Daniel Oliveira – Expresso, opinião
Na quinta-feira
Paulo Portas explicou que, tirando uns cortes aqui e ali, mais nada de
fundamental vinha para massacras os portugueses. E que a TSU dos reformados,
sua famosa linha vermelha, tinha ficado definitivamente de lado. Não vinha aí
qualquer pacote de austeridade. Como escrevi na altura, era evidente que Portas
não estava a contar tudo. 48 horas bastaram para que Portas fosse desmentido e
para que as suas linhas vermelhas fossem rebentadas. O governo vai cortar nas
pensões de sobrevivência. Em vez da TSU dos reformados temos a TSU das viúvas e
dos viúvos. Grande parte delas com idades muitíssimo avançadas. Podia haver
mais abjeto do que isto?
Manda saber o
ministro de Portas, Mota Soares, que este corte só acontecerá quando a pensão
de sobrevivência, acumulada com a pensão da pessoa que está viva, seja superior
a um determinado valor. Ou seja, em vez de se tratar de uma compensação pela
perda de rendimento com a morte do cônjuge, esta pensão passa a ser tratada
como um complemento para sobreviver. Em vez de uma pensão, é um subsídio. A
expressão "sobrevivência" passa a ter um sentido literal,
imaginando-se que esta pensão serve para quem fica ainda se aguentar mais ou
menos vivo.
Como Pedro Adão e
Silva muito bem explicou ontem na SIC Notícias, a existência da pensão de
sobrevivência resulta de uma enorme diferença de rendimentos entre homens e
mulheres (que se reflete numa enorme diferença nos valores das suas reformas)
que se sente ainda muito fortemente nos atuais reformados. Como a longevidade
das mulheres é mais alta, a inexistência destas pensões implicava uma enorme
perda de rendimentos para quem tinha acabado de perder o seu cônjuge. Não se
trata, por isso, de garantir a mera sobrevivência de quem recebe essa reforma,
mas de não obrigar alguém com 80 anos a ter de viver, de um dia para o outro,
com metade, um terço ou menos do que vivia até então.
Para simplificar,
dou um exemplo. Os meus avós eram o típico casal de classe média baixa da sua
geração. Remediados e sem qualquer luxo, poupados e muito pouco gastadores.
Depois do meu avô ter morrido, a minha avó só conseguiu manter o seu nível de
vida anterior graças à sua pensão de sobrevivência. Sem ela, teria sido
obrigada a passar da classe média baixa para a pobreza completa. Percebem o que
é exigir isto a uma pessoa de 75 ou 80 anos? É assim tão difícil perceber a
selvajaria desta medida?
O governo diz que
serão protegidas as pensões e reformas mais baixas. Mas é importante
percebermos do que estamos a falar. A pensão de sobrevivência média é de 180
euros. Muito poucas são superiores a 500 euros. Não é difícil imaginar até onde
tem de ir o governo para conseguir o corte anunciado de 100 milhões de euros
com esta medida. Ou seja, as pensões e reformas continuam a ser tratadas como
uma esmola e não como um direito à dignidade de quem confiou no Estado. A
ideia, no futuro, será esta: quem quiser viver decentemente terá de fazer um
PPR com os bancos. O Estado lida apenas com os indigentes.
Por fim, a medida
é, mais uma vez, retroativa. Aplica-se a quem já estava a receber a reforma e
não às reformas futuras. Se se confirmar que ela é extensível à Caixa Geral de
Aposentações (as notícias têm sido contraditórias), estamos perante o terceiro
corte consecutivo nas pensões dos funcionários do Estado.
Não me venham, por
favor, defender esta medida com a conversa sobre da insustentabilidade das
contas públicas. Este é o mesmo governo que nos anunciou, há poucos meses, uma
redução das taxas de IRC que terá, nos próximos cinco anos, um impacto
orçamental acumulado de 1,2 mil milhões de euros. Perdas que têm de ser
compensadas. Não defendo impostos altos para as empresas. Mas na política
fazem-se escolhas. E, na prática, a escolha tem sido tirar a reformados e
trabalhadores para garantir uma redução de um imposto que é tudo menos certo
que venha a ter um impacto visível no emprego ou no crescimento económico.
Leia mais em
Expresso
Sem comentários:
Enviar um comentário