Vivemos dias em que muitos se divertem a insistir que o único assunto que importa nas nossas vidas é sofrer a alegada angústia do senhor Luís Montenegro. Abram os olhos. Está na altura de não nos deixarmos influenciar por gente que tem o fascínio da manipulação.
Rui Pedro Moreira, opinião | Esquerda.net
Há uns personagens que nos tomam a todos por parvos, com Mr Charles Coins à cabeça, que tanto põe a brigada da CML a apagar os vestígios dos sem-abrigo durante a madrugada, despejando-os em lugares sem condições, como trata todos por tu esses lisboetas que têm a sorte de ter um Presidente Unicórnio, tão próximo - mas tão próximo - que até Chefes de Gabinete desempenham outras funções para vistoriar obras comuns sem necessidade aparente. Sim, que luxo. A proximidade, esse mantra divino que todos nós procuramos. É o simplex levado ao extremo. Todo e qualquer lisboeta será ingrato se não reconhecer a sorte de ter BetterCoins nos comandos. Valha-nos Nossa Senhora das Grandezas, que temos a sorte de viver estes tempos.
O prémio de “tirem-me deste filme” vai para a mui digna académica Maria do Rosário Palma Ramalho, cujos quatro nomes não só lhe garantem soberba sobre qualquer um possuído por irrefletidos espasmos de solidariedade, como superioridade intelectual sobre o comum dos mortais. A futura ex-ministra que governa a pasta, que inclui Solidariedade no nome, disse, e cito, que o problema da habitação “não é da competência do Governo” e é provável que esteja certa. Faltou-lhe acrescentar, “deste Governo”, que se está nas tintas, nem se solidariza assim tanto com gente pobre, que anda às portas dos supermercados a pedir comida para alimentar os filhos e que querem casa para morar. A Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social esqueceu o título da pasta que assumiu e chutou para canto as suas responsabilidades, empurrando para terceiros as competências que o seu Ministério tem, por decreto. Mas a Ministra terá razão, tem mais que fazer que tratar de minudências: para quê uma casa se depois demoram duas horas a chegar ao trabalho para ganhar o salário mínimo? Não é melhor ficarem a dormir no escritório do patrão que lhes oferece uma caminha quente, uma “hot bed”, lá no refeitório? Porque é que em vez de pedir comida não vão entregar “a” comida? Vão ali para aquelas empresas giríssimas, com nomes ingleses super giros, que oferecem horários de trabalho super flexíveis e condições de trabalho super agradáveis, que depois até se podem auto-intitular de empresários ou, melhor ainda, empreendedores, e começar a falar em Muskelês, ter cartões de visita a dizer CEO e tudo. Quem é amiga, quem é?
Margarida Belasco já é um clássico da impreparação, qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento político percebe que uma teórica/técnica, não é/será a melhor pessoa para o cargo, só porque sim. Se não tem estofo para lidar com a pressão do cargo, rejeite. Será apenas para fazer o telefonema à família e dizer “pai, sou ministra!”? É tudo muito fraquinho, menor, é sofrível o nível de alguns dos intérpretes, como esta, que foi a melhor escolha para a Administração Interna, defendia Marques Mendes - o puro, o neutro, o independente, o equidistante - no início do mandato. A futura ex-Ministra trocou-se toda, tropeçou na língua materna e tratou-a “abaixo de cão”. Na tentativa de fazer um elogio público aos e às profissionais da protecção civil, a expressão que lhe saiu foi “ligeireza comovente”. Eu abri a boca de espanto, confesso, mas também senti um misto de vergonha alheia: como é que alguém tão impreparada tem tantas responsabilidades?
