quarta-feira, 27 de março de 2013

ESTENDE-SE O “ARCO DE CRISE” EM ÁFRICA




Martinho Júnior, Luanda

1 – A 2 de Maio de 2011 escrevi “O arco de crise em direcção a África”, ainda a crise na Líbia se encontrava numa fase inicial.

De entre o que fui considerando na altura lembro:

“As elites africanas que se formaram ao longo dos últimos vinte anos, estimuladas pelos interesses e conveniências das multinacionais afins ao império, apesar de começarem a estar alerta em relação à força das ingerências que se vão expandindo no arco de crise em direcção a ocidente, sabem que estão a pisar um terreno política, económica e socialmente minado, que tende a explorar contradições evidentes, (entre elas contradições entre gerações), o que aumenta o potencial dos riscos.

A previsão de riscos aliás, parece estar muito além das possibilidades de conhecimento dos africanos, mesmo aquelas elites mais expeditas: de facto os factores organizacionais, estruturais e tecnológicos conferem ao império possibilidades de ingerência e manipulação incomensuráveis e imprevisíveis face às imensas vulnerabilidades africanas”.

“A década corrente trará para o império ingerências nunca antes experimentadas e o baixo custo das operações em África são aditivos que ele não pretende desaproveitar, em relação a um renovado apetite para com todas as suas riquezas naturais!

O arco de crise evolui para dentro de África!”

Quando África tem de legitimamente empreender tantos esforços no sentido de resgatar os seus povos do subdesenvolvimento crónico e secular, a evolução actual da situação é contraditória ao essencial dos seus interesses, pois só em paz será possível construir, só em paz é possível relacionamento saudável, só em paz é possível procurar os caminhos para uma independência substantiva e efectiva.

2 – A previsão de deterioração confirmou-se agora com a tomada de Bangui pelos rebeldes da coligação Seleka e a corroborá-la constate-se a falha na previsão da África do Sul em relação às potencialidades de risco, no seguimento aliás de incoerências anteriores.

A República Centro Africana é um país rico em diamantes e em golpes de estado (possivelmente um recordista africano no que diz respeito a golpes militares), o que indicia o nexo entre as riquezas naturais e o tipo de manipulação e ingerência de que as nações e os povos são alvo visando sua fragilidade e vulnerabilidade, um processo que teve antecedentes e exemplos correntes como a RDC, Angola, Serra Leoa, Libéria, Líbia, Mali, Somália, Nigéria e tantos outros…

A África do Sul, como aliás todos os africanos e a União Africana, assumiu posições políticas ambíguas por exemplo em relação às “crises” no Sudão, na Líbia e no Mali pelo que em relação à República Centro Africana demonstrou incapacidade de fazer uma avaliação correcta em relação à história contemporânea do país, bem como à situação precária corrente e ao potencial dos rebeldes, tudo isso apesar do ensaio da coligação Seleka com a incursão militar que realizou em Dezembro de 2012!

A África do Sul decidiu, após a cimeira de Libreville entre o Presidente e a coligação rebelde, enviar um contingente militar de 400 militares para Bangui, colocando-o à disposição de François Bozizé, acabando por colocar na capital centro africana apenas 200 homens indiciando insuficiências na sua capacidade de planificação, de organização, de transporte a média-longa distância e de logística.

Na tomada de Bangui pela coligação Seleka esse contingente travou combate com os rebeldes e sofreu perdas consideráveis: 13 mortos e 27 feridos!

A África do Sul indicia ter sido incapaz de fazer previsões aferidas à situação e por isso incapaz de fazer retirar ou reforçar o seu pequeno contingente em tempo oportuno, o que demonstra as vulnerabilidades do seu comando militar.

Os rebeldes souberam evitar contacto com as forças francesas estacionadas em Bangui, que controlam o aeroporto e começaram a ser reforçadas com novos contingentes.

Tiveram tempo de avaliar os riscos em relação às forças francesas e a precariedade em que se encontrava o contingente sul africano e por isso optaram.

Aparentemente só houve, sob o ponto de vista político, uma posição comum da França e da África do Sul, que condenaram o golpe militar, um entendimento que não ocorreu no terreno “na hora da verdade”, quando do assalto a Bangui.

Enfraquecido o contingente militar sul africano, é possível que agora ele esteja a tirar partido do aumento do contingente francês, enquanto espera melhores decisões, ou o seu reforço, ou a sua evacuação.

Para cumprir um papel como este, mais valia que a África do Sul não tomasse a decisão do envio do contingente, uma decisão para a qual demonstra não estar preparada: foi a maior derrota militar das SANDF após a queda do regime do “apartheid” e o governo do Presidente Jacob Zuma fica politicamente exposto na África do Sul, numa altura em que ocorre a reunião dos BRICS.

Será que os contingentes sul africanos noutras paragens, como na RDC e ao largo da Somália, têm o mesmo tipo de insuficiências?

3 – Os acontecimentos na República Centro Africana demonstram a incapacidade actual dos países africanos e da União Africana em fazer face às tendências de desestabilização por via de rebeliões armadas, um fenómeno que se prende aos impactos da globalização neo liberal em África, que resultam na tentativa de instalação de regimes conservadores, ou mesmo ditatoriais.

O subdesenvolvimento crónico de África conduz a um aproveitamento, por parte de interesses neo coloniais, em especial em países ricos em riquezas minerais e petróleo: as potências estão tentadas em fazer prevalecer regimes completamente condicionados aos seus propósitos interesses e, no caso da França, ao abrigo do “guarda chuva” dos Estados Unidos.

O desaparecimento do regime de Kadafi na Líbia foi muito importante para a propagação da desestabilização no norte de África, no Sahel e na África Central, um fenómeno em curso com tendência a se alastrar até Angola.

Essa posição evidente sobre o fomento do caos, enfraquece o protagonismo africano, daz prevalecer factores externos sobre os internos e, no caso da República Centro Africana, por tabela a pouco preventiva posição da África do Sul também no plano dos seus relacionamentos externos.

Neste momento a aproximação dos interesses resulta claramente favor do neo colonialismo, pelo desencadear dos processos de desestabilização, explorando um velho “conceito”: o “efeito dominó”.

Uma África cada vez mais vulnerável e enfraquecida interessa às multinacionais mineiras e do petróleo e às potências ocidentais, com a França em destaque no seu papel “FrançAfrique”.

De certo que o golpe militar em Bangui terá também as suas repercussões na cada vez mais vulnerável República Democrática do Congo e será um motivo inspirador para que outros sigam o exemplo da coligação Seleke!

Mapa: Incursão de Dezembro de 2012 da coligação Seleka, um teste que não foi suficientemente avaliado pelos estados africanos componentes da União Africana; repare-se dos pontos de origem do movimento militar: a periferia norte e o nordeste, junto às fronteiras do Chade e do Sudão – Sudão do Sul.

A consultar:
- As marcas de África: subdesenvolvimento e neocolonialismo – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/dia-de-africa.html
- A guerra do ocidente contra África – http://www.odiario.info/?p=2813
- O saque imperialista das riquezas de África – http://www.odiario.info/?p=2802
- Central African Republic conflict (2012 – present) – http://en.wikipedia.org/wiki/2012%E2%80%9313_Central_African_Republic_conflict
- 13 South Africans soldiers dead in CAR – http://allafrica.com/stories/201303251307.html
- Central African Republic rebels enter capital Bangui – http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-21913926
- Central African Republic rebels seize capital and forced president to flee –
- CAR rebel head Michel Djotodia suspends constitution – http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-21934433

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