Ana Sá Lopes –
Jornal i
É possível a dois
académicos rebentarem com a economia europeia? O escândalo “excelgate” prova que
existe um diabo sentado nos detalhes
Quando foi a crise
financeira em 2008, os governos europeus, por unanimidade, apelaram ao
investimento público - e consequente aumento da dívida pública - para impedir
que o contágio da crise americana provocasse uma Grande Depressão na Europa.
Mas em 2010 dois acontecimentos levaram à inversão total das políticas
anti-austeritárias antes aprovadas nos conselhos europeus: a denúncia da
falsificação das contas na Grécia - e consequente perda de confiança junto dos
credores - e um estudo de dois académicos de Harvard, Carmen Reinhart e Kenneth
Rogoff chamado “Crescimento em tempos de dívida”.
Quando a União
Europeia altera radicalmente a sua política expansionista desenhada para travar
a recessão da economia- que levou ao aumento das dívidas públicas de vários
países, incluindo Portugal - é no estudo dos dois académicos que alicerça a sua
nova teoria. O mantra, repetido de Lisboa a Berlim - passando por Londres, onde
George Osborne, ministro das Finanças, impôs um grande programa de austeridade
- passou a ser precisamente o contrário. Os Estados endividados nunca
alcançariam o crescimento. Mas foi agora descoberto que as conclusões de
Reinhart-Rogoff assentava num erro de Excel. Afinal, a correlação entre
elevados níveis de dívida e crescimento não era provado - e bastava olhar para
o elevado nível de dívida da Alemanha para que esse dogma levantasse dúvidas.
Na sua resposta à
descoberta do erro, Reinhart e Rogoff admitiram a falha do Excel, mas
insistiram que nunca escreveram que a dívida provoque um crescimento mais lento.
Para Paul Krugman, esta declaração “é um tanto insincera porque repetidamente
deram a entender essa ideia ainda que a evitassem formular expressamente”. E,
“em qualquer caso, o que realmente importa foi o modo como foi interpretado o
seu trabalho: os entusiastas da austeridade anunciaram com trompetas que o
suposto ponto de inflexão de 90% do PIB era um facto provado e um motivo para
cortar drasticamente o gasto público mesmo à custa de um desemprego
elevadíssimo”.
Krugman sustenta
que o caso Reinhart e Rogoff é a prova de que nos “venderam a austeridade com
pretextos falsos”. “Durante três anos, o caminho da austeridade foi-nos
apresentado não como uma opção mas como uma necessidade”. Mas os responsáveis
políticos - onde se inclui Vítor Gaspar, que assina o prefácio da tradução
portuguesa do estudo, o ministro das Finanças alemão e o chanceler britânico do
Tesouro - utilizaram Reinhart e Rogoff como dogma de fé e ignoraram alertas de
muitos outros economistas que previam precisamente o contrário. Krugman está
pessimista: “Os responsáveis políticos abandonaram os desempregados e tomaram o
caminho da austeridade porque quiseram e não porque tivessem que o fazer”.
Krugman não
acredita que o erro sirva para fazer cair a austeridade do seu pedestal.
“Gostaria de pensar que sim, mas prevejo que os suspeitos do costume
encontrarão alguma outra análise económica questionável para canonizar e a
depressão não acabará nunca.
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