sexta-feira, 14 de junho de 2013

USA: O NOVO TERCEIRO MUNDO OU O LEVIATÃ CORPORATIVO

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - Em 1938 Franklin Delano Roosevelt definiu o fascismo como sendo o controlo do governo pelas grandes corporações. Considerava, Roosevelt, que os USA estavam imunes a esse mal, em virtude da legislação anti-monopólios e devido á grande capacidade de resposta do sistema judicial e da permanente vigilância do Congresso e do Senado. Enganou-se o presidente Roosevelt. Apesar de definir correctamente o fascismo, não anteviu as ofensivas dos grandes negócios sobre o Estado e as instituições legislativas e judiciais.
 
No início deste ano, um grupo de trabalhadores das empresas de “fast food”, a nível nacional fizeram greve por um dia e reivindicaram um salário de 15 USD por hora, contra os 7,25 USD por hora, que recebiam. Outra revindicação destes trabalhadores foi o direito a formarem um sindicato. A greve de 24 horas afectou sete grandes cidades: Seattle, Milwaukee, Washington, D.C., Detroit, St. Louis, Chicago e New York.
 
O “fast food” é uma das indústrias de mais rápido crescimento, cujos lucros rondaram os 200 mil milhões de USD em 2012. No entanto os trabalhadores deste sector ganham menos, hoje, do que em 1968, mesmo com o ajuste da inflação e trabalham em regime de subemprego, nas mais perigosas situações e horários, E nesta situação, vivem mais de 13 milhões de trabalhadores, nos USA, nos mais diversos sectores de actividade.
 
Em Fevereiro do ano passado, o presidente Obama, num discurso no Congresso, referiu a intenção da sua administração em estabelecer um salário mínimo nacional, em 9 USD, por hora, automaticamente ajustáveis á taxa de inflação. Depois disso os trabalhadores norte-americanos não tornaram a ouvir mais uma palavra sobre o assunto, limitando-se a ler, nas notícias, os prémios dos presidentes dos Conselhos de Administração de empresas como a McDonalds, a Burger King e a Wal-Mart, que rondam os 10 a 20 milhões de USD por ano.
 
O problema da sociedade norte-americana é que as grandes corporações congelaram a Constituição e tomaram conta, literalmente, do aparelho de Estado norte-americano. E quando isso acontece, o fascismo bate á porta. A sociedade norte-americana aproxima-se, desde á décadas, dos níveis sociais das sociedades terceiro-mundistas e politicamente não se torna muito diferente dos regimes africanos, ou latino-americanos.
 
Esta fraqueza do Estado, a inercia das Instituições, a ausência de políticas sociais, são males conhecidos pelas sociedades africanas, que sabem muito bem o que isso gerou; regimes corruptos, neocolonialistas, como os de Mobutu, Boigny e Senghor, regimes que conduziram as nações africanas ao genocídio, como os de Bokassa e outros, regimes racistas e xenófobos, que em nada se distinguiram do apartheid, como os do fascista zimbabueano, Robert Mugabe, vergonha dos povos africanos, vitimas de seculos de escravatura e do genocídio, que vêm hoje as prácticas racistas e colonialistas serem transplantadas para o seu continente através de um bando fascistoide, uma escumalha de ladrões de gado, que eliminaram os combatentes zimbabueanos utilizando os ardis do gangsterismo, liderado por um escarro moral que mancha a marca humanista da dignidade africana. 
 
 E a degradação da sociedade norte-americana empurra os USA para esses níveis. Vejamos um exemplo: Um relatório do Senado norte-americano acusa a Apple de um esquema de fuga ao fisco e de exportação ilegal de capitais, através de uma rede de sucursais, em todos os continentes e mesmo em países onde não têm um único empregado. Mas o Congresso nada mais fez, para além do relatório e a Apple continua as suas operações, enquanto beneficia de subsídios para investigação e desenvolvimento de projectos tecnológicos. Não paga o que deve, fugindo às obrigações fiscais, cria uma teia de mentiras e de vigarices e ainda recebe dinheiro dos contribuintes, sem que o Estado norte-americano consiga fazer nada a não ser produzir um relatório.
 
Situações destas ocorrem não só com a Apple, como também com a Microsoft, a CISCO e a INTEL. Isto num país onde, segundo a  Harvard Medical School, oitocentos cidadãos morrem por dia, por não terem dinheiro para pagar consultas médicas ou fazer tratamentos. Ou seja morrem 45 mil norte-americanos por ano, por não terem dinheiro para medicamentos e tratamentos, enquanto o Estado norte-americano limita-se a comentar as vigarices das grandes corporações, que roubam milhões de milhões de USD por ano aos contribuintes.
 
