Adulai Indjai - Didinho
No fim do mês de
Janeiro corrente, o Senhor José Ramos Horta vai iniciar o exercício das suas
actividades como Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas
na República da Guiné-Bissau. Apesar da minha profunda convicção, de que
anima-o a intenção de trabalhar em prol da paz e da estabilidade, e que esse
sentimento é sincero, permita-me dizer que não acredito que vai conseguir
vencer a luta contra o tempo num xadrez complicado em que o tabuleiro é
multicolorido e difícil de arrumar.
A minha dúvida não
quer dizer que subestimo a vossa capacidade. Mas, o problema do nosso país,
deixou simplesmente de ser um problema político ou de instabilidade passando a
ser um problema do tempo. O nosso tempo é escasso, está quase parado. Tenho a
impressão que a minha Pátria amada, perdeu a noção do tempo, perdeu o sentido
dos ponteiros do relógio; o calendário com as datas, tornou-se num instrumento
obsoleto, que não interessa a ninguém.
O país esta
completamente estático; as greves sucessivas, que abalam todos os sectores… O
ano letivo encurta-se a cada ano… Os salários magros não chegam para suportar
as despesas até ao final do mês… As campanhas comerciais da castanha de caju, e
outras frutas tropicais, sempre andam em atraso... Tudo isso, são fatores de
instabilidade, que geram guerras, miséria, e, frustração a vários níveis porque
a perca do tempo cria empobrecimento, que, por sua vez engendra fatores de
bloqueio.
Ora, o bloqueio do
tempo é um perigo nefasto para as gerações futuras. A minha geração vive hoje
no desespero, preso entre o futuro e o passado, uma vez que nós desconhecemos o
presente. As gerações vindouras após a minha, viverão na frustração, sem saber,
se um dia serão capazes de sanear, todos os males que vão herdar dos mais velhos.
E, quando começarem a ceifar os males do tempo deles, então nós estaremos fora
do tempo.
O tempo é
necessário para avaliar as perdas, as vitórias. Mas, não podemos somente
calcular as duas hipóteses devemos, sobretudo, calcular a quantidade do tempo
perdido a tentar conquistar uma vitória, os meios despendidos, humanos e
financeiros.
A teoria do cálculo
do tempo, no caso da Guiné-Bissau, é sumamente difícil, mas não impossível de
todo. Aproveito para vos felicitar em aceitar o desafio de representar o
Secretário-geral das Nações Unidas na Guiné-Bissau, quer dizer, chefiar o
Bureau do UNIOGBIS (Escritório Integrado das Nações Unidas para a Consolidação
da paz na Guiné-Bissau). Pra refrescar a memória coletiva, vou referir o tempo
que esta missão das Nações Unidas já gastou na Guiné-Bissau. Foram 14 anos. A
representação especial foi criada a 6 de Abril de 1999, pela resolução 1233 do
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Quantos representantes já ocuparam
esse posto? Samuel Nana-sinkam, camaronês – 1999-2002; David Stephen,
inglês – 2002-2004; João Bernardo Honwana, moçambicano – 2004-2006;
Shola Omoregie, nigeriano – 2006-2008; Joseph Mutaboba, ruandês –
2009-2012.
O que é que esses
diplomatas trouxeram à Guiné-Bissau durante a sua missão? A resposta é simples:
NADA.
Os seus
antecessores, Senhor Ramos Horta, perderam tempo. Aliás, fizeram mau uso do
tempo… Alguns chegaram mesmo a serem considerados persona non grata… Isso
significa que não tiveram tempo de sair pela porta grande, foram jogados fora
do terreno do jogo - tempo perdido.
Ontem UNOGBIS, hoje
UNIOGBIS, não deu NADA. Ao longo dos tempos esta organização produziu
relatórios, comunicados, workshops… Os seus antecessores, na opinião de muita
gente, escolheram sempre a divisão em vez de se pautarem pela união dos
guineenses. Evidentemente, eles pensaram na questão do tempo mas a seu
favor, na perspectiva de que quanto mais instabilidade houver na Guiné-Bissau,
mais dinheiro se pode ganhar dado que, uma vez que a missão é de alto risco,
então o prémio do risco, obviamente, tem que ser chorudo.
