Martinho Júnior, Luanda
1 – Aqueles que
fazem a apologia do elitismo agarram-se como nunca à figura carismática de
Nelson Mandela para fazerem passar as mensagens adequadas aos seus interesses e
conveniências, num expediente contínuo de manipulação da opinião pública
elevada a um nível tal, que poucos precedentes existem a nível global.
Os objectivos são
claros: evocando a vitória sobre o “apartheid institucional” dos anos idos do
racismo sul-africano, impedir que a consciência global despertasse para o facto
que esse “apartheid” seria substituído por um outro, mais subtil, mas não menos
revelador dos enormes desequilíbrios a que conduz a lógica capitalista: o
efectivo “apartheid social”!
A 15 de Novembro de
2003 aqui em Angola eu já tinha essa percepção e expunha-a de forma resoluta no
Semanário ACTUAL, em relação ao caso de Nelson Mandela, no nº 371, interrogando
junto a uma foto em que o velho Nelson se confrontava com duas fotos suas da
sua juventude: “Que eternidade para Mandela”?!
2 – Além do mais “pistas”
das opções de Mandela já haviam sobejamente e eu lembro uma delas:
Na crise final do
regime zairense, entre Mobutu Sese Seko, doente, ausente e em decadência
absoluta e a ascensão de Laurent Kabila, o guerrilheiro que Che Guevara
reconhecera como um continuador de Patrice Lumumba em 1965, o então Presidente
Nelson Mandela tentou garantir a continuidade do primeiro, com todas as
consequências que isso trazia não só para o Congo, mas também para toda a
região e particularmente para Angola.
De facto foi Mobutu
que deu guarida a Jonas Savimbi numa retaguarda segura que substituía aquela
retaguarda que ele perdera com o eclipse do regime do “apartheid institucional”,
quando a base da Jamba estava colada à faixa do Caprivi e à base Ómega, numa
Namíbia ocupada e ao abrigo das South Africa Defence Forces.
Savimbi
aproveitou-se da retaguarda que o regime de Mobutu lhe oferecera para, com base
na logística, no espaço de manobra do Zaíre e nas riquezas diamantíferas do
Cuango e do Cuanza, desencadear a “guerra dos diamantes de sangue” de trágicas
consequências, encadeando-a com as outras guerras que grassavam desde os
Grandes Lagos!
O sinal que havia
nessa opção de Nelson Mandela, que tentou nunca fechar a porta a Jonas Savimbi,
era evidente: ele respondia favoravelmente ao poderoso “lobby” dos minerais e
dava sequência aos processos elitistas e imperialistas que foram eclodindo
desde o estro de Cecil John Rhodes, até por que Jonas Savimbi procurava também ser,
sempre de armas na mão e em desespero de causa, outro dos “fiéis servidores” do
cartel dos diamantes!
3 – As posições
ideológicas e políticas de Nelson Mandela e do seu sucessor Thabo M’Beki em
relação a Angola, revelaram essa trilha deliberada e eminentemente elitista:
para eles o “1 homem 1 voto” era o bastante e significava garantir os
privilégios das elites brancas no post “apartheid” a fim de garantir a ascensão
duma elite negra, à sua imagem e ao seu nível, inibindo-se os compromissos
históricos do ANC em relação à imensa massa de deserdados da África do Sul e de
todo o continente africano!
Para Angola,
sintomaticamente, foi preciso esperar pela ascensão de Jacob Zuma à Presidência
sul-africana para, finalmente, vencidos os obstáculos que tinham substância em
Savimbi e afinal também em Nelson Mandela e Thabo M’Beki, se reconhecer todo o
enorme esforço do movimento de libertação na luta contra o “apartheid”,
indissociável à aspiração de construção do socialismo, que com o final da
Guerra Fria… passou a ser entretanto a opção que ficou pelo caminho e se
colocou de parte no fundo dos baús do esquecimento!
Com o Presidente
Jacob Zuma pôde-se finalmente lembrar a saga da batalha do Cuito Cuanavale e
reconhecer-se o esforço daqueles que, integrando as aspirações do movimento de
libertação em luta contra o colonialismo fascizante e o “apartheid
institucional”, deram oportunidade às independências do Zimbabwe e da Namíbia e
à instauração de regimes de democracia representativa em todo o espaço da SADC,
sucedâneo da própria Linha da Frente, África do Sul incluída!
