Martinho Júnior,
Luanda
1 – A 2 de Maio de
2011 escrevi “O arco de crise em direcção a África”, ainda a crise na Líbia se
encontrava numa fase inicial.
De entre o que fui
considerando na altura lembro:
“As elites africanas
que se formaram ao longo dos últimos vinte anos, estimuladas pelos interesses e
conveniências das multinacionais afins ao império, apesar de começarem a estar
alerta em relação à força das ingerências que se vão expandindo no arco de
crise em direcção a ocidente, sabem que estão a pisar um terreno política,
económica e socialmente minado, que tende a explorar contradições evidentes,
(entre elas contradições entre gerações), o que aumenta o potencial dos riscos.
A previsão de
riscos aliás, parece estar muito além das possibilidades de conhecimento dos
africanos, mesmo aquelas elites mais expeditas: de facto os factores
organizacionais, estruturais e tecnológicos conferem ao império possibilidades
de ingerência e manipulação incomensuráveis e imprevisíveis face às imensas
vulnerabilidades africanas”.
…
“A década corrente
trará para o império ingerências nunca antes experimentadas e o baixo custo das
operações em África são aditivos que ele não pretende desaproveitar, em relação
a um renovado apetite para com todas as suas riquezas naturais!
O arco de crise
evolui para dentro de África!”
Quando África tem
de legitimamente empreender tantos esforços no sentido de resgatar os seus
povos do subdesenvolvimento crónico e secular, a evolução actual da situação é
contraditória ao essencial dos seus interesses, pois só em paz será possível
construir, só em paz é possível relacionamento saudável, só em paz é possível
procurar os caminhos para uma independência substantiva e efectiva.
2 – A previsão de
deterioração confirmou-se agora com a tomada de Bangui pelos rebeldes da
coligação Seleka e a corroborá-la constate-se a falha na previsão da África do
Sul em relação às potencialidades de risco, no seguimento aliás de incoerências
anteriores.
A República Centro
Africana é um país rico em diamantes e em golpes de estado (possivelmente um
recordista africano no que diz respeito a golpes militares), o que indicia o
nexo entre as riquezas naturais e o tipo de manipulação e ingerência de que as
nações e os povos são alvo visando sua fragilidade e vulnerabilidade, um
processo que teve antecedentes e exemplos correntes como a RDC, Angola, Serra
Leoa, Libéria, Líbia, Mali, Somália, Nigéria e tantos outros…
A África do Sul,
como aliás todos os africanos e a União Africana, assumiu posições políticas
ambíguas por exemplo em relação às “crises” no Sudão, na Líbia e no Mali pelo
que em relação à República Centro Africana demonstrou incapacidade de fazer uma
avaliação correcta em relação à história contemporânea do país, bem como à situação
precária corrente e ao potencial dos rebeldes, tudo isso apesar do ensaio da
coligação Seleka com a incursão militar que realizou em Dezembro de 2012!
A África do Sul
decidiu, após a cimeira de Libreville entre o Presidente e a coligação rebelde,
enviar um contingente militar de 400 militares para Bangui, colocando-o à
disposição de François Bozizé, acabando por colocar na capital centro africana
apenas 200 homens indiciando insuficiências na sua capacidade de planificação,
de organização, de transporte a média-longa distância e de logística.
Na tomada de Bangui
pela coligação Seleka esse contingente travou combate com os rebeldes e sofreu
perdas consideráveis: 13 mortos e 27 feridos!
A África do Sul
indicia ter sido incapaz de fazer previsões aferidas à situação e por isso
incapaz de fazer retirar ou reforçar o seu pequeno contingente em tempo
oportuno, o que demonstra as vulnerabilidades do seu comando militar.
Os rebeldes
souberam evitar contacto com as forças francesas estacionadas em Bangui, que
controlam o aeroporto e começaram a ser reforçadas com novos contingentes.
Tiveram tempo de
avaliar os riscos em relação às forças francesas e a precariedade em que se
encontrava o contingente sul africano e por isso optaram.
Aparentemente só
houve, sob o ponto de vista político, uma posição comum da França e da África
do Sul, que condenaram o golpe militar, um entendimento que não ocorreu no
terreno “na hora da verdade”, quando do assalto a Bangui.
Enfraquecido o
contingente militar sul africano, é possível que agora ele esteja a tirar
partido do aumento do contingente francês, enquanto espera melhores decisões,
ou o seu reforço, ou a sua evacuação.
Para cumprir um
papel como este, mais valia que a África do Sul não tomasse a decisão do envio
do contingente, uma decisão para a qual demonstra não estar preparada: foi a
maior derrota militar das SANDF após a queda do regime do “apartheid” e o
governo do Presidente Jacob Zuma fica politicamente exposto na África do Sul,
numa altura em que ocorre a reunião dos BRICS.
Será que os
contingentes sul africanos noutras paragens, como na RDC e ao largo da Somália,
têm o mesmo tipo de insuficiências?
3 – Os
acontecimentos na República Centro Africana demonstram a incapacidade actual
dos países africanos e da União Africana em fazer face às tendências de
desestabilização por via de rebeliões armadas, um fenómeno que se prende aos
impactos da globalização neo liberal em África, que resultam na tentativa de
instalação de regimes conservadores, ou mesmo ditatoriais.
