Rui Peralta, Luanda
I - Em 1938
Franklin Delano Roosevelt definiu o fascismo como sendo o controlo do governo
pelas grandes corporações. Considerava, Roosevelt, que os USA estavam imunes a
esse mal, em virtude da legislação anti-monopólios e devido á grande capacidade
de resposta do sistema judicial e da permanente vigilância do Congresso e do
Senado. Enganou-se o presidente Roosevelt. Apesar de definir correctamente o
fascismo, não anteviu as ofensivas dos grandes negócios sobre o Estado e as
instituições legislativas e judiciais.
No início deste
ano, um grupo de trabalhadores das empresas de “fast food”, a nível nacional
fizeram greve por um dia e reivindicaram um salário de 15 USD por hora, contra
os 7,25 USD por hora, que recebiam. Outra revindicação destes trabalhadores foi
o direito a formarem um sindicato. A greve de 24 horas afectou sete grandes
cidades: Seattle, Milwaukee, Washington, D.C., Detroit, St. Louis, Chicago e
New York.
O “fast food” é uma
das indústrias de mais rápido crescimento, cujos lucros rondaram os 200 mil
milhões de USD em 2012. No entanto os trabalhadores deste sector ganham menos,
hoje, do que em 1968, mesmo com o ajuste da inflação e trabalham em regime de
subemprego, nas mais perigosas situações e horários, E nesta situação, vivem
mais de 13 milhões de trabalhadores, nos USA, nos mais diversos sectores de
actividade.
Em Fevereiro do ano
passado, o presidente Obama, num discurso no Congresso, referiu a intenção da
sua administração em estabelecer um salário mínimo nacional, em 9 USD, por
hora, automaticamente ajustáveis á taxa de inflação. Depois disso os
trabalhadores norte-americanos não tornaram a ouvir mais uma palavra sobre o
assunto, limitando-se a ler, nas notícias, os prémios dos presidentes dos
Conselhos de Administração de empresas como a McDonalds, a Burger King e a
Wal-Mart, que rondam os 10 a 20 milhões de USD por ano.
O problema da
sociedade norte-americana é que as grandes corporações congelaram a
Constituição e tomaram conta, literalmente, do aparelho de Estado
norte-americano. E quando isso acontece, o fascismo bate á porta. A sociedade
norte-americana aproxima-se, desde á décadas, dos níveis sociais das sociedades
terceiro-mundistas e politicamente não se torna muito diferente dos regimes
africanos, ou latino-americanos.
Esta fraqueza do
Estado, a inercia das Instituições, a ausência de políticas sociais, são males
conhecidos pelas sociedades africanas, que sabem muito bem o que isso gerou;
regimes corruptos, neocolonialistas, como os de Mobutu, Boigny e Senghor,
regimes que conduziram as nações africanas ao genocídio, como os de Bokassa e
outros, regimes racistas e xenófobos, que em nada se distinguiram do apartheid,
como os do fascista zimbabueano, Robert Mugabe, vergonha dos povos africanos,
vitimas de seculos de escravatura e do genocídio, que vêm hoje as prácticas
racistas e colonialistas serem transplantadas para o seu continente através de
um bando fascistoide, uma escumalha de ladrões de gado, que eliminaram os
combatentes zimbabueanos utilizando os ardis do gangsterismo, liderado por um
escarro moral que mancha a marca humanista da dignidade africana.
E a degradação da sociedade norte-americana
empurra os USA para esses níveis. Vejamos um exemplo: Um relatório do Senado
norte-americano acusa a Apple de um esquema de fuga ao fisco e de exportação
ilegal de capitais, através de uma rede de sucursais, em todos os continentes e
mesmo em países onde não têm um único empregado. Mas o Congresso nada mais fez,
para além do relatório e a Apple continua as suas operações, enquanto beneficia
de subsídios para investigação e desenvolvimento de projectos tecnológicos. Não
paga o que deve, fugindo às obrigações fiscais, cria uma teia de mentiras e de
vigarices e ainda recebe dinheiro dos contribuintes, sem que o Estado
norte-americano consiga fazer nada a não ser produzir um relatório.
Situações destas
ocorrem não só com a Apple, como também com a Microsoft, a CISCO e a INTEL.