II - Associados á decrepitude social e á fraqueza institucional, estão as acções militares secretas, do Pentágono da CIA e da NSA em África e na Ásia Ocidental - que violam as respectivas leis nacionais, as leis internacionais, os Direitos Humanos e a própria Constituição norte-americana (muitas voltas nas campas devem dar os pais fundadores, com a militarização dos USA e com a tomada do poder por parte das corporações) – as torturas, as detenções ilegais e Guntánamo.
 
O 11 de Setembro provocou uma psicose de terror e as corporações souberam aproveitar bem o momento. Os funcionários das corporações minaram o aparelho de Estado, ao entrarem no serviço publico. Gente politicamente impreparada e com os tiques habituais dos funcionários das multinacionais (preguiçosos mentais, pouco inteligentes, bajuladores e hipócritas) sem uma cultura de direitos, apressaram-se a fazer rapidamente os favores mais descarados aos seus amos e senhores (vulgo patrões). O resultado foram as aberrações como o Acto Patriótico, as tecnologias de segurança, violadoras da privacidade, o atropelo das liberdades individuais (próprio das manadas de carneiros e ovelhas, a melhor figura para identificar essa gentalha, que apenas conhece o conceito gregário, mas desconhece a existência e o valor do Individuo) e de todos os elementos, figuras e objecções, que os pais fundadores colocaram na Constituição, como instrumento de regulação dos direitos, liberdades, garantias e obrigações.
 
Rompido o contrato social, a sociedade norte-americana caminha rumo á militarização e ao fascismo. Por muito boa vontade que Obama, os congressistas mais progressistas e os senadores de bom senso, demonstrem, é evidente a incapacidade em combater a deriva para a decadência.
 
O absurdo que domina o sistema norte-americano é soberbamente exemplificado numa decisão do Tribunal Supremo, que determinou a seguinte medida (que faria as delicias dos responsáveis nazis em Auschwitz): qualquer cidadão detido, que aguarde julgamento (portanto ainda na situação de presunção de inocência) deve ser submetido á extração forçada de uma amostra de ADN, que depois alimentará um banco de ADN, para mapear as origens dos cidadãos. Este é um absurdo, que se não fosse um grave atentado aos direitos mais elementares da pessoa humana, seria motivo de uma gargalhada trágica. 
 
Se a isto juntarmos as crendices anti-evolucionistas, que os cristãos fundamentalistas pretendem implementar a nível nacional no sistema de ensino, a ingerência e a mistura exacerbada e anticonstitucional, entre o Estado e a religião e outros milhares de atropelos aos Direitos Humanos mais elementares, deparamos com a imagem de um totalitarismo degradante e corrosivo.
 
III - O panorama da comunicação social norte-americana não é menos degradante, do que o dos outros sectores. A comunicação social foi o primeiro alvo das corporações, não só por ser um bom negócio, mas também pelo universo que representa. Actualmente a comunicação social, a nível global, (mas a partir do exemplo dos USA) funciona como um grande e omnipotente Ministério da Propaganda (e que faz o regime norte-coreano roer-se de inveja). 
 
Os exemplos são mais do que muitos. Os mais recentes serão, por exemplo, em termos de política internacional e utilização da guerra comunicacional como guerra de agressão às soberanias nacionais: a Líbia e a Síria. Os cidadãos são bombardeados com mentiras, acompanhadas por imagens e assistimos diariamente á ilusão e ao fabrico de factos. As imagens, os artigos de opinião, os fazedores de opinião, a mentira no papel, a mentira na radio, a mentira na televisão, a mentira na Internet…
 
O contraste é grande entre a actualidade e o passado recente. Nixon foi afastado por mentir e tentar encobrir a mentira. Clinton teve sérios problemas por mentir, sobre um assunto pessoal, que não dizia respeito á governação (coisa que é um exagero, ninguém tem nada com isso, o homem está ali como governante e não como exemplo moral, até porque a moralidade é muito relativa). Mas Bush filho mentiu, mentiu, mentiu e já não aconteceu nada e a administração Obama segue pela mesma via. Ambas as administrações são culpadas de crimes de guerra e de imensos atropelos às leis internacionais e nacionais.
 
