terça-feira, 23 de abril de 2013

EXCELGATE. A BÍBLIA DE SCHAUBLE, OSBORNE E GASPAR ESTAVA ERRADA




Ana Sá Lopes – Jornal i

É possível a dois académicos rebentarem com a economia europeia? O escândalo “excelgate” prova que existe um diabo sentado nos detalhes

Quando foi a crise financeira em 2008, os governos europeus, por unanimidade, apelaram ao investimento público - e consequente aumento da dívida pública - para impedir que o contágio da crise americana provocasse uma Grande Depressão na Europa. Mas em 2010 dois acontecimentos levaram à inversão total das políticas anti-austeritárias antes aprovadas nos conselhos europeus: a denúncia da falsificação das contas na Grécia - e consequente perda de confiança junto dos credores - e um estudo de dois académicos de Harvard, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff chamado “Crescimento em tempos de dívida”.

Quando a União Europeia altera radicalmente a sua política expansionista desenhada para travar a recessão da economia- que levou ao aumento das dívidas públicas de vários países, incluindo Portugal - é no estudo dos dois académicos que alicerça a sua nova teoria. O mantra, repetido de Lisboa a Berlim - passando por Londres, onde George Osborne, ministro das Finanças, impôs um grande programa de austeridade - passou a ser precisamente o contrário. Os Estados endividados nunca alcançariam o crescimento. Mas foi agora descoberto que as conclusões de Reinhart-Rogoff assentava num erro de Excel. Afinal, a correlação entre elevados níveis de dívida e crescimento não era provado - e bastava olhar para o elevado nível de dívida da Alemanha para que esse dogma levantasse dúvidas.

Na sua resposta à descoberta do erro, Reinhart e Rogoff admitiram a falha do Excel, mas insistiram que nunca escreveram que a dívida provoque um crescimento mais lento. Para Paul Krugman, esta declaração “é um tanto insincera porque repetidamente deram a entender essa ideia ainda que a evitassem formular expressamente”. E, “em qualquer caso, o que realmente importa foi o modo como foi interpretado o seu trabalho: os entusiastas da austeridade anunciaram com trompetas que o suposto ponto de inflexão de 90% do PIB era um facto provado e um motivo para cortar drasticamente o gasto público mesmo à custa de um desemprego elevadíssimo”.

Krugman sustenta que o caso Reinhart e Rogoff é a prova de que nos “venderam a austeridade com pretextos falsos”. “Durante três anos, o caminho da austeridade foi-nos apresentado não como uma opção mas como uma necessidade”. Mas os responsáveis políticos - onde se inclui Vítor Gaspar, que assina o prefácio da tradução portuguesa do estudo, o ministro das Finanças alemão e o chanceler britânico do Tesouro - utilizaram Reinhart e Rogoff como dogma de fé e ignoraram alertas de muitos outros economistas que previam precisamente o contrário. Krugman está pessimista: “Os responsáveis políticos abandonaram os desempregados e tomaram o caminho da austeridade porque quiseram e não porque tivessem que o fazer”.

Krugman não acredita que o erro sirva para fazer cair a austeridade do seu pedestal. “Gostaria de pensar que sim, mas prevejo que os suspeitos do costume encontrarão alguma outra análise económica questionável para canonizar e a depressão não acabará nunca.

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