4 – As opções
limitadas de Nelson Mandela e de Thabo M’Beki, se mereceram da minha parte sua
identificação há dez anos, mereceram também a minha apreensão, que aliás tem
sido exposta aqui no Página Global, conforme o que tive a oportunidade de
escrever em “O vulcão sul-africano”.
Foi contudo
necessário esperar algum tempo para que a nível internacional começassem a
surgir depoimentos em sintonia com as minhas apreensões.
Este ano de 2013, à
medida que se aproximavam os festejos do 95º aniversário de Nelson Mandela,
algumas vozes se fizeram sentir!
De facto, sem nunca
ter sido posta em causa a lógica capitalista após o final da Guerra Fria, se
foi possível, após longa e penosa luta, acabar-se com o “apartheid
institucional”, a mesma lógica eivada de neo liberalismo, sob o poder dos
grupos elitistas identificados com o “lobby” dos minerais tendo como eixo os
carteis tradicionais dos diamantes, do ouro e da platina, haveria de, sob a
máscara da democracia representativa, manter o domínio dos poderosos e fazer
ascender ao patamar das elites brancas elites negras, sem se importar com o “apartheid
social” que resultava dos profundos desequilíbrios que o ANC se esqueceu sequer
de fazer atenuar!
5 – Eis parte da
confissão do histórico combatente Ronnie Kasrils, no artigo “Sudáfrica, el
pacto fáustico del ANC fue a costa de los más pobres”:
…
“La lucha de
liberación llegó a un punto alto, pero no a su cenit cuando acabamos con el
régimen del apartheid.
Entonces, nuestras
esperanzas en nuestro país eran enormes, dada su moderna economía industrial,
los recursos minerales estratégicos (no solo el oro y los diamantes), y una
clase obrera y un movimiento sindical organizados, con una rica tradición de
lucha.
Pero ese optimismo
minusvaloró la tenacidad del sistema capitalista internacional.
De 1991 a 1996, se
luchó una batalla por el alma del ANC y al final la perdimos porque se hizo con
ella el poder empresarial: la economía neoliberal nos engulló. O, como algunos
hoy claman, vendimos a nuestro pueblo por el camino.
Lo que yo llamo
nuestro momento fáustico tuvo lugar cuando solicitamos y obtuvimos un préstamo
del FMI en vísperas de la primera elección democrática.
Ese préstamo, con
condiciones que impedían un programa económico radical, se consideró un mal
necesario, al igual que las concesiones que había que hacer para mantener las
negociaciones abiertas y poder entregar a nuestro pueblo la tierra prometida.
La duda lo dominaba
todo: creíamos, erróneamente, que no había otra opción, que teníamos que tener
cuidado, ya que en 1991 el otrora poderoso aliado, la Unión Soviética, quebrada
por la carrera de armamentos, se había derrumbado.
Inexcusablemente,
habíamos perdido la fe en la capacidad de nuestras propias masas revolucionarias
para superar todos los obstáculos.
La dirección del
ANC hubiera debido permanecer firme, unida e incorruptible. Y, sobre todo,
aferrarse a su voluntad revolucionaria.
En cambio, nos
rajamos.
La dirección del
ANC hubiera debido permanecer fiel a su compromiso de servir al pueblo. Ello le
hubiera otorgado la hegemonía necesaria no sólo sobre la arraigada y
bunkerizada clase capitalista sino también sobre las nuevas élites emergentes.
Acabar con el
régimen del apartheid mediante la negociación, en lugar de una sangrienta
guerra civil, parecía entonces una opción demasiado buena como para ser
ignorada.
Sin embargo, en ese
momento, la correlación de fuerzas estaba a favor del ANC, y las condiciones
eran favorables para obtener un cambio más radical en la negociación.
No era de ninguna
manera cierto que el viejo orden, a parte de unos cuantos extremistas de
derecha aislados, tenía la voluntad o la capacidad de recurrir a una represión
sangrienta como creía la dirección de Mandela”…
6 – A outra
impressão foi publicada recentemente; diz o jornalista progressista John Pilger
em “Do apartheid ao neo liberalismo na África do Sul”:
“Nas eleições
democráticas de 1994, terminou o apartheid racista e o apartheid económico
conheceu um novo rosto. Durante a década de 80, o regime de Botha ofereceu
generosos empréstimos a empresários negros, permitindo-lhes fundar empresas
fora dos bantustões.
Surgiu rapidamente
uma nova burguesia negra, juntamente com um compadrio excessivo.
