domingo, 5 de janeiro de 2014

AS NEGOCIAÇÕES POR UM ACORDO ENTRE MERCOSUL E UNIÃO EUROPEIA

 


Para poder decidir que tipo de entendimento com a Europa é possível e conveniente para o Mercosul é imprescindível transparência e análises sérias.
 
Jorge Marchini – Carta Maior
 
A transcendência das negociações em marcha para a assinatura de um acordo de liberalização econômica e comercial do Mercosul com a União Europeia (UE) requer que estas sejam conhecidas em forma ampla e postas em debate público. Devem eliminar-se sem mais demora os níveis de confidencialidade que hoje exigem os negociadores europeus e contraditoriamente defendem como “compreensível” porta-vozes do establishment local que não temem criticar publicamente (ou cinicamente?) “a falta de transparência” ou reivindicar “maior controle democrático da gestão pública”. Existe o perigo de aceitar uma negociação a livro fechado e como fato consumado, para só depois ser posta à consideração pública e parlamentar.

É necessário reconhecer que a negociação Mercosul - União Europeia tem uma enorme importância estratégica. Trata-se de vínculos de sociedades e economias com enormes potencialidades de cooperação e complementação. Não há dúvida que melhorar e ampliar as relações entre duas regiões tão importantes deve ser um objetivo prioritário com chaves geopolíticas.

De todas as formas, um acordo de livre comércio (TLC) com condições similares as que a UE estabeleceu para outros países latino-americanos - por exemplo, os postos em marcha recentemente com a Colômbia e o Peru - poderia ser absolutamente contraditório com os propósitos de desenvolvimento econômico independente que proclamaram em forma reiterada os governos e tantas declarações orgulhosas dos principais líderes da região por haver recusado a proposta de um acordo similar, a ALCA, no 2005. Ainda que o denominássemos com eufemismos tais como “acordos de cooperação econômica” muitas de suas condições e exigências poderiam ser ainda mais severas que as propostas então pelo impositivo governo de George W. Bush.

Abrir-se a troco de que?

É necessário destacar que os aspectos comerciais são apenas um dos capítulos, e talvez não o mais importante, das negociações em marcha. Ainda sem contar com informação detalhada imprescindível, mas sem o antecedente de acordos similares negociados pela UE recentemente, é possível supor que a UE estaria solicitando que se comprometa a eliminação recíproca em um curto prazo dos tributos de mais de 80% do espectro tarifário.

Com toda segurança, ainda que pudesse outorgar algumas concessões e promessas, a UE continuará sustentando subvenções e proteção a seu setor agrícola. Se privariam assim os países do Mercosul de poder alcançar o que seria o benefício comercial esperado mais importante a troco de uma abertura inédita massiva dos mercados locais a uma competição aberta de uma economia mais desenvolvida; sobretudo evidente para muitíssimos produtos industriais. Se repetiria, ainda em um maior grau, um cenário de graves descompensações comerciais que hoje observamos na própria Europa pelas assimetrias entre os países do norte em relação aos do sul e do leste.

De forma enganosa se costuma afirmar que se trataria apenas de uma negociação comercial. Não é assim, a maior parte dos temas em discussão são de caráter estrutural e comprometem o conjunto da economia em aspectos críticos tais como serviços, patentes, propriedade intelectual, compras públicas, investimentos e competição. A eventual provisão do tratamento de “nação mais favorecida” aos países da UE, ainda que fossem incluídas salvaguardas de exceção, vulneraria os muito proclamados objetivos de defender e priorizar a diversificação de matrizes produtivas. Para isso se requerem estratégias e políticas públicas elementares de desenvolvimento, utilizadas historicamente também pelos países europeus, através da substituição de importações, priorizar a compra nacional, brindar créditos diferenciais para o desenvolvimento de regiões ou setores mais desfavorecidos. O futuro de nossos países pode ser completamente comprometido por uma má negociação.

Por enquanto, as exigências desse tipo de acordo, de inibir decisões soberanas independentes para introduzir mudanças legislativas, tarifárias, financeiras ou impositivas, vulnerariam a capacidade elementar de nossos países para reordenar, ponderar, redirecionar excedentes, priorizar a integração com a América Latina, e redirecionar as rendas diferenciais obtidas pela exploração de recursos agropecuários, de mineração e energéticos.

Onde estão as análises custo-benefício?

Para poder decidir que tipo de entendimento com a Europa é possível e conveniente para o Mercosul resulta imprescindível que os governos, entidades setoriais, partidos e organizações sociais e acadêmicas que proclamam defender o interesse nacional e regional não se deixem levar por enunciações superficiais e se convoquem imediatamente análises sérias tanto gerais como regionais e setoriais que incluam análises sobre efeitos estruturais de curto e longo prazo e possíveis alternativas.

No imediato, é preciso contrapor ultimatos (Exemplo: afirmar que deve negociar agora ou nunca), possíveis manobras (Exemplo: eventuais ameaças de propor negociações “multiparte” em forma independente, tal como o fez com a Comunidade Andina, para romper a unidade do Mercosul) ou comum e corrente distorção da realidade (não esclarecendo que as consequências econômicas reais da finalização de preferências tarifárias por parte da UE a partir do próximo dia 1° de janeiro para a Argentina, Brasil e Uruguai serão marginais e podem ser assimiladas pontualmente).

Existem antecedentes internacionais que devem também ser estudados de opções mais equilibradas para a negociação com a União Europeia e outros países e regiões mais industrializados para superar assimetrias.

Não deve continuar uma negociação crucial com a União Europeia só em mãos de um grupo pequeno de “especialistas” e a pressão de grupos de interesse e meios de comunicação superficiais ou setorizados por posições ideológicas e interesses econômicos particulares, como vem se repetindo ao longo de anos.

José Antonio Ocampo, que foi Ministro de Fazenda de seu país, Colômbia, e Secretário Geral da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina das Nações Unidas) afirmou recentemente que “as negociações internacionais devem ter visão estratégica, agora há uma indigestão de TLC, pois assinamos onde nos ocorreu sem o suficiente estudo e discussão sobre sua conveniência”. Que não nos aconteça o mesmo. Por favor, aprendamos da experiência.

(*) Professor Titular de Economia da Universidade de Buenos Aires - Investigador do Centro de Investigação e Gestão da Economia Solidária - CIGES - Vice-presidente da Fundação para a Integração da América Latina- FILA
 

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