O tempo é muito bem
calculado em favor da riqueza pessoal de cada pessoa que trabalha nesta
organização. A missão que é essencialmente de promover o diálogo para a paz,
virou-se na missão de promover o dialogo para guerra, instabilidade,
esquecendo-se que quando uma casa queima, o tempo deve ser usado
criteriosamente, com sinceridade e responsabilidade. A Guiné-Bissau é uma casa
que esta queimando.
Sr. Ramos Horta,
nos tempos que correm hoje em dia, a questão do diálogo é muito sensível. Ao
longo de anos, primeiramente UNOGBIS mais tarde UNIOGBIS, usaram e abusaram
desse termo sem, no entanto, fazer bom uso dele. O diálogo supõe essencialmente
a consolidação da fraternidade a busca de entendimento entre irmãos,
exigindo-se uma abertura e aceitação das divergências. Mas ela deve assentar-se
na justiça, na procura daquilo que há de comum entre as partes em presença.
Imagino que cada
ser humano desejaria, nascer num país onde o soberano é o povo. É verdade que
ninguém escolhe o seu local de nascimento. Sou Guineense, vou sê-lo até ao
último minuto da minha existência com muito orgulho. Sinto-me revoltado contra
mim mesmo, contra o meu povo, mas não contra, os que fazem sofrer o meu povo. Esta
minha atitude pode parecer absurda, mas é verdadeira. Porque é que devo
revoltar-me contra as pessoas, que não significam nada aos meus olhos? Admirei
e admiro até hoje, os nossos antigos e verdadeiros combatentes da liberdade da
pátria. Esses camaradas, sabiam valorizar o tempo, souberam respeitar o tempo.
Ofereceram-nos o tempo de conhecer o que é o bem-estar, conhecer o valor dos
tempos da liberdade apesar de tudo o que vivemos hoje.
O único elemento,
que vive no seu tempo é o povo. Os homens passam, as instituições desaparecem,
mas o povo resta, o povo é intacto, o povo governa o tempo porque ele é
pura e simplesmente soberano. Mesmo sendo prisioneiro da vontade de um grupo
sem escrúpulos, o povo é um vencedor nato, o tempo sempre joga a favor do povo.
Será que Senhor
Ramos Horta vai ser capaz de vencer a batalha do tempo? Em que equipa conta
jogar? Das regras burocráticas das Nações unidas ou da realidade do nosso povo?
O senhor é um ex-combatente, um homem sério, que combateu em nome do seu povo.
A liberdade não significa nada sem que o povo viva em paz e estabilidade. E
estas duas premissas não se limitam somente no silêncio das armas. Mas
estende-se à múltiplas esferas: boa governação, boa educação para todos, sector
de saúde eficaz, valorização dos recursos humanos, valorização do trabalho...
Em resumo, que cada família do nosso país conheça o bem-estar social, económico
e político.
Porém, continuo, a
não acreditar apenas na vossa boa vontade, até prova em contrário. O Senhor,
para provar o contrário, será capaz de usar o tempo de uma maneira útil? Usar o
tempo no presente sem se preocupar se o futuro o degradará. A essência do tempo
é servir para preparar o futuro próspero.
No seu caso, o
futuro próximo que poderá prometer-nos, passa, conforme defende muita gente,
pela aceitação da “convenção do divórcio” que a Guiné-Bissau tanto sonha
rubricar com UNIOGBIS que é um factor de bloqueio… Enquanto existir, o nome do
nosso país figurará na lista dos chamados “países de alto risco”. Em resumo um país
a evitar. Esse status quo leva a que os doadores, os investidores, assim como
os turistas, prefiram outro país em vez da Guiné-Bissau. Inversamente, os
narcotraficantes, os malfeitores, os corruptos vão escolher o nosso país, como
é o caso hoje em dia, para manifestarem a sua exuberância e liberdade de
movimentos.
Sr. Ramos Horta boa
sorte.
Adulai Indjai
*Também publicado
no TIMOR LOROSAE NAÇÃO, recentemente reativado
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