LA
STAMPA, TURIM - Presseurop - foto AFP
No final de 2009,
os africanos que trabalhavam nos pomares da Calábria rebelaram-se contra
condições desumanas de vida e de trabalho, reacendendo o debate sobre o
trabalho sazonal. Três anos depois, as iniciativas públicas falharam e os
imigrantes continuam a viver em condições de exploração.
Enganam-se os que
dizem que tudo voltou ao normal em Rosarno, três anos após a
revolta de imigrantes, as pilhagens, a contrarrevolta dos italianos, as
caças ao homem e, finalmente, a deportação dos africanos. Hoje está pior.
Os africanos
voltaram a atingir um milhar, como há três anos. Chegam no outono e voltam a
partir na primavera, após a colheita de citrinos. Recebem €25 por dia, embora
os empregadores prefiram pagar à peça, para aumentar a sua eficiência: um euro
por caixa de tangerinas e €0,50 pela de laranjas, cada uma pesando entre 18 e
20 quilos.
No auge da
temporada, trabalham três ou quatro dias por semana, dependendo do trabalho e
desde que paguem três euros ao capataz que os transporta de madrugada numa
carrinha. Nos dias sem trabalho, são vistos a atravessar a planície de
bicicleta, a fazer compras no supermercado mais barato, a cozinhar arroz e asas
de frango em latas enferrujadas, a embebedar-se com cerveja, a brigar uns com
os outros.
Promessas por
cumprir
Os dois dormitórios
gigantescos nas ruínas de antigas fábricas já não existem há três anos. Um foi
fechado e abandonado, o outro demolido. Após os acontecimentos de 2009, era
preciso apagar tudo aquilo e não apenas psicologicamente. Mas hoje, o novo
bairro de lata entre Rosarno e San Ferdinando é ainda mais terrível, se
possível. As placas de fibrocimento, recuperadas de lixeiras industriais que
abundam na Calábria, dão saudades dos esqueletos de cimento e das paredes de
chapa metálica. Hoje, os telhados são de celofane, papelão e plástico
reutilizado.
Aterros de 20
centímetros escoram abrigos precários, invadidos por lama às primeiras chuvas.
Os sanitários ficam ao fundo à direita: duas fossas com um metro por 40
centímetros escavadas na terra, a céu aberto e sem qualquer proteção. Na tenda
maior, com dez metros por cinco, há uma centena de camas, ou melhor, cem
colchões cheios de mofo e camas de campanha. O cheiro é indescritível. Não há
água, nem esgotos, nem eletricidade. Pilhas de lixo fazem de divisória.
"Uma situação
indigna, vergonhosa, um horror", explode Domenico Madafferi, o presidente
da Câmara de San Ferdinando. Baseado num relatório sobre as condições de
higiene "praticamente inexistentes”, esta “situação de perigo para a
saúde", a “periculosidade destas barracas" e as "construções
selvagens, desprovidas de condições mínimas de viabilidade", que
"podem tornar-se focos de infeção", assinou pelo seu punho uma ordem
de deportação. "Uma forma de encostar o Governo e a região à parede,
depois de reuniões inúteis, apelos e reclamações por escrito”, explica. “Mas
nada mudou. Foram só promessas."
O modelo Rosarno,
um milagre?
E no entanto, há
apenas um ano, as autoridades inauguraram um acampamento-modelo: 280 lugares,
tendas amplas, para quatro pessoas cada e com aquecedores a óleo, TV por
satélite, instalações sanitárias de campismo, iluminação nas alamedas, recolha
organizada de lixo, um refeitório e uma cozinha, assistência médica. Um pedaço
de Suíça na planície de Gioia Tauro.
A região
desembolsou 55 mil euros para a sua gestão. A Província pagava a eletricidade.
Os presidentes das Câmaras de Rosarno, Elisabetta Tripodi, e de San Ferdinando,
Domenico Madafferi, faziam o resto. As mais diversas associações e voluntários
– laicos, católicos, evangélicos – desdobraram-se para dar assistência,
alimentação, cobertores, com a ajuda de milhares de pessoas. Iam bem longe os
relentos do racismo. O campo de tendas veio acrescentar-se aos contentores
instalados em fevereiro de 2011: 120 imigrantes repartidos a seis por módulo,
com cozinha e casa de banho. Não só os últimos guetos tinham sido
desmantelados, como o "modelo de Rosarno", numa grande inovação,
fornecia abrigo e alimentação a cada imigrante por dois euros por dia por
pessoa, em vez dos 45 geralmente gastos pela Proteção Civil.
E, portanto, embora
com um ainda insuficiente número de lugares – 400, um terço do necessário –,
numa região em permanente estado de emergência (há algum tempo, as três
principais administrações municipais foram dissolvidas ao mesmo tempo pela
máfia), ter acudido à ocorrência, ainda que temporariamente, parecia um
milagre. Mas em breve se revelaria a sua verdadeira natureza: um interlúdio
passageiro.
Acampamento
saturado de imigrantes
Junho de 2012: o
financiamento da região esgotou-se, o acampamento de tendas foi fechado e
abandonado, à espera da próxima campanha agrícola. Em agosto, os presidentes da
Câmara falaram com os responsáveis regionais e governamentais: tinha de ser
tudo organizado a tempo, caso contrário seria novamente o caos. E foi o que
realmente aconteceu: no final de outubro, quando começa a colheita das
tangerinas, o acampamento, sem gerente nem administração, ficou rapidamente
saturado de imigrantes.
Vivem seis por
tenda, mas há sempre novos a chegar. Os presidentes da Câmara reclamam ajuda.
Não têm meios, nem estruturas, nem pessoal para controlar a situação. "A
região e o Governo arrastam a situação, o ministro [da Cooperação Internacional
e da Integração], Andrea Riccardi, não responde, só o Presidente da República
deu uns sinais de atenção, através da compra e envio de cobertores, aliás
inadequados", desespera o presidente da Câmara, enraivecido. Passadas algumas
semanas, o refeitório transforma-se também num enorme dormitório. Não há mais
espaço e os últimos a chegar começam a construir um bairro de lata adossado ao
acampamento inicial.
Sem manutenção, os
esgotos não aguentam uma população que quadruplicou. Os contentores equipados
com casa de banho tornam-se rapidamente cloacas impróprias para utilização;
fecham-se as cozinhas e os contentores de lixo transbordam. Teriam bastado 50 a
70 mil euros para recuperar o controlo da gestão do campo, para o pôr a
funcionar eficaz e decentemente até à primavera. Bastavam 0,000006% da despesa
pública italiana e das promessas ouvidas há três anos. Será que é pedir
demasiado para Rosarno?
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