sexta-feira, 12 de abril de 2013

SÓ RESTAM VIVOS VIDELA E BUSH




Jorge Rafael Videla, José Alfredo Martínez de Hoz e Margaret Thatcher governaram simultaneamente desde o dia 4 de maio de 1979 até o dia 29 de março de 1981. Os três compartilharam uma época que teve seu apogeu com Ronald Reagan e George Herbert Walker Bush, a dupla que se encarregou de aprofundar a desigualdade nos Estados Unidos e ganhar a última corrida contra a decadente União Soviética. O acaso faz com que Bush una todos os personagens desse tempo. O artigo é de Martín Granovsky.

Martín Granovsky – Página/12 - Carta Maior

Buenos Aires - O mais velho dos três ainda está vivo. Nasceu no dia 2 de agosto de 1925. Tem 87 anos. O do meio nasceu no dia 13 de agosto de 1925 e morreu no último dia 16 de março. Tinha 87 anos. Ela era a mais jovem dos três. Nasceu dois meses depois que o segundo, em 13 de outubro. Também morreu aos 87 anos.

Jorge Rafael Videla, José Alfredo Martínez de Hoz e Margaret Thatcher governaram simultaneamente desde o dia 4 de maio de 1979 até o dia 29 de março de 1981. A primeira é a data em que Thatcher entrou na Downing Street 10 (a residência oficial do governo britânico) para começar seu trabalho como primeira ministra. A última data marca o momento em que Videla, e com ele Martínez de Hoz, deixaram a casa Rosada e o Ministério de Economia. Videla havia assumido o poder com o golpe de 24 de março de 1976. Alguns dias depois, em 29 de março, a Junta Militar, também integrada por Emilio Eduardo Massera (Marinha) e Orlando Ramón Agosti (Aeronáutica), indicou Martínzes de Hoz como ministro.

Os três compartilharam uma época que teve seu apogeu com Ronald Reagan e George Herbert Walker Bush (o pai de George W.), a dupla que se encarregou de aprofundar a desigualdade nos Estados Unidos e ganhar a última corrida contra a decadente União Soviética, entre 1981 e 1983. A URSS se desagregou em 1991, durante a presidência de Bush, que havia sido vice-presidente de Reagan. Ainda vive. Nasceu no dia 12 de junho de 1924 e tem 88 anos. O acaso faz com que Bush una todos os personagens desse tempo. 

Membro da elite política, financeira e petroleira dos Estados Unidos, com o republicano Gerald Ford como presidente foi diretor da CIA, a Agência Central de Inteligência, entre janeiro de 1976 e janeiro de 1977. Antes havia sido o encarregado do escritório que deu início à aproximação com a República Popular da China, por decisão do presidente Richard Nixon e seu braço direito para a política externa, Henry Kissinger. Bush pai pertence à geração de políticos norteamericanos forjados não somente na Guerra Fria, mas também na Segunda Guerra Mundial, no seu caso como um jovem piloto da aviação naval condecorado por 58 missões.

O grande giro dos Estados Unidos começou a ocorrer com Nixon, presidente entre 1969 e 1973 e depois outra vez presidente, ainda que pela metade. Não completou seu segundo mandato pelo escândalo de Watergate, quando os jornalistas do The Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein descobriram a espionagem dos serviços de inteligência contra o Partido Democrata.

Além de reconhecer a China surgida na revolução de 1949, Nixon firmou a paz no Vietnã e oficializou o fim de uma guerra vencida pelo Vietnã do Norte, pelos guerrilheiros do Vietnã do Sul e pelo movimento pacifista norteamericano, fortalecido pelo espírito libertário nascido na década de 60 e pelas centenas de milhares de cadáveres de jovens recrutas, que se tornaram uma carga social intolerável.

Nixon, Ford, Kissinger, Reagan e Bush fazem parte da casta que se propôs, e conseguiu, redesenhar seu país sem concessões a políticas populares como as de Franklin Delano Roosevelt nos anos 30, sufocar toda tentativa de mudança na América Latina e ganhar a corrida armamentista da outra superpotência com base em Moscou. A corrida armamentista e a corrida somente.

