sexta-feira, 2 de agosto de 2013

ÁFRICA DO SUL, APÊNDICE AFRICOM



Martinho Júnior, Luanda

1 – Os reflexos do capitalismo neo liberal na África do Sul ao longo dos vinte últimos anos, logo a seguir ao fim do regime do “apartheid institucional”, ao estimularem processos de revigoramento elitistas que estão a conduzir a “nação arco-íris” a uma situação de autêntico “apartheid social”, estão também a moldar os instrumentos de poder de estado de forma a se enquadrarem, no campo dos relacionamentos externos (e face ao meio-adormecido vulcão social interno), nos parâmetros definidos pelo “soft power” estabelecido pela hegemonia via AFRICOM (o Comando de todas as experiências conjuntas do Pentágono, do Departamento de Estado, da USAID, do NSA e de outras instituições de inteligência norte-americanas e de alguns dilectos aliados)!

Esse facto incontestável é assumido pela África do Sul do governo do ANC chefiado por Jacob Zuma, apesar dos seus relacionamentos no quadro dos BRICS!

A pressão sócio-política interna, duma oposição que ganhou o governo do Cabo Ocidental nas últimas eleições, está a “obrigar” o ANC a enveredar pela trilha neo liberal, ainda que correndo o risco de surgirem tensões por dentro do histórico e mais representativo partido sul-africano.

A atmosfera da evolução dos acontecimentos no ocidente da Ásia, assim como o crescente papel da África do Sul no continente africano por outro lado, implicam factores que constituem incentivos para que os laços militares bilaterais entre os Estados Unidos e a África do Sul tendam a intensificar-se!

É com essa complexa trama como pano de fundo, que se iniciou no dia em que escrevo, a 24 de Julho de 2013, o exercício “Shared Acord 13” que envolve unidades de vários ramos das South Africa National Defence Forces (3.000 homens) e do AFRICOM (700 efectivos), na sequência aliás da recente visita do Presidente Barack Hussein Obama à África do Sul.

À medida que os anos vão passando o exercício pode vir a crescer!

O exercício é de carácter anual e envolve missões múltiplas utilizando meios terrestres, navais e aéreos, que treinarão desembarques de fuzileiros, simularão operações aero-transportadas e incluirão acções de fogo real…

É evidente que é uma forma de aprimorar, reciprocamente, o entrosamento de unidades tácticas que em termos de missões operacionais se vão aproximando do teatro e dos cenários complexos dos Grandes Lagos, precisamente numa região central que é o coração de África e onde o AFRICOM tem uma das maiores presenças.

É pois um exercício que cria vários raios de acção de impacto, tirando partido da leitura sócio-política “inteligente” na própria África do Sul… persegue-se ainda a trilha “do Cabo ao Cairo”!...

Essa aproximação exige, entre outras coisas, o estabelecimento de procedimentos integrados duma panóplia de unidades e de meios tácticos de intervenção, que serão “filtrados” pela tecnologia superior ao dispor da supremacia militar e de inteligência norte-americana, o “guarda-chuva geo estratégico” instalado com satélites, comunicações, sistemas de inteligência e instituições como o NSA (Estados Unidos) e o GCHQ (Grã Bretanha) que conformam o UKUSA-Echelon!

Dessa maneira a África do Sul tende a tornar-se sem dúvida num apêndice AFRICOM, um dos mais poderosos, dissuasivos e modernos apêndices em África!

A África do sul passa a dar assim a sua contribuição, com grande densidade, em África, para a formatação de “democracias representativas” com portas escancaradas aos interesses neo liberais e, por tabela, aos expedientes elitistas… uma questão de reprodução “sem limites”!...

