Rui Lamarques –
Verdade (mz), editorial
Há qualquer coisa
que não bate certo com o processo eleitoral. Não sei se a responsabilidade é do
STAE ou da CNE. Mas é praticamente impossível, para o pessoal da imprensa,
trabalhar nos municípios fora da capital do país, sobretudo naqueles onde a informação
nunca colocou os pés.
Em Chókwè - o que
não é o caso de ausência de informação - não me deixaram trabalhar porque devia
apresentar uma credencial do STAE para interpelar cidadãos e os brigadistas. O
Tobias, o responsável em Chókwè pelo recenseamento disse-me, na cara, que
ninguém me daria informação alguma sem um documento do STAE ou da CNE.
"Alguém já te veio fotografar na tua casa sem te pedir autorização",
disse-me o Tobias sentado no conforto da sua certeza inabalável.
A minha explicação
sobre o espaço público e privado não fez o meu interlocutor abrir um milímetro
no escudo das suas convicções. "Eu fui formado e a lei diz que o senhor
tem de ter uma autorização para trabalhar nas brigadas".
Falei-lhe da lei de
imprensa, mas o homem mandou-me dar uma curva. Insatisfeito dirigi-me ao STAE
local onde pedi para falar com o responsável. Para o meu espanto levaram-me a
uma sala onde fui recebido pelo Tobias. Nessa altura já tinha pedido ao Victor
Bulande, chefe de redacção, para enviar-me a lei eleitoral. Falei também com o
Adérito Caldeira que me disse que não precisava de nenhum documento para o
efeito. A única coisa que podia apresentar aos homens era a credencial que
atestava o órgão que eu sirvo. Mas isso foi pouco em Chókwè.
Voltando, portanto,
ao encontro com o Tobias as coisas ficaram mais nítidas para mim. Há um
problema de comunicação entre o STAE central e as bases. O que dizem que ao
Tobias, na qualidade de líder de um processo de recenseamento em Chókwè, é
exactamente o que ele faz. O Tobias não se desvia nem um milímetro do que os
que dão ordens dizem que deve ser feito. Eu confirmei isso quando o homem ligou
para um superior e este disse-lhe que eu não podia trabalhar sem credencial
passada pelo STAE ou CNE. No entanto, os meus colegas em Maputo informaram-me
que não e que o STAE ou CNE ou ambos dizem que não preciso de nada.
Em Chibuto não foi
possível trabalhar pelo mesmo motivo, sem contar que os homens da PRM exibem
armas e músculos. Ou apresenta a credencial ou será detido. Não é difícil
deixar-se convencer pela retórica de um indivíduo que usa uma arma como último
argumento. Ainda assim e porque a tecnologia permite ludibriar consegui fazer
imagens e alguns vídeos.
No entanto, com a
relutância encontrada em Chókwè e Chibuto deu para começar a ter uma ideia do
quão nefasta a desinformação pode ser para um processo que se pretende justo,
livre e transparente.
Em Manjakaze, um
município sem nenhuma estrada asfaltada a situação não poderia ser pior. Aliás,
foi neste município onde cimentei, se me permitem, a certeza de que ou a
formação foi incompetentemente conduzida ou o STAE e a CNE pretendem obstruir o
trabalho da imprensa. Depois de fotografar um posto de recenseamento em
Manjakaze fui passar umas seis horas de tempo no comando local.
Dois agentes vieram
ter comigo e pediram-me os documentos que me autorizavam a trabalhar no
processo. Mostrei o meu crachá de serviço. "Vamos ao comando". No
comando deixaram-me uma hora numa espécie de sala espera. Os meus telefones
estavam na posse dos agentes e o IPAD na pensão. Portanto, estava sem meios
para reportar o sucedido, mas também não tinha interesse de tornar a situação
pública e alarmar os que me querem bem.
Uma hora depois
devolveram-me os bens e iniciaram o interrogatório. "Ouvimos que o senhor
fotografou o processo de recenseamento sem autorização." Disse-lhes que
mostrei o meu cartão de serviço aos brigadistas e expliquei que pretendia falar
com as pessoas que se iam recensear e registar imagens do processo. Portanto, o
que diziam não constituía de forma alguma a verdade. "Mas o senhor tem
alguma autorização do STAE ou da CNE?" Não me vou alongar, mas
informei-lhes que não era necessária. Saíram provavelmente para concertar e
deixaram-me mais meia hora sozinho.
Sozinho não,
deixaram-me com os meus telefones e aproveitei para ver as actualizações do
facebook e do Twitter. Em nenhum momento manifestei medo ou preocupação pelo
que estava a acontecer. Enquanto esperava pelo regresso dos agentes senti pena
do cidadão que há no polícia.
O homem que veste a
farda é vítima de uma situação causada por outros. Ele carrega a culpa que
devia ser imputada ao STAE e a CNE e, em última análise, ao país que somos
(cidadãos e instituições). Essas duas instituições não podem dizer uma coisa
aos polícias e outra totalmente diferente à opinião pública.
A imagem que fica é
de uma polícia que estorva o trabalho da imprensa, mas uma leitura mais
profunda a natureza desse impedimento mostra que a polícia, tal como Tobias em
Chókwè, é mal informada e formada. Ela, a polícia, é vítima desse processo de
estupidificação e formatação do homem que há na farda. Apesar de tudo foi
interessante perder um dia de trabalho no cemitério de homens que é uma
esquadra de polícia.
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