Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Para o presidente
da República (PR), uma crise política assumidamente grave, para a qual propôs
como primeira hipótese de solução um "Acordo de Salvação Nacional",
deixou de existir desde que, por manobras internas, da União Europeia e da
troika e por malabarismos seus, garantiu a permanência da direita que integra e
promove no poder, nele mantendo e reforçando a sociedade portuguesa (lusa e não
só) de negócios.
Ficou assegurado,
por agora, que os credores podem continuar a espremer-nos, que se vão manter
abertas as torneiras dos cofres do Estado que alimentam as swaps e outras
negociatas, que os processos de privatização dos CTT, da Caixa Geral de
Depósitos e de algumas "miudezas" públicas que ainda nos restam, serão
acelerados. Será aumentado o desemprego, a destruição de pequenas empresas
prosseguirá enquanto surgirão folgas significativas para os grandes grupos, a
dimensão social do Estado continuará a enfraquecer-se.
Ao mesmo tempo o PR
agiu, ardilosamente, de forma a acentuar o descrédito no exercício democrático
da política e distanciou o povo do direito de intervir para discutir e decidir,
em tempo útil, sobre o seu futuro. Este PR parece disposto a fazer tudo o que
estiver ao seu alcance para que o povo conduza a água a moinho errado.
Cavaco Silva não
quer entendimentos dos partidos para se sair destas desastrosas políticas que
vêm sendo prosseguidas. Os entendimentos que reclama são para submeter os
portugueses e o país. É por tudo isto que o atual PR - que afinal é ator bem
ativo da governação e até inventou uma nova forma de Governo de iniciativa
presidencial - significa um dos maiores desastres políticos da nossa
democracia.
A crise que
vivemos, "instituição" criada para impor um brutal retrocesso na vida
de milhões de seres humanos, foi e é, antes do mais, um complexo sarilho
causado pela finança internacional e por quem a colocou em rédea solta, para
facilitar roubos e lavagem de dinheiro. Foi e é, um regabofe de dívida bancária
transformada em dívida pública e uma dívida pública tóxica a queimar as mãos
dos grandes bancos europeus. Para resolver este problema, os artistas que nos
governam no plano europeu e nacional puseram em marcha a arte dos resgates,
fazendo passar essa dívida tóxica para as mãos públicas do Fundo Monetário
Internacional, dos fundos da União Europeia e do Banco Central Europeu, pois
estas são entidades com poder suficiente para subjugar países e povos.
A crise passou a
ser também uma oportunidade para as forças neoliberais e retrógradas imporem uma
contrarreforma social de grandes proporções: redução dos salários, de pensões e
de apoios sociais, regresso à praça de jorna, educação e saúde apenas para quem
pode pagar, deixando para os outros, quando muito, políticas de caridade
bafienta. Se não estivéssemos numa sociedade de classes e perante a
reconfirmação de que a criação de um muito rico impõe sacrifícios a milhões de
indivíduos, a crise até parece sofrimento sem sentido. No final, quase ninguém
ganhará.
Nestes tempos que
vivemos repete-se a constatação de que o poder cega e de que quem o tem prefere
muitas vezes, como o Sansão da Bíblia, que morra Sansão desde que morram todos
os que aqui estão. O tempo vai passando e as contradições e os erros grosseiros
acumulam-se. As decisões políticas são ditadas pelo humor e manipulações dos
"mercados". A soberania que era dos estados, dos seus órgãos e
instituições e em última instância pertencia aos povos, passou a ser das
dívidas - as dívidas soberanas - e os interesses de credores e especuladores definem-se
como "interesse nacional".
Observando a
composição do Governo e as práticas dos governantes, vemos que as exigências de
competência, de rigor, de verdade e de ética para o exercício da governação
deixaram de existir. Estas são efetivas expressões de crise que afetam a vida
coletiva. O povo em sofrimento, sem esperança e com grandes dificuldades para
agir na construção de um projeto coletivo de desenvolvimento; o retrocesso
económico, social e cultural; a destruição da democracia, essas sim, são também
expressões de crise da sociedade a que é preciso dar resposta.
Sem comentários:
Enviar um comentário