2 – O exercício deste ano vai-se desenrolar até ao dia 7 de Agosto no Cabo Oriental, em lugares previamente escolhidos e determinados acerca dos quais é interessante verificar o impacto de amplo espectro com múltiplos raios de acção:

- Vai-se desenrolar à ilharga do Cabo Ocidental, precisamente onde a liberal coligação Democratic Alliance (48,78%) ganhou as últimas eleições com vantagem directa sobre o ANC (32,86%) e onde os expedientes capitalistas neo liberais ganham maior impulso e capacidade de expansão;

- A região (Cabo Oriental) possui também crescente implantação da Democratic Alliance (9,97%), explorando os êxitos conseguidos sobretudo a partir das articulações económicas e financeiras (em termos de capitalismo neo liberal) com fulcro na cidade do Cabo que se estão a estender em direcção aos polos de Durban e Port Elizabeth, bem como em direcção ao Cabo Norte e ao Free State;

- Tira partido dos reflexos dos conhecimentos militares e de inteligência adquiridos com os olhos postos no interior da África do Sul (área de progressão sócio-política da Democratic Alliance), mas também em direcção geo estratégica ao sul do Índico (Ilhas Marion e Prince Edward) e do Atlântico (ilha Gough), numa área que se estende até à Antárctida (seguindo a vocação elitista que começou a ser cultivada há mais de 50 anos com fulcro na cidade do Cabo, ganhando corpo particularmente durante o regime do “apartheid”);

- Pode permitir a junção da África do Sul a outros componentes anglo-saxónicos como a Austrália e Nova Zelândia, do lado oriental do Índico (ao abrigo do UKUSA-Echelon);

- Aprimora as conexões tácticas com o esforço “soft power” postas em prática a partir do AFRICOM, possibilitando acções comuns na região dos Grandes Lagos;

- Permite articular as capacidades da África do Sul no Atlântico Sul, na direcção do arquipélago de Santa Helena, (que inclui a ilha com o mesmo nome, Tristão da Cunha e a ilha do Echelon… Ascensão)!

3 – A África do Sul ao perfilar-se como um “aliado indispensável” para a hegemonia em África, com uma crescente integração na planificação do AFRICOM, ao mesmo tempo que assiste aos primeiros resultados sócio-políticos das políticas capitalistas neo liberais através da progressão e pressão da Democratic Alliance, apresta-se a fazer crescer o seu papel militar e de inteligência, subordinando-se ao poderio geo estratégico dos Estados Unidos.

O ANC está a ser levado na onda… por arrasto e sem outras alternativas em carteira!

A exigência “soft power”, que visa criar um encadeamento de alianças e parceiros em terra, no mar e no ar, à medida que as tensões em África tendem a crescer, obriga por outro lado à adopção de novas tecnologias.

Também nesse aspecto as indústrias de armamento e naval da África do Sul, controladas pelas elites nacionais mas com pontes para outros “accionistas” e consórcios ocidentais, dão sinais de adaptação:

- Foi assinado um acordo com a SAAB (que forneceu os aviões Grippen para a Força Aérea da África do Sul), a fim de se produzirem os “Skeldar Unmanned Aerial System (UAS)”, helicópteros sem piloto adaptáveis aos modernos navios da Marinha de Guerra Sul Africana;

- A companhia sul-africana Nauticus Africa construirá 7 “Fast Multi Role Patrol Vessels” de 35 metros, para fornecer a países da África do Oeste, entre eles a Nigéria.

Estratificam-se em África os papéis aninhados à hegemonia unipolar exercida pelo tandem anglo-saxónico e o da África do Sul aproxima-se, como uma das mais influentes “correias de transmissão”, do nível exigido aos países da NATO.

A evolução da situação aproveita-se do elitismo insuflado a partir dos tempos de Cecil John Rhodes… ainda em nome do império!...

4 – Desse modo o papel das ilhas britânicas no Atlântico Sul será também aferido: se Santa Helena e Tristão da Cunha se aproximarão mais da cidade do Cabo (fulcro histórico dos processos elitistas agora adaptados ao século XXI), a ilha de Ascensão receberá encargos adicionais no âmbito do UKUSA-Echelon, assim como no âmbito da vigilância sobre todo o Atlântico Sul, desde as costas brasileiras, até ao Golfo da Guiné, mesmo que outros dispositivos sejam instalados noutros lugares, como o caso da “base” em São Tomé e Príncipe.

