Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião
Está consumado o
retorno de Sócrates à política. Vai ser mau para o PS
A RTP fez a
contratação da época: ter o ex-primeiro-ministro, até aqui mudo no seu exílio
Erasmus em Paris, a comentar a actualidade semanal é um feito para a estação
pública. Pela primeira vez em meses, a RTP é notícia por boas razões – teve uma
excelente decisão do ponto de vista jornalístico e deu um bigode à
concorrência. Apesar das suas particulares mais-valias, nem Marques Mendes
(recrutado recentemente pela SIC), nem Marcelo (que já esteve na RTP e voltou à
TVI) são ex-primeiros-ministros nem negociaram o resgate com a troika. E,
apesar das divergências que tanto Marques Mendes como Marcelo têm com o governo
do partido a que pertencem, elas não são tão fundas como as divergências entre
Sócrates e a nova direcção do PS, António José Seguro. Se a RTP precisava
urgentemente de fazer subir as audiências, uma sessão semanal de Sócrates tem
todas as condições para cumprir esse objectivo – para lá de ser um
acontecimento de grande interesse jornalístico.
Sócrates é hoje um
dos homens mais odiados do país – mantendo um núcleo resistente de amores –,
mas o ódio é um factor de enorme atracção e de excitação político-mediática.
Basta ver a loucura em que entraram vários “peticionários”, mas, bastante mais
grave, a loucura em que entraram titulares de órgãos de soberania, como os
deputados do PSD e do CDS, que, com tanto com que se entreter cá dentro e lá
fora – a Europa em chamas, essa minudência – se multiplicaram em declarações de
protesto contra a decisão de Paulo Ferreira, o novo director de informação da
RTP. Definitivamente, depois de acusarem meia dúzia de manifestantes de
“atentado à liberdade de expressão” de Miguel Relvas, só faltava o apelo ao
sequestro da opinião de um ex-primeiro-ministro.
Agora a decisão não
é boa nem para Sócrates nem para o PS. Independentemente de ser sob a forma de
“comentário político”, está consumado o regresso de Sócrates à política. Não
passou ainda tempo suficiente para diminuir o ódio (uma boa parte irracional)
que Sócrates deixou nos seus concidadãos. Como Sócrates odeia Seguro, é pouco
provável que o que quer que ele diga possa valorizar o PS. Antes pelo
contrário: depois da recusa de Seguro de incorporar com veemência a herança de
Sócrates na moção ao congresso – como exigia António Costa e perdeu –, o clima
de vendetta estará ao rubro. O que Sócrates disser sobre o governo será
irrelevante – é o PS, e a guerra interna no PS, o verdadeiro assunto.
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