José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
O Estado assumiu
como seus 5,5 mil milhões de euros de créditos do BPN. Desses, cerca de 2,2 mil
milhões foram dados como definitivamente incobráveis e contabilizados nos
défices de 2010 e 2011. Ou seja, passou de dívida de alguns para dívida de
todos nós. E mais 3 mil milhões vão em breve ter o mesmo destino. Aos que
defendem que toda a dívida deve ser paga cabe perguntar: esta também? Porquê?
Na dívida pública
estão incluídos os 50 mil milhões de euros de encargos com as parcerias
público-privado que agora são unanimemente consideradas como negócio ruinoso
para o erário público. E a fatura da troika, que os contribuintes pagarão com
juros muito superiores aos que os próprios bancos pagam para se financiarem
junto das instituições europeias, inclui uma parcela de 12 000 milhões de euros
para recapitalização do sector bancário. Também sobre estes milhões cabe
perguntar a quem defende que toda a dívida pública deve ser paga por todos nós,
gente honrada: esta também? Porquê?
De acordo com o
Orçamento do Estado para 2013, o País - todos nós - pagará este ano em juros da
dívida pública 8,8 mil milhões de euros que é cerca de 3,5 vezes o encargo da
totalidade dos subsídios de desemprego e 25 vezes o esforço de pagamento da
totalidade do rendimento social de inserção. Este montante podia ter sido
substancialmente reduzido se o Governo tivesse visto na reestruturação da
dívida grega uma oportunidade para aliviar o ónus que pesa sobre as nossas
finanças públicas. O certo é que, onde havia uma oportunidade, o Governo viu
uma ameaça de contágio de perceções. E os 8,8 mil milhões de juros aí estão. E
lá volta a pergunta a fazer aos que defendem que dívida é dívida e tem de ser
toda paga por todos nós: esta também? Porquê?
Pagar as dívidas
próprias é certamente um imperativo de honestidade. Mas que eu me obrigue a
pagar, em nome da minha honra própria, as dívidas contraídas por outro e que
ele ardilosamente transferiu para mim é tonto. E, mais que tonto, é
irresponsável se cortar direitos aos que comigo vivem ou de mim dependem. Mais
ainda: é criminoso se se confirmar que era exatamente o empobrecimento de todos
que o primeiro endividado realmente queria que acontecesse para que ele pudesse
continuar a enriquecer.
A quem defende que
toda a dívida deve ser paga por todos nós, vale a pena lembrar cinco anos de
história. Lembrar--lhes como a vertigem irresponsável do sistema financeiro foi
transformada por políticos concretos em dívidas soberanas dos Estados e, por
essa via, em dívidas de todos nós. Lembrar-lhes que só no caso da União
Europeia, as garantias dos Estados aos bancos em risco de falência atingiram
mais de 40% do PIB da União. E lembrar-lhes que em nome da honra de quem não
contraiu senão uma parte infinitesimal dessa dívida mas agora é suposto pagá-la
toda, se diz ser imperativo destruir os Estados, destruir as sociedades e
destruir as economias. É o crime perfeito.
Há uma resposta
para esta estratégia ardilosa. Chama-se democracia. E não é por acaso que é a
democracia, enquanto voz de todos, que está na mira deste projecto de imensa
destruição social. A força da democracia é a limpidez da realidade
proporcionada pelo seu conhecimento aberto e sólido. Conhecer que dívida é
realmente a nossa, que ingredientes tem, que responsabilidades a geraram, que
partes são de todos e que partes não o são, é uma exigência fundamental da
democracia. Sem esse conhecimento, ficamos à mercê de estratégias ardilosas de
passa-culpas e afundamo-nos como país para que os mesmos de sempre possam
continuar a ter as vantagens de sempre. É por isso que uma auditoria à dívida é
tão "inoportuna", tão "inviável", tão
"despropositada". Para quem ganha com o nevoeiro, é assim a
democracia.
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