Ascensão aproxima-se do papel de Diego Garcia no Índico Norte e os nexos entre o SOUTHCOMMAND e o AFRICOMMAND têm muito a ver com isso: hegemonia unipolar obriga!

Sintomaticamente cresce o coro de referências acerca de “pirataria no Golfo da Guiné”!... de facto sem piratas, tal como sem terroristas, esse tipo de “negócios” não se poderiam realizar!

Os “bons ofícios” da África do Sul tendem para cumprir com um papel de apêndice do AFRICOM e a África irá senti-lo com a proliferação dos conflitos: as SANDF estão a ser preparadas para isso e a humilhante derrota sofrida na República Centro Africana por parte dum destacamento das SANDF serve de perfeita justificação para os “esforços” bilaterais com expressão num conjunto cada vez mais alargado de acções e actividades, entre elas a do “Shared Accord 13”!

Foto: O hastear das bandeiras dos Estados Unidos e da África do Sul no início do exercício “Shared Acord 13”.

A consultar (sucessão recomendada):
. Do “apartheid institucional” ao “apartheid social” –
. A África do Sul é uma nação encolerizada e frustrada, à beira da explosão – http://www.lahaine.org/index.php?p=68227; http://www.odiario.info/?p=2842
. Mandela’s greatness may be assured, but not his legacy (com video do autor) – John Pilger – http://pensamentosnomadas.wordpress.com/2013/07/23/mandelas-greatness-may-be-assured-but-not-his-legacy-by-john-pilger/
. Do apartheid ao neo liberalismo na África do Sul – John Pilger – http://www.odiario.info/?p=2949
. A invasão real de África não está nos noticiários – John Pilger – http://resistir.info/pilger/pilger_31jan13.html
. Sudáfrica, el pacto fáustico del ANC fue a costa de los más pobres – http://gara.naiz.info/paperezkoa/20130706/411802/es/Sudafrica-pacto-faustico-ANC-fue-costa-mas-pobres
. South Africa Media Interview with General Carter F. Ham, Commander, U.S. Africa Command – http://www.africom.mil/Newsroom/Transcript/10550/transcript-south-africa-media-interview-with-general-carter-f-ham-commander-us-africa-command
. US Africa Command welcomes new Commander – http://www.africom.mil/Newsroom/Article/10605/africom-change-of-command
. Africa Center Senior Leaders Panel Discusses Impact of Arab Spring Across Continent – http://www.africom.mil/Newsroom/Article/11035/africa-center-senior-leaders-panel-discusses-impact-of-arab-spring-across-continent
. Militarizando o Atlântico Sul a partir da base em Malvinas. A Colômbia alinha-se como aliado da OTAN na sua ameaça nuclear contra a América do Sul – http://cronicon.net/paginas/edicanter/Ediciones82/NOTA001.htm; http://www.odiario.info/?p=2840
. S. Africa and U.S. Forces to conduct Joint Exercise –
. SANDF and US Army to conduct war games in Eastern Cape – http://www.timeslive.co.za/local/2013/07/11/sandf-us-army-to-conduct-war-games-in-eastern-cape
. The South African National Defence Force and United States armed forces to conduct humanitarian exercise in Eastern Cape – http://www.info.gov.za/speech/DynamicAction?pageid=461&sid=37986&tid=112844
. US South Africa War Games: The Pentagon’s Hidden Agenda is to Make “Africans fight Africans” – http://www.globalresearch.ca/us-south-africa-war-games-the-pentagons-hidden-agenda-is-to-make-africans-fight-africans/5343320
. Shipbuilding and maritime solutions company, Nautic Africa, awarded new contracts in excess of R600 million – http://www.defenceweb.co.za/index.php?option=com_content&view=article&id=31267&Itemid=106
. 13 South Africans soldiers dead in CAR – http://allafrica.com/stories/201303251307.html

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