sábado, 12 de janeiro de 2013

Portugal: O VERDADEIRO TIRO PELA CULATRA




Eduardo Oliveira Silva – Jornal i, opinião

O documento do FMI não deve desviar as atenções do Orçamento de 2013

Todo o burro come palha, é preciso é saber dar-lha.

O ditado popular parece ter esquecido apenas que o burro pode dar coices violentos. Mais coisa menos coisa, foi isto que aconteceu com o relatório do FMI. Em primeiro lugar, o documento é violentíssimo, mas igual a outros que foram feitos sobre Portugal, a Grécia e mais uns quantos países. É também uma evidência que o conteúdo é maximalista e que portanto tudo aquilo é um objectivo último, e não uma coisa que se faça já, nem sequer numa década.

O que se passou com o relatório é que uma luminária da estratégia política decidiu passá-lo para a imprensa, que naturalmente o leu da forma mais radical, seguindo a prática jornalística de que as boas notícias não são notícia. O tumulto foi tal que Carlos Moedas teve de ir a correr para, em simultâneo, dizer que nem todo o conteúdo era um dado adquirido e defender o documento, que mais parecia saído da pluma de Ferraz da Costa, enquanto o CDS se demarcava e o líder, Paulo Portas, nada dizia, eventualmente por estar em hibernação.

Num ápice instalou-se o pânico face ao alastramento de uma onda de indignação que ameaçava tomar as proporções do 15 de Setembro, a ponto de não se perceber porque é que os movimentos políticos ditos de cidadania não aproveitaram logo as redes sociais para convocar mais uma manifestação inorgânica.

A melhor indicação do susto foi o próprio Passos Coelho ter sido obrigado a dizer que o relatório não é uma bíblia nem o ponto de chegada do governo, quando na realidade todos sabem que é.

Mas afinal o que queria o pequeno Maquiavel que sub-repticiamente libertou o documento, que teve a colaboração activa do governo e contraria a análise imediata feita pela presidente do FMI na entrevista que deu há apenas oito dias?

As ideias eram duas. Em primeiro lugar, desviar a atenção da questão essencial, que deve preocupar todos, mas mesmo todos os portugueses: o que vai fazer o Tribunal Constitucional com o Orçamento do Estado? Ao atirar com o relatório para a rua julgava-se que o burro se distraía com aquela palha, o que de facto aconteceu durante umas horas, até que desatou aos coices e foi preciso acalmá-lo. A estratégia correu mal e quase rebentava com o governo, o que deveria conduzir a uma revisão definitiva da comunicação do primeiro-ministro, já que a do governo nunca existiu.

A segunda ideia era um remake daquela célebre frase de Sócrates quando cinicamente profetizou que ainda havíamos de ter saudades do PEC IV. Face ao relatório do FMI na sua versão publicada e mais catastrofista, qualquer cidadão diz com alívio que, para evitar aquela verdadeira tragédia grega, venha antes o Orçamento de 2013 que o governo apresentou e que Cavaco e as oposições enviaram para fiscalização sucessiva.

Quem for lúcido não pode evidentemente cair na esparrela. Uma coisa é um relatório do FMI para o futuro e outra é um Orçamento para o imediato, o que é bem mais importante. Convém não perder o norte nem a noção das prioridades.

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