Paulo Nogueira, Londres – Correio do Brasil, opinião
Foram quase R$ 6
bilhões nos últimos dez anos em cima de uma lógica altamente discutível.
Primeiro, a boa
notícia: a transparência nos gastos com publicidade no governo.
Transparência é
detergente: elimina muita sujeira.
Então seguem as
palmas à Secretaria de Comunicação, a Secom, por detalhar onde o governo coloca
seu dinheiro.
Depois, a má
notícia: a lógica do investimento “técnico”, graças ao qual a Globo desde
2000 levou quase R$ 6 bilhões do governo, não se sustenta.
Presumo que, ao
expor seus gastos à sociedade, a Secom esteja não só dando satisfações ao
contribuinte mas, acima de tudo, propondo debate.
Vamos a ele.
A análise técnica
não leva em consideração que, agindo como age, a Secom está perpetuando uma
situação de monopólio construída em circunstâncias obscuras durante o governo
militar.
Interessa alimentar
o monopólio apenas porque ele é monopólio, ou você pode e deve corrigir
situações em que a concorrência é desleal?
Se existe um
consenso de que a desconcentração da mídia é essencial para a democracia, por
que o governo, na publicidade, incentiva a concentração?
Como este incentivo
cego e bilionário cabe dentro da lógica é essencial, para a democracia, que não
exista monopólio na mídia?
O que aconteceu nos
investimentos publicitários governamentais, nestes dez anos de PT, foi pegar
uma situação – a de 2002 – e simplesmente encampá-la, sem nenhuma crítica.
A virtude da
“isenção” ficou a serviço do vício.
Partiu-se de uma
base que deve muito – quase tudo — a favores concedidos pelos governos militares
a Roberto Marinho, “nosso mais fiel e constante aliado na mídia”, como se
referiu a ele o ministro da justiça de Geisel, Armando Falcão.
Ora, se a base é
viciada, trate de corrigi-la, em vez de perpetuá-la.
O governo não fez
isso.
Por quê? Porque não
viu, ou porque viu mas não teve coragem de fazer algo que certamente
mobilizaria toda a capacidade formidável da Globo de retaliar em nome
do, aspas, interesse público?
Cada qual fique com
sua conclusão. Nenhuma das duas hipóteses é exatamente positiva.
Ouvi algumas
pessoas dizerem que, do ponto de visya jurídico, é difícil alterar essa
aberração. Ora. A isso contraponho Brecht. “Não aceite o que é de hábito como
coisa natural, pois em tempo de confusão organizada, de arbitrariedade
consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve
parecer impossível de mudar.”
Clap, clap, clap:
nada deve parecer impossível de mudar.
O investimento cego
ignora também o BV, a infame propina legal mas imoral com a qual a Globo mantém
acorrentadas as agências de publicidade.
O BV foi mais uma
invenção da Globo. Ela adianta o dinheiro que as agências vão colocar nela, e
isso tem sido a principal fonte de renda muitas das agências.
Quem milita no meio
corporativo jornalístico – eu fiz isso por 25 anos – sabe o veneno ético e
moral representado pelo BV. Fora tudo, é uma agressão à luz do dia ao conceito
de concorrência e meritocracia capitalista.
Será que nunca a
sociedade brasileira vai se livrar desse tipo de mamata legalizada?
Sempre achei
irônico o comportamento da mídia à concorrência predadora da Globo. Em meus
anos na Abril, diversas vezes comentei o que para mim é bizarro: a maciça, exagerada,
bovina cobertura dada à Globo. Quantas capas da Veja e páginas da Ilustrada
dedicadas a novelas emburrecedoras e medíocres que, como mostra o Ibope, vão
marchando para o bem-vindo ostracismo? A Globo sempre pisou na concorrência, e
recebeu, paradoxalmente, o oposto disso — louvores que só tornaram mais
contundentes ainda as sucessivas pisadas.
Por fim, você faz
tudo isso para dar no quê? Num jornalismo à Jabor, à Merval, à Ali Kamel? Em
entretenimento como o BBB e as novelas que incentivam os brasileiros a se encher
de cerveja em merchans multimilionários da Ambev e empurram o jogo de futebol
para horários em que os típicos torcedores já estão exaustos?
Ou ainda: você faz
isso para consolidar a posição dos três Marinhos na lista de
bilionários da Forbes?
De toda forma,
louve-se a publicação do Secom porque, sem ela, não seria possível discutir um
assunto tão relevante para os brasileiros.
Paulo Nogueira é
jornalista, editor do Diário do Centro do Mundo.
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