Só que o Ministério da Propaganda, em que se tornou a comunicação social, trata do assunto, de uma forma profissional, bem remunerada e eficiente. Podemos mesmo afirmar que os presidentes norte-americanos do século XXI podem mentir o que quiserem, falsificar dados e informações, que não lhes acontece nada. Os juízes, os funcionários da Justiça, os congressistas, os senadores, os militares, os polícias, a CIA, a NSA, quebram as leis, actuam á margem da lei, mas isso já não importa. O que importa é que ouve um grupo de catorzinhas que andou á porrada nos jardins da universidade, quando tiravam a fotografia da cerimónia de graduação, ou que o Bill Gates estendeu os seus negócios ao sector das sardinhas em lata e foi passar férias na Seychelles, que o Vargas Llosa perdeu o cão enquanto lia a Penthouse, que a fulana e o beltrano estão na lista x, y e z da Forbes e que a piscina do Michael Jackson era abastecida pelos esgotos da mansão, para que ele ficasse mais branco.
 
Essa é a notícia que rende. O resto são ilusões e argumentos mal fabricados. E claro que depois o que vende bem e serve para múltiplos fins, são os atentados de Boston e os tipos que dão tiros á toa, com armas super, que fazem as delícias de qualquer cidadão que não as consegue obter porque não tem problemas psíquicos e nervosos, ou porque tem o cadastro limpo.
 
Neste campo, da comunicação social, os pais fundadores foram ultrapassados. Por Mao, Pol Pot e a família Sung, da Coreia do Norte. Esses são os modelos (não quero ser mauzinho e falar no Goebles)
 
IV - Mas claro que nem tudo é péssimo, nos martirizados, martirizantes e martirizadores USA. Em Jackson, Mississippi, os cidadãos elegeram um conhecido activista e advogado, Chokwe Lumumba, para mayor. Nas últimas quatro décadas Lumumba participou em numerosas campanhas politicas e legais. Como advogado, encontramos na lista dos seus clientes a antiga dirigente dos Black Panther, Assata Shakur, a primeira mulher a ser acusada de terrorismo nos USA, nos anos sessenta, que refugiou-se em Cuba. Como activista politico, Lumumba foi vice-presidente da Republic of New Afrika, um movimento que defendia um governo predominantemente negro no sudoeste dos USA. Foi cofundador da National Black Human Rights Coalition  e do Malcolm X Grassroots Movement. Em 2009 foi eleito para o Conselho da Cidade de Jackson, cidade da qual é agora mayor. 
 
Esta vitória de Chokwe Lumumba, na cidade de Jackson, no estado do Mississippi é surpreendente. Jackson é um centro de opressão racial e de racismo, desde á séculos. Os colonos brancos em 1820, liderados por um tal Andrew Jackson, comissário das terras índias, pressionaram os índios Choctaw, movendo-os para Oklahoma. Depois de negociações intermináveis, os Choctaw, acabaram por assinar o Tratado de Doak´s Stand, pelo qual cederam aos colonos 13 milhões de acres de terra. A cidade que aí nasceu foi então baptizada com o nome de Jackson. Os colonos empregaram mão-de-obra escrava nas fazendas limítrofes da cidade, que tornou-se rapidamente um local de negociação de escravos.
 
Assume por isso especial simbolismo a vitoria de Chokwe Lumumba. Sob o slogan “Uma cidade, um objectivo, um destino”, Lumumba liderou uma plataforma, representada por todos os grupos raciais e étnicos da cidade, formada por negros, brancos, índios, imigrantes caribenhos, sul-americanos, asiáticos e da Oceânia. Maioritariamente formada por trabalhadores e desempregados a plataforma contou com apoios dos sindicatos da região e dos comités cívicos e dos Direitos Humanos. Foi criado um Fórum, denominado “Educar, Motivar, Organizar” que se reúne trimestralmente, onde a população discute os programas de criação de redes de saúde publica, educação publica e comunitária e problemas que se apresentem á cidade.
 
Estamos assim perante um dos melhores momentos do tradicional democratismo norte-americano, raiz da Revolução Americana e do movimento de libertação nacional que conduziu o país á independência.              
                  
