Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião
A espaços, Portugal
faz a retoma de uma esperança vã: o ressurgimento de el-rei D. Sebastião,
sabe-se lá se numa manhã de nevoeiro. O monarca desapareceu a 4 de agosto de
1578 na batalha de Alcácer-Quibir e desde então há uma espécie de desejo
coletivo de recuperação de um figurante referencial.
As fases de agrura
são, naturalmente, as mais propícias à retoma da lenda de Alcácer-Quibir - e o
país vive uma delas. A falta de exigência - ou mesmo a indiferença geral - foi
permitindo a legitimação nos vários patamares do Poder de personagens sem o
saber e o carisma bastantes para se tornarem faróis suscetíveis de ser
seguidos. A rarefação nos valores da ética e da moral, é sabido, resultou em
algo de muito preocupante: a degradação da imagem dos vários órgãos de
soberania. Presidência da República, Governo, Assembleia da República, os
vários patamares do exercício da Justiça, enfim, toda a panóplia de postos
através dos quais é expectável fortificar um Estado de direito democrático,
vivem dias difíceis. Estão descredibilizados e não são capazes de gerar um
movimento de confiança no povo.
A imagem geral pode
até ser pontualmente injusta, mas, chegados aqui, eis-nos perante a
consequência previsível: ressurgiu um pico de sebastianismo segundo parâmetros
diversos; das homenagens contendo o desejo subliminar, como sucedeu
recentemente com o general Ramalho Eanes, ou pondo em movimento plataformas
capazes de no médio prazo redundarem na reciclagem das práticas e dos
princípios de governação e na qual é Rui Rio, o ex-autarca do Porto, o
manifestamente desejado por múltiplos setores - seja pelo seu discurso e
comportamento austero, seja por dele se dispor da imagem de alguém desalinhado
de todos os poderes instituídos, incluindo os fácticos.
Ao espírito geral
não calha mal acreditar em el-rei D. Sebastião. A questão é outra: é ter
presente a capacidade de intervenção de todos os intervenientes no processo de
restauro da credibilidade do Poder e, mais do que isso, a sinceridade ou a
agenda escondida em cada um dos agentes aspirantes a promotores de mudanças.
O surgimento de
"Uma Agenda para Portugal", acoplando Rui Rio à sucessão de Passos
Coelho na liderança do PSD, é paradigmático. Sem dar a cara, são vários os
próximos de Passos Coelho a visionarem o futuro de médio prazo e a fazerem uma
espécie de espargata: estão ao lado do líder - será reeleito nas diretas e
levado em ombros no congresso de fevereiro -, mas já apontam ao óbvio, isto é,
ao episódio seguinte à queda de Passos Coelho nas próximas legislativas,
antecipadas ou só em 2015.
Dois dados são
evidentes, embora não reconhecidos, para já: Passos Coelho já tem algumas
facadinhas nas costas e Rui Rio, implacável a seguir, bem pode começar a fazer
a agenda dos oportunistas antecipados.
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