quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Portugal: EL-REI D. SEBASTIÃO E A ESPARGATA

 

Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião
 
A espaços, Portugal faz a retoma de uma esperança vã: o ressurgimento de el-rei D. Sebastião, sabe-se lá se numa manhã de nevoeiro. O monarca desapareceu a 4 de agosto de 1578 na batalha de Alcácer-Quibir e desde então há uma espécie de desejo coletivo de recuperação de um figurante referencial.
 
As fases de agrura são, naturalmente, as mais propícias à retoma da lenda de Alcácer-Quibir - e o país vive uma delas. A falta de exigência - ou mesmo a indiferença geral - foi permitindo a legitimação nos vários patamares do Poder de personagens sem o saber e o carisma bastantes para se tornarem faróis suscetíveis de ser seguidos. A rarefação nos valores da ética e da moral, é sabido, resultou em algo de muito preocupante: a degradação da imagem dos vários órgãos de soberania. Presidência da República, Governo, Assembleia da República, os vários patamares do exercício da Justiça, enfim, toda a panóplia de postos através dos quais é expectável fortificar um Estado de direito democrático, vivem dias difíceis. Estão descredibilizados e não são capazes de gerar um movimento de confiança no povo.
 
A imagem geral pode até ser pontualmente injusta, mas, chegados aqui, eis-nos perante a consequência previsível: ressurgiu um pico de sebastianismo segundo parâmetros diversos; das homenagens contendo o desejo subliminar, como sucedeu recentemente com o general Ramalho Eanes, ou pondo em movimento plataformas capazes de no médio prazo redundarem na reciclagem das práticas e dos princípios de governação e na qual é Rui Rio, o ex-autarca do Porto, o manifestamente desejado por múltiplos setores - seja pelo seu discurso e comportamento austero, seja por dele se dispor da imagem de alguém desalinhado de todos os poderes instituídos, incluindo os fácticos.
 
Ao espírito geral não calha mal acreditar em el-rei D. Sebastião. A questão é outra: é ter presente a capacidade de intervenção de todos os intervenientes no processo de restauro da credibilidade do Poder e, mais do que isso, a sinceridade ou a agenda escondida em cada um dos agentes aspirantes a promotores de mudanças.
 
O surgimento de "Uma Agenda para Portugal", acoplando Rui Rio à sucessão de Passos Coelho na liderança do PSD, é paradigmático. Sem dar a cara, são vários os próximos de Passos Coelho a visionarem o futuro de médio prazo e a fazerem uma espécie de espargata: estão ao lado do líder - será reeleito nas diretas e levado em ombros no congresso de fevereiro -, mas já apontam ao óbvio, isto é, ao episódio seguinte à queda de Passos Coelho nas próximas legislativas, antecipadas ou só em 2015.
 
Dois dados são evidentes, embora não reconhecidos, para já: Passos Coelho já tem algumas facadinhas nas costas e Rui Rio, implacável a seguir, bem pode começar a fazer a agenda dos oportunistas antecipados.
 

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