O subdesenvolvimento
crónico de África conduz a um aproveitamento, por parte de interesses neo
coloniais, em especial em países ricos em riquezas minerais e petróleo: as
potências estão tentadas em fazer prevalecer regimes completamente
condicionados aos seus propósitos interesses e, no caso da França, ao abrigo do
“guarda chuva” dos Estados Unidos.
O desaparecimento
do regime de Kadafi na Líbia foi muito importante para a propagação da
desestabilização no norte de África, no Sahel e na África Central, um fenómeno
em curso com tendência a se alastrar até Angola.
Essa posição
evidente sobre o fomento do caos, enfraquece o protagonismo africano, daz
prevalecer factores externos sobre os internos e, no caso da República Centro
Africana, por tabela a pouco preventiva posição da África do Sul também no
plano dos seus relacionamentos externos.
Neste momento a
aproximação dos interesses resulta claramente favor do neo colonialismo, pelo
desencadear dos processos de desestabilização, explorando um velho “conceito”:
o “efeito dominó”.
Uma África cada vez
mais vulnerável e enfraquecida interessa às multinacionais mineiras e do
petróleo e às potências ocidentais, com a França em destaque no seu papel
“FrançAfrique”.
De certo que o
golpe militar em Bangui terá também as suas repercussões na cada vez mais
vulnerável República Democrática do Congo e será um motivo inspirador para que
outros sigam o exemplo da coligação Seleke!
Mapa: Incursão de
Dezembro de 2012 da coligação Seleka, um teste que não foi suficientemente
avaliado pelos estados africanos componentes da União Africana; repare-se dos
pontos de origem do movimento militar: a periferia norte e o nordeste, junto às
fronteiras do Chade e do Sudão – Sudão do Sul.
A consultar:
- O arco de crise
em direcção a África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/o-arco-de-crise-em-direccao-africa.html
- Dia de África – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/dia-de-africa.html
- As marcas de
África: subdesenvolvimento e neocolonialismo – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/dia-de-africa.html
- A guerra do
ocidente contra África – http://www.odiario.info/?p=2813
- O saque
imperialista das riquezas de África – http://www.odiario.info/?p=2802
- Le project
français, ai service de quels intérêts? – http://www.afrique-asie.fr/menu/afrique/70-points-chauds/4910-mali-le-projet-francais-au-service-de-quels-interets.html
- Un malade en
phase terminale – http://survie.org/billets-d-afrique/2013/220-janvier-2013/article/centrafrique-un-malade-en-phase
- Central African
Republic conflict (2012 – present) – http://en.wikipedia.org/wiki/2012%E2%80%9313_Central_African_Republic_conflict
- Angola participa
na cimeira da CEEAC em Libreville – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2013/0/2/Angola-participa-cimeira-extraordinaria-CEEAC-Libreville,ed8ef26b-aac4-4602-954b-11deea55c8d7.html
- Dês négociations
sous haute tension et en rangs dispersés – http://www.afrique-asie.fr/menu/afrique/4600-centrafrique-des-negociations-sous-haute-tension-et-en-rangs-disperses.html
- Três chefes da
rebelião são esperados em Libreville – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2013/0/2/Tres-chefes-rebeliao-sao-aguardados-LIbreville,ca3660bb-5a10-4e08-86ea-a2be28ff6292.html
- Autorizado envio
de tropas à RCA – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2013/0/2/Autorizado-envio-tropas-RCA,162cf129-9e57-41f2-a195-1cd796cd8c88.html
- 13 South Africans
soldiers dead in CAR – http://allafrica.com/stories/201303251307.html
- Des militaries
sud-africains tués dans des combats – http://www.lemag.ma/Centrafrique-Des-militaires-sud-africains-tues-dans-des-combats_a68864.html
- Central African
Republic rebels enter capital Bangui – http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-21913926
- Central African
Republic rebels seize capital and forced president to flee –
- Coup d’État en
République Centrafrique – http://www.radio-canada.ca/nouvelles/International/2013/03/24/003-republique-centrafricaine-bangui-combats-palais.shtml
- CAR rebel head
Michel Djotodia suspends constitution – http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-21934433
- Lider rebelde se
apresenta como sucessor de Bozizé – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2013/2/13/Lider-rebelde-apresenta-como-sucessor-Bozize,bffef146-32de-4028-b0d7-b57f3e3e984c.html
- AU suspends CAR
after rebels out the president – http://mg.co.za/article/2013-03-25-au-suspends-central-african-republic-after-rebels-oust-the-president
- SG da ONU condena
golpe de estado centro-africano – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2013/2/13/ONU-condena-golpe-Estado-centro-africano,c9dcb81f-862b-4502-9bf0-ab613a4bab83.html
- Americanos
condenam tomada de poder, sem exigir regresso de presidente – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2013/2/13/Americanos-condenam-tomada-poder-sem-exigir-regresso-Presidente,5acff04c-75c1-4c8e-9f2e-924ff093c88f.html
- Chefe de estado
angolano condena golpe na República Centro Africana – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2013/2/13/Chefe-Estado-angolano-condena-golpe-Republica-Centro-Africana,13d97e7d-a4a4-41cf-a98c-aff304704cf6.html
- PS considera
caminho da paz complexo – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2013/2/13/considera-caminho-paz-complexo,c9fa62d0-c61e-44f7-bf7b-ffc5b7d98c23.html
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