V - As trapalhadas externas são uma das causas do Great American Disaster. Na passada semana um tribunal do Cairo, Egipto, condenou 43 homens e mulheres, acusados de utilizarem financiamentos estrangeiros, para fomentar agitação no Egipto, com o julgamento de Hosni Mubarak. 16 dos acusados eram cidadãos norte-americanos, 15 deles foram expulsos do país, por ordem do tribunal, mas um deles, Robert Becker do National Democratic Institute (NDI), tem de cumprir uma pena de dois anos no Egipto, o que deixou os intervencionistas mais acérrimos em estado de histeria colectiva.
 
O senador Pat Leahy vociferou que o veredicto era ofensivo ao povo norte-americano, o Wall Street Journal descobriu que afinal os boys que tiraram o tapete a Mubarak, com a ajuda dos USA, não são muito amistosos e o Washington Post defendeu uma tese estranha sobre nacionalismo barato e teorias da conspiração, concluindo que as leis egípcias eram “repressivas e baseadas numa logica xenófoba”. Todos eles consideraram que os egípcios são uns mal-agradecidos, que não reconhecem a ajuda norte-americana.
 
É sabido que uma série de instituições e organismos “promotores da democracia”, como o National Endowment for Democracy (NED), o International Republican Institute (IRI), o DNI e a Freedom House (FH), participaram nas campanhas de agitação e propaganda na Sérvia, Ucrânia, Geórgia, Uzbequistão e Quirguizistão, falhando na Bielorrússia. E quem dirige estes grupos “pró-democracia”?
 
Antes de 2011, a FH era dirigida pelo ex-director da CIA, Jim Woolsey, que acreditava estar na Quarta Guerra Mundial. O IRI é liderado por John McCain, que apelou e implorou pela intervenção norte-americana, quando a Rússia deu um puxão de orelhas aos dirigentes georgianos e passa o tempo livre a clamar ataques aéreos á Síria. Quanto á presidente do DNI, a ex-Secretária de Estado Madeleine Albright, acredita piamente na indispensabilidade norte-americana no mundo e que os USA prevalecerão quando muitas das nações já tiverem desaparecido.
 
É no mínimo estranho e incompreensível que os USA enviem esta gente para espalhar a confusão em casa alheia. Porque as coisas dentro de casa vão de mal a pior e é natural que os estados não vejam com bons olhos esse tipo de ingerência, por muito liberais que sejam. Já pensaram o que era os cubanos, ou os norte-coreanos, ou o Irão, enviarem os seus institutos e organizações para os USA e andarem a fazer campanhas de agitação e propaganda contra as instituições norte-americanas?
 
Existem alguns momentos menos próprios de uma democracia, na História dos USA, que podem-nos dar uma demonstração aproximada de como os USA reagem a esse tipo de situações. Por exemplo a “caça às bruxas” durante a guerra fria, que arruinou a vida a milhares de pessoas, acusadas de serem comunistas e de pertencerem ao Partido Comunista dos USA, que as autoridades consideravam ser uma organização infiltrada pelos KGB e pelo bigode de Estaline. Ou o que aconteceu a Martin Luther King, quando o FBI e o Procurador-Geral Robert Kennedy, na administração JFK, o inquiriram e interrogaram demoradamente por não ter denunciado um seu colaborador, Stanley Levison, acusado de ser comunista e um espião soviético. Será que nesses momentos trágicos a administração JFK foi “xenófoba e repressiva”, como foi acusada a egípcia? 
 
Mas quantos “democratas globalizados” norte-americanos do DNI, IRI, FH, NED estão no Bahrein a fazer campanha pela maioria Xiita e a ajudá-la a depor um regime corrupto e onde as torturas são uma práctica constante? E onde estão nos regimes despóticos dos Estados do Golfo? E onde estão para acompanhar as vítimas do genocídio provocado pelos militares guatemaltecos, ilibados pelo Supremo Tribunal da Guatemala?
 
O que são os USA hoje? É o deserto do Fim da História e a secura do pensamento único. É o Leviatã das corporações e do militarismo. Poderá ser diferente? Claro que pode. Basta transformar, como estão a fazer os cidadãos de Jackson e o mayor Chokwe Lumumba…e fazer em casa o que apregoam fora de portas.   
 
Fontes
Roberts, Paul Craig and Stratton, Lawrence The Tyranny of Good Intentions. Random House, 2013
Roberts, Paul Craig America’s Greatest Affliction: The Presstitute Media http://www.lewrockwell.com
Whitehead, John W. Maryland v. King and the Total Loss of Our Bodily Integrity http://www.lewrockwell.com
Buchanan, Patrick J. Outside Agitators http://www.lewrockwell.com
 

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