Isto num país onde, segundo a Harvard
Medical School, oitocentos cidadãos morrem por dia, por não terem dinheiro para
pagar consultas médicas ou fazer tratamentos. Ou seja morrem 45 mil
norte-americanos por ano, por não terem dinheiro para medicamentos e
tratamentos, enquanto o Estado norte-americano limita-se a comentar as
vigarices das grandes corporações, que roubam milhões de milhões de USD por ano
aos contribuintes.
II - Associados á
decrepitude social e á fraqueza institucional, estão as acções militares
secretas, do Pentágono da CIA e da NSA em África e na Ásia Ocidental - que
violam as respectivas leis nacionais, as leis internacionais, os Direitos
Humanos e a própria Constituição norte-americana (muitas voltas nas campas
devem dar os pais fundadores, com a militarização dos USA e com a tomada do
poder por parte das corporações) – as torturas, as detenções ilegais e
Guntánamo.
O 11 de Setembro
provocou uma psicose de terror e as corporações souberam aproveitar bem o
momento. Os funcionários das corporações minaram o aparelho de Estado, ao
entrarem no serviço publico. Gente politicamente impreparada e com os tiques
habituais dos funcionários das multinacionais (preguiçosos mentais, pouco
inteligentes, bajuladores e hipócritas) sem uma cultura de direitos,
apressaram-se a fazer rapidamente os favores mais descarados aos seus amos e
senhores (vulgo patrões). O resultado foram as aberrações como o Acto
Patriótico, as tecnologias de segurança, violadoras da privacidade, o atropelo
das liberdades individuais (próprio das manadas de carneiros e ovelhas, a
melhor figura para identificar essa gentalha, que apenas conhece o conceito
gregário, mas desconhece a existência e o valor do Individuo) e de todos os
elementos, figuras e objecções, que os pais fundadores colocaram na
Constituição, como instrumento de regulação dos direitos, liberdades, garantias
e obrigações.
Rompido o contrato
social, a sociedade norte-americana caminha rumo á militarização e ao fascismo.
Por muito boa vontade que Obama, os congressistas mais progressistas e os
senadores de bom senso, demonstrem, é evidente a incapacidade em combater a
deriva para a decadência.
O absurdo que
domina o sistema norte-americano é soberbamente exemplificado numa decisão do
Tribunal Supremo, que determinou a seguinte medida (que faria as delicias dos
responsáveis nazis em Auschwitz): qualquer cidadão detido, que aguarde
julgamento (portanto ainda na situação de presunção de inocência) deve ser
submetido á extração forçada de uma amostra de ADN, que depois alimentará um
banco de ADN, para mapear as origens dos cidadãos. Este é um absurdo, que se
não fosse um grave atentado aos direitos mais elementares da pessoa humana,
seria motivo de uma gargalhada trágica.
Se a isto juntarmos
as crendices anti-evolucionistas, que os cristãos fundamentalistas pretendem
implementar a nível nacional no sistema de ensino, a ingerência e a mistura
exacerbada e anticonstitucional, entre o Estado e a religião e outros milhares
de atropelos aos Direitos Humanos mais elementares, deparamos com a imagem de
um totalitarismo degradante e corrosivo.
III - O panorama da
comunicação social norte-americana não é menos degradante, do que o dos outros
sectores. A comunicação social foi o primeiro alvo das corporações, não só por
ser um bom negócio, mas também pelo universo que representa. Actualmente a comunicação
social, a nível global, (mas a partir do exemplo dos USA) funciona como um
grande e omnipotente Ministério da Propaganda (e que faz o regime norte-coreano
roer-se de inveja).
Os exemplos são
mais do que muitos. Os mais recentes serão, por exemplo, em termos de política
internacional e utilização da guerra comunicacional como guerra de agressão às
soberanias nacionais: a Líbia e a Síria. Os cidadãos são bombardeados com
mentiras, acompanhadas por imagens e assistimos diariamente á ilusão e ao fabrico
de factos. As imagens, os artigos de opinião, os fazedores de opinião, a
mentira no papel, a mentira na radio, a mentira na televisão, a mentira na
Internet…
O contraste é
grande entre a actualidade e o passado recente. Nixon foi afastado por mentir e
tentar encobrir a mentira. Clinton teve sérios problemas por mentir, sobre um
assunto pessoal, que não dizia respeito á governação (coisa que é um exagero,
ninguém tem nada com isso, o homem está ali como governante e não como exemplo
moral, até porque a moralidade é muito relativa). Mas Bush filho mentiu,
mentiu, mentiu e já não aconteceu nada e a administração Obama segue pela mesma
via. Ambas as administrações são culpadas de crimes de guerra e de imensos
atropelos às leis internacionais e nacionais.