A cereja no topo do bolo vai para o honorável Pedro Reis, futuro ex-ministro da Economia, que é adepto da máxima do “eu gosto muito disto, que consigo dizer coisas giras que parecem inteligentes”. Concentremo-nos na sessão que aconteceu na Caramulo Experience Center que, só pelo nome, devia receber a maior fatia do PRR na rubrica “nomes com ganda sainete a armar ao pingarelho”. O homem teve a coragem de dizer (sim, é conveniente ser-se Ministro da Economia para afirmar determinadas expressões) que “eu acho mesmo que quem sabe são as empresas. Em quem temos de nos focar é nos investidores. Quem temos de atrair são os investidores. Se fizermos isto, conseguimos tudo”. Disse esta frase sem “piscar o olho”, no mesmo painel onde estava Marco Galinha. Como diz o outro, isto anda tudo ligado. Gostava que o tivesse feito - o “piscar o olho” - porque as imagens valeriam mais que mil palavras. E - é só um suponhamos - talvez adivinhemos, num hercúleo exercício de adivinhação, onde vai trabalhar a seguir.
A sessão onde tudo isto foi dito tinha o pomposo nome de “Criar Valor no Interior”. Leiam outra vez: criar valor no interior. Ora, interior faz-me lembrar a empresa Zenaide, em Penafiel, uma têxtil que despediu 86 mulheres. Mulheres trabalhadoras que, só por distração e preconceito, ainda não terão ouvido Pedro Reis louvar os investidores “seus amigos”, sendo que as tais despedidas foram-no dois dias antes deste notável homem engrandecer os investidores. Não terão percebido bem a piada. Era uma piada, não era?
Pedro Reis é o clássico do porteiro que quando acabar a sua “carreira” neste Governo da AD irá ter um prémio chorudo num qualquer Conselho de Administração. Reparem: “é bom criar riqueza. É da riqueza que nasce a justiça social. É esse o caminho do crescimento sustentável. E o Estado está cá para fazer acontecer a agenda das empresas”. Está visto, está lançado, é garantido. Este tal “clássico” já terá proferido palavras semelhantes quando foi Presidente da AICEP, ou em qualquer um dos altos cargos que exerceu no BCP, no banco do Fomento ou na Cruz Vermelha. É um gestor e consultor de sucesso, a quem desejo as melhores saídinhas, perdão, saudinhas.
O fascínio pelo “investimento estrangeiro” tem um código, uma cor, um cheiro: dinheiro! Não há escrúpulos, direitos, decência, regras que sejam invioláveis: para um “mal maior”, tudo vale. Até conheço, de perto, um caso que deu brado. Um buraco financeiro abriu portas ao tal “capital estrangeiro” e depois foi o início do fim dessa ex-empresa portuguesa, de renome, com um ataque sem fim às contas e ao património, ao seu prestígio, a um emagrecimento para menos de metade do número de trabalhadores, a perda de direitos e benefícios, ao congelamento das carreiras, à perda de poder de compra da maioria dos funcionários, ao desrespeito pelas instituições, tudo por detrás do manto do tal “investidor” com a cobertura política de quem fez de “facilitador”. Na altura - e no caso, foi Sérgio Monteiro, secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações entre 2011 e 2015, no Governo de Pedro Passos Coelho, que à data de hoje detém um fundo de investimento, Horizon Equity Partners, que fez negócios, à posteriori, com a tal empresa, num movimento que tem tanto de promíscuo como de indecente - mas ninguém, no “mundo laranja”, se importou.
Na verdade, isto é o relato de três ex-futuros ministros (com um extra) em apenas uma semana de atividade. Uma em cinquenta e duas. Só numa semana, foi o espectáculo destes “seres espaciais”. Com todos estes “influencers” da “rota da laranja” que vendem o seu produto como se o amanhã não (lhes/nos) importa, não há dúvidas que vamos todos votar no PSD, certo? Claro que vamos!
Está na altura de não nos deixarmos influenciar por gente que tem um gosto especial para nos manipular, convencidos que estaremos a sofrer de um apagão colectivo e que vivemos uma fase de estagnação cognitiva. Há mais mundo e prioridades - lá iremos - mas convém situar quem são e o que temos à nossa frente,” que “mandam nisto tudo”, por enquanto.
Nota: o lead deste artigo foi alterado no dia 28 de março de 2025 às 19h20.
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