Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Marcos históricos
na vida das nossas sociedades, como o 25 de Abril de 1974 ou o 1 de Maio, são
vividos com a emoção que advém da memória dos grandes acontecimentos, ainda que
não vividos, das conquistas de direitos e liberdades que sustentaram as nossas
vidas enquanto trabalhadores, pessoas e cidadãos.
Em muitos
portugueses e portuguesas hoje essa emoção tende a esbater-se perante a
realidade vivida quotidianamente, perante os danos do austeritarismo que coloca
mais de 20% dos trabalhadores portugueses no desemprego, que inferniza a vida
no trabalho, na família e na sociedade, que condena à pobreza. A convivência
com os nossos mais próximos amargura-nos a esperança de um futuro que faça jus
às lutas do passado. Nuvens pesadas carregam a vida do nosso amigo, familiar ou
vizinho; amanhã o que impede que seja a nossa?
Esta frustração e
desânimo são inevitáveis perante as loucuras da avalanche de políticas ruinosas
de um governo que traiu o povo e o país, perante a atuação do presidente da
República que desgraçadamente sanciona essas políticas, perante instâncias
europeias e internacionais que nos querem sugar até ao limite das nossas
forças. Atiram-nos para um modo de viver que vorazmente abraça o imediato, o
agora sem saída. Ora, dias como o 1.o de Maio, em que recordamos o que de
melhor nos identifica como um povo, como projeto civilizacional, conferem fundo
histórico à nossa existência.
Com Abril e Maio o
que foi conseguido foi mais que a liberdade de expressão, de reunião, de
organização sindical e política. Foi mais do que o direito a escolher
livremente os governantes. Abril e Maio trouxeram muito mais. Trouxeram
liberdade a sério: saúde, educação, habitação, dignidade no trabalho,
cidadania, independência e soberania para os portugueses e para outros povos que
a ditadura subjugava.
O Serviço Nacional
de Saúde, a Escola Pública, a Segurança Social, a consagração legal da
dignidade e da segurança no trabalho transformaram Portugal e fizeram-nos
esquecer a dureza de um passado de carências extremas, de humilhações, de muros
intransponíveis entre classes sociais, de pungentes despedidas de famílias a
caminho da emigração forçada, ou de militares que partiam para uma guerra
colonial sem sentido.
Jamais esquecerei a
imensa alegria da minha mãe - mulher do campo quase analfabeta e absolutamente
distante de qualquer intervenção política - após o 25 de Abril, perante a
constatação de que os seus filhos mais novos já não iriam para a guerra
colonial. Hoje é preciso relembrar a importância da paz e da soberania, pois a
divisão dicotómica e a brutal austeridade seguidas na UE são geradoras de
perigos iminentes.
As liberdades
positivas e prenhes de dignidade humana, que o Estado social garante, estão em
risco. A pretexto de emergências financeiras causadas pela atuação tirana da
finança desregrada anunciam-se cortes. Cortes onde mais dói. Não nas
adiposidades dos credores, das PPP, de empresas monopolistas e de consultores
do Governo, precisamente nos direitos sociais fundamentais que dão conteúdo ao
Estado social construído com Abril. Amputar o Estado social, reduzi-lo a
mínimos, é reduzir brutalmente a liberdade que Abril trouxe.
Nestes dias é mais
clara a necessidade de na memória sermos capazes de construir de novo,
reinventar, ir além do passado. Para fazer futuro, e (re)conquistar liberdades
e direitos é preciso ação. Estar na rua. Assumir compromissos de combate, de
luta social e política capazes de derrubar o atual Governo e as políticas de
austeridade de uma U.E. que se está a negar como projeto dos povos europeus, da
paz e da solidariedade.
Como expressa a
CGTP-IN no seu manifesto "Os trabalhadores, o povo e o país estão perante
a mais vil e monstruosa operação de saque económico e de terrorismo
social". É necessário uma grande participação dos trabalhadores nas manifestações
sindicais do próximo dia 1 de Maio, que se realizam por todo o país.
Sobre cada um de
nós recai a responsabilidade de recriar o futuro. O direito último de que não
podemos jamais abdicar.
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