Só que o Ministério
da Propaganda, em que se tornou a comunicação social, trata do assunto, de uma
forma profissional, bem remunerada e eficiente. Podemos mesmo afirmar que os
presidentes norte-americanos do século XXI podem mentir o que quiserem, falsificar
dados e informações, que não lhes acontece nada. Os juízes, os funcionários da
Justiça, os congressistas, os senadores, os militares, os polícias, a CIA, a
NSA, quebram as leis, actuam á margem da lei, mas isso já não importa. O que
importa é que ouve um grupo de catorzinhas que andou á porrada nos jardins da
universidade, quando tiravam a fotografia da cerimónia de graduação, ou que o
Bill Gates estendeu os seus negócios ao sector das sardinhas em lata e foi
passar férias na Seychelles, que o Vargas Llosa perdeu o cão enquanto lia a
Penthouse, que a fulana e o beltrano estão na lista x, y e z da Forbes e que a
piscina do Michael Jackson era abastecida pelos esgotos da mansão, para que ele
ficasse mais branco.
Essa é a notícia
que rende. O resto são ilusões e argumentos mal fabricados. E claro que depois
o que vende bem e serve para múltiplos fins, são os atentados de Boston e os
tipos que dão tiros á toa, com armas super, que fazem as delícias de qualquer
cidadão que não as consegue obter porque não tem problemas psíquicos e
nervosos, ou porque tem o cadastro limpo.
Neste campo, da
comunicação social, os pais fundadores foram ultrapassados. Por Mao, Pol Pot e
a família Sung, da Coreia do Norte. Esses são os modelos (não quero ser
mauzinho e falar no Goebles)
IV - Mas claro que
nem tudo é péssimo, nos martirizados, martirizantes e martirizadores USA. Em
Jackson, Mississippi, os cidadãos elegeram um conhecido activista e advogado,
Chokwe Lumumba, para mayor. Nas últimas quatro décadas Lumumba participou em
numerosas campanhas politicas e legais. Como advogado, encontramos na lista dos
seus clientes a antiga dirigente dos Black Panther, Assata Shakur, a primeira
mulher a ser acusada de terrorismo nos USA, nos anos sessenta, que refugiou-se
em Cuba. Como activista politico, Lumumba foi vice-presidente da Republic of
New Afrika, um movimento que defendia um governo predominantemente negro no
sudoeste dos USA. Foi cofundador da National Black Human Rights Coalition e do Malcolm X Grassroots Movement. Em 2009
foi eleito para o Conselho da Cidade de Jackson, cidade da qual é agora
mayor.
Esta vitória de
Chokwe Lumumba, na cidade de Jackson, no estado do Mississippi é surpreendente.
Jackson é um centro de opressão racial e de racismo, desde á séculos. Os colonos
brancos em 1820, liderados por um tal Andrew Jackson, comissário das terras
índias, pressionaram os índios Choctaw, movendo-os para Oklahoma. Depois de
negociações intermináveis, os Choctaw, acabaram por assinar o Tratado de Doak´s
Stand, pelo qual cederam aos colonos 13 milhões de acres de terra. A cidade que
aí nasceu foi então baptizada com o nome de Jackson. Os colonos empregaram
mão-de-obra escrava nas fazendas limítrofes da cidade, que tornou-se
rapidamente um local de negociação de escravos.
Assume por isso
especial simbolismo a vitoria de Chokwe Lumumba. Sob o slogan “Uma cidade, um
objectivo, um destino”, Lumumba liderou uma plataforma, representada por todos
os grupos raciais e étnicos da cidade, formada por negros, brancos, índios,
imigrantes caribenhos, sul-americanos, asiáticos e da Oceânia. Maioritariamente
formada por trabalhadores e desempregados a plataforma contou com apoios dos
sindicatos da região e dos comités cívicos e dos Direitos Humanos. Foi criado
um Fórum, denominado “Educar, Motivar, Organizar” que se reúne trimestralmente,
onde a população discute os programas de criação de redes de saúde publica,
educação publica e comunitária e problemas que se apresentem á cidade.
Estamos assim
perante um dos melhores momentos do tradicional democratismo norte-americano,
raiz da Revolução Americana e do movimento de libertação nacional que conduziu
o país á independência.
