sexta-feira, 26 de abril de 2013

Portugal: TROVA DE UM VENTO QUE NÃO PASSA




Alfredo Leite – Jornal de Notícias, opinião

Nas habituais comemorações solenes do dia da Liberdade no Parlamento ouviu-se, desta vez, a melodiosa "Trova do vento que passa", escrita noutro tempo por Manuel Alegre, mas cuja atualidade é inequívoca.

Coerente na repetida recusa em aceitar ter na lapela o cravo da revolução, Cavaco Silva ouviu a canção e escutou a Esquerda, mas não o PS, a pedir a realização de eleições antecipadas. Em resposta, o presidente da República apelou ao consenso nacional, alertando para os perigos de uma crise política nesta altura. E, para que não restasse qualquer dúvida, saiu em defesa das medidas de austeridade do Governo. É fácil perceber como vai acabar o consenso que Cavaco pretende.

No apelo ao consenso e na defesa da inevitabilidade do rumo traçado por Passos Coelho, cumpriu-se o 39.0 aniversário de Abril. Uma celebração na qual as portas dos jardins de Belém e de São Bento, tradicionalmente abertas ao povo no dia em que recordamos a conquista da liberdade, permaneceram fechadas. Pode parecer um pormenor irrelevante, mas não é. Não porque lhe falte valor simbólico, mas simplesmente porque, vindo de quem vem, já não nos surpreende.

Afinal, vivemos como nunca dias de descrença em quem nos governa e no chefe de Estado que deveria zelar pelo bem-estar de quem o elegeu e fiscalizar, precisamente, a ação governativa. E atuar.

Quase quatro décadas volvidas, é lugar-comum reconhecer que vivemos hoje numa sociedade mais justa do que a que herdámos em 74. Mas é igualmente óbvio que muito do que ambicionamos construir desde então corre hoje sérios riscos de ruir. Estamos na Europa com a sensação de não fazermos parte dela; hipotecaram-nos a soberania e suspenderam-nos a dignidade. Na saúde, na educação, no trabalho. O desemprego, sobretudo entre aqueles que já nasceram nos dias da liberdade, é galopante. Há direitos sociais que julgávamos inabaláveis ameaçados dia após dia. A justiça ou é ineficaz ou demorada, quando não ambas. O envolvimento dos cidadãos nas decisões soberanas é residual. A reforma do Estado, de que necessitamos como de pão para a boca, permanece adiada. A profunda reorganização administrativa do território é uma miragem e o país reafirma o seu centralismo na capital enquanto o interior se desertifica.

A classe política está naturalmente descredibilizada. Por tudo isto, mas também por ter sido tomada por gente incapaz. Políticos de carreira a quem raramente conhecemos mérito ou "valores" que não os baseados nas lógicas partidárias e respetivos compadrios. Impotentes, vemos Cavaco Silva a assistir a tudo isto e a pedir consensos. Como bem lembrou Pedro Bacelar de Vasconcelos no "Público" de ontem, para que serve um presidente eleito por sufrágio universal, que tem a capacidade de demitir o Governo ou convocar eleições, que só o faz quando a "maioria" consente? Com o discurso de Cavaco na Assembleia da República isto ficou ainda mais claro.

Mas, como todos os anos, o 25 de Abril não se circunscreveu à cerimónia no Parlamento. Nas ruas, os sindicatos ensaiaram uma rara aproximação. Ao caminharem lado a lado no desfile comemorativo realizado em Lisboa, os líderes da CGTP e da UGT, Arménio Carlos e Carlos Silva, deram o primeiro sinal de onde pode nascer o consenso. E, pelo menos aqui, cumpriu-se Abril.

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