o conflito adquire uma dimensão muito mais internacional e
imprevisível. A mensagem já é conhecida: o Ocidente sempre repete a mesma coisa
toda vez que suas tropas ocupam um território estrangeiro. O terrorismo é a
panaceia de todas as aventuras militares das potências coloniais.
O governo socialista agiu do mesmo modo que o ex-presidente conservador Nicolas
Sarkozy com a resolução 1373 que autorizou em 2011 o emprego da força na Líbia,
ou seja, interpreta as resoluções como bem entende. São as tropas e os aviões
franceses que lutam agora no terreno em apoio ao derrotado exército de Mali.
Neste sentido, a França intervém fora do marco da resolução da ONU, mesmo que
as autoridades aleguem que o governo interino do Mali pediu a intervenção
expressa de Paris.
Os paradoxos se somam em uma infinita rede de contradições. Fontes do
ministério francês da Defesa citadas pelo semanário Le Nouvel Observateur
admitiram sua surpresa com o poderoso arsenal em posse dos grupos islâmicos. As
peças terminam por se juntar. Sarkozy utilizou a resolução das Nações Unidas
para caçar Kadafi. O regime líbio caiu e é, grande parte, dessa derrubada que
provem as armas que são utilizadas hoje pelos jihadistas do norte do Mali.
Tradução: Katarina Peixoto
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