Thatcher integrou esse jogo em nível internacional tanto como os dirigentes nortemaericanos ou como João Paulo II, que inaugurou seu papado em 1978. Com suas práticas e ideias procurou desmontar o máximo possível a construção trabalhista do pós-guerra. Hugo Young, que escreveu o livro “Margaret Thatcher. La mujer de hierro”, destaca duas expressões da líder conservadora que morreu ontem.

Uma: “É impossível atender as pessoas necessitadas da sociedade a menos que alguém acumule riqueza suficiente para fazer isso”.

Outra: “Não devemos pretender que o Estado apareça na forma de uma extravagante fada madrinha em todos os batismos, um acompanhante loquaz em cada etapa da viagem da vida, o parente de cada funeral”.

Reduziu o imposto para a parcela dos mais ricos de 83% para 60%. Duplicou o imposto sobre o valor agregado (consumo). Destruiu as conquistas dos mineiros do carvão, a tal ponto que ontem David Hopper, secretário geral da Associação de Mineiros de Durham, festejou seu aniversário de 70 anos agradecendo estar vivo para celebrar “um grande dia”. “Não sinto nenhuma tristeza”, disse o sindicalista. “Thatcher destruiu nossa comunidade, nossos povos e nossa gente”. A primeira-ministra derrotou os mineiros após uma longa luta que iniciou com uma faísca: em março de 1984, o diretor da estatal Empresa Nacional do Carvão para South Yorkshire, George Hayes, informou aos sindicalistas que a mina de Cortortwood não seria fechado em cinco anos, mas sim em cinco semanas. Tudo para reduzir custos.

No diário conservador The Times, o jornalista George Osborne escreveu que Thatcher restaurou o otimismo no Reino Unido. Uma das formas dessa restauração, junto ao combate contra o igualitarismo, contra o Estado forte e contra o poder de negociação sindical, foi a decisão de enviar a força punitiva às ilhas Malvinas após o desembarque ordenado pela Junta Militar, em 2 de abril de 1982.

Já não estavam no governo Videla nem Martínez de Hoz, mas sim Leopoldo Galtieri e Roberto Alemann. Os primeiros tinham protagonizado uma batalha por um ideal que Mariano Grondona chamava em sua revista “Carta Política” de “Extremo Ocidente”. Se o Ocidente era liderado então por Jimmy Carter, o democrata que governo os EUA entre 1977 e 1981, antes de Reagan, e protestou pelos direitos humanos na Argentina, então a Argentina devia ser o Extremo Ocidente. Videla e Martínez de Hoz chegaram a pactuar com a União Soviética o apoio doméstico e internacional à ditadura. Seu compromisso foi firme: em 1980 ambos cruzados da guerra suja não acompanharam Carter no boicote de cereais a URSS e fizeram com que fracassasse. Com Reagan, supunham os novos cruzados, que colaboraram no extermínio de toda forma de rebeldia na América Central, Ocidente e Extremo Ocidente, regressavam às mesmas fontes. Era certo, mas não calcularam que no mercado das alianças a presença de torturadores argentinos na América Central não era suficiente para conseguir o apoio de Washington a Buenos Aires contra Londres.

Ao contrário do que ocorreu nos vizinhos Chile e Brasil, na Argentina a transição democrática teve um componente nacional próprio: as Forças Armadas tinham sido derrotadas militarmente enquanto estavam no exercício do poder.

Só com muito cinismo poderia se dizer que Thatcher, sócia da ditadura e, sobretudo, de seus inspiradores globais, é a mãe da democracia argentina, e não a sua causa decisiva. Mas ninguém pode discutir que, como objetivo não buscado, mas real, a derrota militar na guerra de 1982 foi uma das parteiras da dissolução da tirania argentina. Dali em diante, como ocorreu em 1989, o thatcherismo seria possível exclusivamente com a combinação de crise profunda, desarticulação, medo e votos. Foi assim que os neoconservadores argentinos liderados por Carlos Menem cumpriram com uma das máximas preferidas de Thatcher: “Não há sociedades, só indivíduos”.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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