Os chefões do CNA
mudaram-se para mansões em propriedades de golfe e campo. Enquanto as
disparidades entre brancos e negros diminuíam, aumentavam entre negros e
negros”…
7 – Para os velhos
combatentes das lutas de libertação em África, tornou-se mais evidente que
nunca que, ao enveredar-se pela lógica capitalista enquadrada no projecto de
globalização neo liberal ao dispor da hegemonia unipolar anglo-saxónica, a
opção pelo socialismo tinha os dias contados e servira apenas para os momentos
mais difíceis da enérgica mobilização do movimento de libertação, apesar da
identidade do socialismo para com a paz ser uma questão de essência.
A “abertura aos
mercados” confirmando a lógica capitalista trouxe para com esses velhos
combatentes uma contradição em relação aos seus consequentes juramentos de
fidelidade: o oportunismo encarregar-se-ia, caso não houvesse capacidade
suficiente de inteligência e de resistência, de manchar as suas tão históricas
quão justas opções, à medida que o neo liberalismo progredia e à aberração do “apartheid
institucional” se sucedia a aberração do “apartheid social”!
De facto, suas
juras no sentido de trazer de forma abrangente equilíbrio, felicidade e justiça
social para todos os povos do continente ficaram à mercê de ideólogos e de
políticos que sucumbiram aos deslumbramentos estendidos pela aristocracia
financeira mundial e pelas elites suas agenciadas!
Os governos de
Nelson Mandela e de Thabo M’Beki na África do Sul tornaram-se expoentes dessa “façanha”,
em relação à qual aqueles que assumem a dignidade de seus juramentos de
juventude, por coerência de princípio nunca se deverão deixar envolver!
Luanda, 18 de Julho
de 2013, data do 95º aniversário natalício de Nelson Mandela.
Gravura: Capa do Semanário
Actual nº 371, de 15 de Novembro de 2003.
A consultar:
- O vulcão
sul-africano – http://paginaglobal.blogspot.com/p/o-vulcao-sul-africano.html
- Sudáfrica, el
pacto fáustico del ANC fue a costa de los más pobres – http://gara.naiz.info/paperezkoa/20130706/411802/es/Sudafrica-pacto-faustico-ANC-fue-costa-mas-pobres
- Do apartheid ao
neo liberalismo na África do Sul – johnpilger.com/videos/apartheid-did-not-die;
www.counterpunch.org/2013/07/11/mandelas-tarnished-legacy/;
http://resistir.info/
1 comentário:
South Africa’s New Apartheid
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By Sabine Cessou
Source: Le Monde Diplomatique
Friday, March 08, 2013
A group of building workers relaxed on the pavement in central Cape Town, enjoying their lunch break. Every minute was precious; nobody was in a hurry to get back to work. “They pay us peanuts,” said a bricklayer with a gold tooth. On the equivalent of $1,470 a month, he is not too badly off; in the run-up to the 2010 World Cup, the builders’ unions secured pay increases of 13-16% by threatening not to complete work in time. They are the exception.
There has been extreme tension in South Africa since 16 August, when the police killed 34 strikers at Lonmin plc’s platinum mine in Marikana, near Johannesburg, an incident of huge symbolic importance, since the forces of law and order shooting at demonstrators remind all of the apartheid era. Yet South Africa is now a democratic and multiracial state, since 1994 governed by the African National Congress (ANC). The strikers were part of its historic electoral base, South Africa’s poor and black majority. According to official figures, poor households (62% black, 33% mixed-ancestry) make up half the population (25.5 million) of this industrialised country, the only emerging market in sub-Saharan Africa.
The reaction to the Marikana killings recalls that to the Sharpeville massacre of 21 March 1960, when the forces of the apartheid regime (1948-1991) killed 69 black people in the township, 60km from Johannesburg. They had been demonstrating against the requirement for “non-whites” to carry passbooks outside their homelands or designated areas. When the news reached Cape Town, rioters in the black township of Langa burned public buildings.
Since Marikana, there have been wildcat strikes by mine, transport and farm workers. Farm workers in Western Cape Province have demanded that their pay be doubled from the minimum wage of 75 rand a day to 150 rand ($20). This has led to clashes with the police, the burning of vineyards and the looting of shops. Workers have been sacked, but there is no social dialogue. In November two farm workers were killed during a demonstration in the village of De Doorns, 180km from Cape Town.
...
http://www.zcommunications.org/south-africa-s-new-apartheid-by-sabine-cessou.html
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