domingo, 9 de junho de 2013

Angola - Sobre o conceito de “Manifestações não autorizadas”: ignorância ou arrogância?

 

Marcolino Moco* – À Mesa do Café
 
É raro o dia em que me ponho na estrada e não vejo condutores de veículos automóveis a ralhar desalmadamente com peões que, no seu direito, atravessam as ruas pelas respectivas passadeiras. E a pergunta que sempre me vem a cabeça é: esta gente é ignorante, porque não sabe que esse é um direito que cabe aos peões ou é pura arrogância de quem se acha privilegiado por se encontrar dentro de uma viatura capaz de destruir a vida de um peão “num minuto”?
 
É o que se passa com a persistente tentativa de introduzir o conceito de “manifestações não autorizadas” no léxico da nossa ordem jurídico-constitucional formal, em que não se encontra. Sem delongas, vale a pena transcrever aqui na íntegra (e sublinhar o aspecto pertinente) o que diz a Constituição vigente sobre a liberdade de manifestação:
 
Artigo 47º
 
1.É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de autorização e nos termos da lei.
 
2.As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para efeitos estabelecidos por lei.
 
Tão claro como isso e todos sabemos – pelo menos os juristas o sabem – que nenhuma lei ou atitude deveria contrariar este dispositivo.
 
Por isso, ignorância ou arrogância?
 
Provavelmente nesta altura já não é nem uma coisa nem outra. Trata-se pura e simplesmente já de algum desespero que sempre leva algum matiz de arrogância.
 
Que se saiba, os jovens ditos “revus”, sempre cumpriram com os ditames da Constituição e da lei. Mas, são duramente reprimidos como aconteceu, mais uma vez, neste 27 de Maio, pela causa mais do que justa de pedirem explicações por dois jovens desaparecidos, desde o 27 de Maio do ano passado. E os nossos meios de comunicação são orientados a falar em mais uma “manifestação não autorizada”. Um conceito inexistente.
 
Pois, como o desespero quase sempre se associa a alguma arrogância, lá vimos que na mesma altura é organizada uma outra manifestação – esta sim, desautorizada pela ética e moral positivada no âmbito das associações desportivas – a favor de Sª Exª o Senhor Presidente da República, por ter “autorizado” a realização do Campeonato do Mundo de Hóquei-em Patins, em Angola. Ainda merecemos isso!?
 
É este mesmo aparente desespero que se vê quando se observa o nervosismo com que se encara a não passagem de Obama por Angola, em mais um périplo por África. Vê-se que o homem decididamente não está disposto a patrocinar regimes que não se renovam, no continente da sua paterna origem, diferentemente da senhora Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que veio prestar aqui uma vénia a um regime que arrogantemente expulsou o seu próprio Desk-Office.
 
É, também aparentemente, este mesmo desespero que, para desviar as atenções, leva o Chefe do Executivo a repreender publicamente o por si próprio nomeado Governador do Bengo, e com o aplauso de meios de comunicação certamente orientados para o efeito. Uma prática inaudita em países sãos, em que desencadearia uma autodestruição do próprio governo. Até porque as verbas para a realização de projectos só agora vão ser libertadas e entregues a uma entidade ad hoc, que não o próprio governo local, do Dr. João Miranda. Bem se vê que os que esperam pelo estabelecimento de um poder autárquico sério em Angola, rebus sic stantibus, terão muito que esperar.
 
Perante certa situação de tensão que se vive hoje no país, para a qual não faltaram chamadas de atenção atempada, melhor seria evitar-se todo este “esforço de Sísifo”, com o sacrifício de inocentes, e olhar-se para as propostas sensatas que continuam a ser feitas, na base das lições da História, embora já com alguma incompreensão por parte de franjas que se vão radicalizando.
 
O 27 de Maio não se apagará com novos 27 de Maio, iludidos com anódinos comunicados do Bureau Político de um partido no poder impedido de pensar de acordo com a realidade. A não ser que se esteja a laborar deliberadamente sob o lema insensato: desestabilizar para melhor reinar.
 
Luanda, 31 de Maio de 2013 (www.marcolinomoco.com)
 
*Marcolino Moco foi primeiro-ministro de Angola de Dezembro de 1992 a Junho de 1996
 

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