V - As trapalhadas
externas são uma das causas do Great American Disaster. Na passada semana um
tribunal do Cairo, Egipto, condenou 43 homens e mulheres, acusados de
utilizarem financiamentos estrangeiros, para fomentar agitação no Egipto, com o
julgamento de Hosni Mubarak. 16 dos acusados eram cidadãos norte-americanos, 15
deles foram expulsos do país, por ordem do tribunal, mas um deles, Robert
Becker do National Democratic Institute (NDI), tem de cumprir uma pena de dois
anos no Egipto, o que deixou os intervencionistas mais acérrimos em estado de
histeria colectiva.
O senador Pat Leahy
vociferou que o veredicto era ofensivo ao povo norte-americano, o Wall Street
Journal descobriu que afinal os boys que tiraram o tapete a Mubarak, com a
ajuda dos USA, não são muito amistosos e o Washington Post defendeu uma tese
estranha sobre nacionalismo barato e teorias da conspiração, concluindo que as
leis egípcias eram “repressivas e baseadas numa logica xenófoba”. Todos eles
consideraram que os egípcios são uns mal-agradecidos, que não reconhecem a
ajuda norte-americana.
É sabido que uma
série de instituições e organismos “promotores da democracia”, como o National
Endowment for Democracy (NED), o International Republican Institute (IRI), o
DNI e a Freedom House (FH), participaram nas campanhas de agitação e propaganda
na Sérvia, Ucrânia, Geórgia, Uzbequistão e Quirguizistão, falhando na
Bielorrússia. E quem dirige estes grupos “pró-democracia”?
Antes de 2011, a FH
era dirigida pelo ex-director da CIA, Jim Woolsey, que acreditava estar na
Quarta Guerra Mundial. O IRI é liderado por John McCain, que apelou e implorou
pela intervenção norte-americana, quando a Rússia deu um puxão de orelhas aos
dirigentes georgianos e passa o tempo livre a clamar ataques aéreos á Síria.
Quanto á presidente do DNI, a ex-Secretária de Estado Madeleine Albright,
acredita piamente na indispensabilidade norte-americana no mundo e que os USA
prevalecerão quando muitas das nações já tiverem desaparecido.
É no mínimo
estranho e incompreensível que os USA enviem esta gente para espalhar a
confusão em casa alheia. Porque as coisas dentro de casa vão de mal a pior e é
natural que os estados não vejam com bons olhos esse tipo de ingerência, por
muito liberais que sejam. Já pensaram o que era os cubanos, ou os
norte-coreanos, ou o Irão, enviarem os seus institutos e organizações para os
USA e andarem a fazer campanhas de agitação e propaganda contra as instituições
norte-americanas?
Existem alguns
momentos menos próprios de uma democracia, na História dos USA, que podem-nos
dar uma demonstração aproximada de como os USA reagem a esse tipo de situações.
Por exemplo a “caça às bruxas” durante a guerra fria, que arruinou a vida a
milhares de pessoas, acusadas de serem comunistas e de pertencerem ao Partido
Comunista dos USA, que as autoridades consideravam ser uma organização
infiltrada pelos KGB e pelo bigode de Estaline. Ou o que aconteceu a Martin
Luther King, quando o FBI e o Procurador-Geral Robert Kennedy, na administração
JFK, o inquiriram e interrogaram demoradamente por não ter denunciado um seu
colaborador, Stanley Levison, acusado de ser comunista e um espião soviético.
Será que nesses momentos trágicos a administração JFK foi “xenófoba e
repressiva”, como foi acusada a egípcia?
Mas quantos
“democratas globalizados” norte-americanos do DNI, IRI, FH, NED estão no
Bahrein a fazer campanha pela maioria Xiita e a ajudá-la a depor um regime
corrupto e onde as torturas são uma práctica constante? E onde estão nos
regimes despóticos dos Estados do Golfo? E onde estão para acompanhar as
vítimas do genocídio provocado pelos militares guatemaltecos, ilibados pelo
Supremo Tribunal da Guatemala?
O que são os USA
hoje? É o deserto do Fim da História e a secura do pensamento único. É o
Leviatã das corporações e do militarismo. Poderá ser diferente? Claro que pode.
Basta transformar, como estão a fazer os cidadãos de Jackson e o mayor Chokwe
Lumumba…e fazer em casa o que apregoam fora de portas.
Fontes
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and Stratton, Lawrence The
Tyranny of Good Intentions. Random House, 2013
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http://www.lewrockwell.com/roberts/roberts396.html
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