terça-feira, 23 de abril de 2013

UE Austeridade: O QUE ESTÁ A FAZER, SENHOR OLLIE REHN?




EL PAÍS, MADRID – Presseurop – imagem AFP

Disciplina e cortes orçamentais: o remédio prescrito para a zona euro desde o início da crise já não reúne a unanimidade, inclusive entre aqueles que o aplicam. Infelizmente, os eleitores não podem decidir este debate entre os responsáveis não eleitos, o primeiro dos quais é o comissário europeu para os Assuntos Orçamentais.


Perplexidade. É o que gera a discórdia acerca da austeridade, entre a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O debate é tão fortemente técnico como profundamente político. No essencial, trata-se de calcular quanto se reduz o PIB de um país por cada ponto percentual da redução da carga fiscal. Pode parecer um tanto complicado mas não é muito: em função do valor designado como “multiplicador orçamental”, os cortes podem salvar uma economia ou afundá-la.

Os blogues nacionais e internacionais nos quais os economistas debatem estes assuntos fervilham de análises e contra-análises que defendem ou atacam as políticas de austeridade que a UE está a seguir. O problema não reside apenas no facto de a discussão que mantêm em torno dos multiplicadores orçamentais ter atingido um grau elevadíssimo de complexidade. A questão é que, embora as receitas e os trabalhos destes economistas tenham, no papel, uma apresentação perfeita, com gráficos, quadros, estudos de caso e fórmulas estatísticas, aquilo que se vê, quando se observa mais de perto, é um debate extremamente cáustico, ao qual se acrescentam muitas vezes fortes acusações de incompetência, manipulação de dados ou desvios ideológicos.

Política de Bruxelas é a mais adequada?

O que se pode extrair dessa discussão? Na melhor das hipóteses, ou seja, supondo que todos os peritos agem de boa fé e tendo em conta as limitações da ciência económica, que não é uma ciência natural como a física ou a química, podemos concluir que existe uma dúvida mais do que razoável sobre se a política que está a ser imposta por Bruxelas (Comissão, Eurogrupo e Banco Central), será a mais adequada. A única coisa quanto à qual temos 100% de certeza é que não sabemos o suficiente e, por conseguinte, que ninguém pode garantir a 100% que tem razão. Não é muito, mas basta para se começar a articular o debate público sobre uma receita que mais parece um dogma ou verdade revelada do que uma política pública.

À confusão e à desconfiança, há portanto a acrescentar a perplexidade que causa ver que as instituições que integram a chamada troika, a Comissão e o FMI, se permitem discordar publicamente e de forma recorrente acerca das políticas de austeridade. A ideia de criar organizações como estas e de colocar à frente delas autoridades não eleitas democraticamente é que os seus vastos conhecimentos técnicos sobre como fazer crescer uma economia e criar emprego as legitimem para governar sem o consentimento popular e sem poderem ser destituídas em eleições periódicas. Ao aceitarmos o princípio de que algumas políticas não podem ser submetidas a votação, damos um grande passo atrás em matéria de democracia, pois a democracia consiste precisamente em podermos afastar os maus governantes que aplicam más políticas. Se o fazemos é porque, em troca da perda de legitimidade e de representatividade, se verifica um ganho de eficácia.

“Tudo para o povo, mas sem o povo”

Lembram-se do “tudo para o povo, mas sem o povo” do despotismo iluminado? Eis pois ao que chegámos, na atual situação europeia: do despotismo iluminado, ficámos com o despotismo, mas não com a iluminação. Quer dizer, ficámos com um despotismo incompetente tecnicamente, que não podemos afrontar, nem com sisudas análises económicas, nem com um controlo político eleitoral ou parlamentar. O expoente máximo de tudo isso é o Comissário Rehn, o finlandês responsável pelas recomendações (muitas delas vinculativas) que os seus serviços acabam de fazer a Espanha, entre as quais se destacam a recomendação de aumentar o IVA e de tornar os despedimentos ainda mais baratos.

Rehn não é exatamente um técnico e, sim, um político no ativo (deputado e vice-presidente do Partido do Centro finlandês entre 1988 e 1994, depois eurodeputado inscrito no partido liberal democrático, ALDE, entre 1995 e 1998). O Comissário tem um doutoramento em ciências políticas pela Universidade de Oxford, o que é muito louvável, mas não possui mais certezas estatísticas ou empíricas sobre os multiplicadores orçamentais do que o leitor ou eu. Ainda assim, o futuro de um país (Espanha), onde o desemprego afeta seis milhões e ameaça chegar aos 27%, está nas suas mãos. Errar na escolha da política económica é um luxo que não nos podemos permitir. Se o fizermos, vamos dizer à geração seguinte que o fizemos involuntariamente ou que não tivemos a coragem de fazer as perguntas adequadas?

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