Rui Peralta, Luanda
I - Os ideólogos do
sionismo, os seus historiadores e os seus distintos grupos e sectores,
ignoraram a presença dos judeus palestinianos. Foram muitos os judeus
palestinianos e judeus árabes que durante o Mandato Britânico da Palestina,
militaram nas fileiras da Palmach, um comando sionista que foi referenciado
como “terrorista”. Os caminhos da luta levaram-nos ao sionismo, ao qual
entregaram os melhores anos da sua vida, de forma incondicional e alguns
revelaram-se estrategas brilhantes (como, por exemplo, Mattityahu Peled, que
foi general do IDF, as Forças de Defesa de Israel).
Os caminhos que os
conduziram ao sionismo levaram, estes combatentes, após a formação do Estado de
Israel, á resistência palestiniana, muitos deles convertidos á metodologia da
não-violência, forma de luta que foi também assumida por diversos intelectuais
palestinianos como Issam Sartawi e Walid Khalidi. Este sector da sociedade
israelita representa um outro Israel, um país de paz e justiça, um Estado
democrático e laico, em oposição ao actual Estado Judaico Terrorista. São
homens e mulheres que lutaram por um Israel onde não fosse possível ocorrerem
casos como os do recente período natalício, em que 4 jovens palestinianos morreram
às mãos do IDF, número de mortos que parece ter sido insuficiente para ser
notícia na indústria mediática internacional.
O que levou esta
comunidade a mudar de ideias, passando de “falcões” a resistentes decididos a
obter a paz? Em primeiro lugar o Estado Terrorista de Israel, que ao pretender
tornar-se num Estado exclusivamente judeu, caiu na tentação do etnocídio,
eliminando palestinianos – quer sejam ateus, cristãos ou islâmicos – que
decidiram ficar a viver em Israel e cujo crescimento demográfico é impossível
de deter. Os judeus da Palestina, pertencentes á geração nascida durante o
Mandato Britânico, assumiram, numa primeira etapa, a sua condição de judeus,
horrorizados com o Holocausto da II Guerra Mundial e com o sofrimento dos
judeus da (e na) Europa, compartilhando a ideologia sionista com o intuito de
resolver o que o Ocidente racista denominava “problema judeu”, “questão judaica”.
Grande parte desta comunidade assumiu a ideia de implantação de um Estado
judaico na Palestina, como forma de resolução do problema e aderiram á luta
armada contra os ingleses, realizando atentados, sabotagens e outras acções.
Para este sector os ingleses eram invasores e muitos converteram-se em
guerrilheiros judeus.
Em 1907 os ingleses
implantaram um enclave colonial na Palestina, com o intuito de impedir a
independência destes territórios e de impossibilitar a união e soberania dos
povos árabes. Para isso elaboraram o Informe Campbell-Bannerman, um documento
redigido por peritos da Inglaterra, França, Bélgica, Holanda, Itália, Espanha e
Portugal e que o Imperio britânico manteve secreto por um século. Os
guerrilheiros judeus do Palmach desconheciam o informe, mas foram um dos
factores que levaram á sua anulação na práctica, mesmo ignorando o documento e
correndo o risco, em algumas das suas acções no terreno e da sua linha
politica, de serem utilizados para os fins do Imperio.
Este percurso levou
muitos destes homens e mulheres a aprender que a terra não pertence a ninguém,
mas que os Homens pertencem á terra donde nasceram. Aprenderam esta lição na
luta contra o colonialismo britânico e reaprenderam, anos mais tarde - depois
da implementação do Estado de Israel - no sofrimento dos palestinianos, seus
compatriotas, às mãos do IDF, convertido em exército de ocupação. Esta
reaprendizagem levou-os a combater contra a colonização sionista, imposta às
populações palestinianas, árabes e berberes.
Permaneceram
actores, encarnando o mesmo personagem, mas num diferente cenário, encabeçado
por diferentes personagens.
II - Se fizermos
uma análise exaustiva aos textos escolares israelitas, ficaremos perplexos com
as inexactidões e a as falsidades inculcadas aos estudantes israelitas, sobre a
Palestina e os palestinianos. Neste país os livros escolares são escritos para
jovens que cumprirão, compulsivamente, aos 18 anos de idade o serviço militar
obrigatório. Estamos, assim, na presença de um Estado para o qual as políticas
de Educação têm como finalidade a criação de super-soldados, um pouco á imagem
e semelhança das políticas nazis na Alemanha da década de 30 e 40 do século
passado.
Este é um dos
muitos obstáculos á criação de um Estado laico e democrático, que mina por
completo os resíduos estruturais democráticos ainda existentes na sociedade
israelita e que afecta de forma profunda a integridade ética da sociedade
israelita. O Estado de Israel não foi, afinal, implantado para resolver “a
questão judaica”, mas sim para cumprir o papel de enclave colonial. O Informe
Campbell-Bannerman continua, desta forma, a ser cumprido.
A crença do “povo
eleito” e da “terra prometida” acabam por ser o grande coveiro do pensamento
democrático sionista, tornando o sionismo uma imensa colagem de discursos
incongruentes, ao estilo do fascista judeu Avigdor Lieberman – um imigrante
russo chegado a Israel em 1987- que em nome do “povo eleito na terra prometida”
pretende expulsar e exterminar os palestinianos. O perigo deste mito e a ameaça
que representam para a democracia em Israel estão patentes no quotidiano da
sociedade israelita, na violência sem limites, nas agressões e humilhações a
que os palestinianos são sujeitos, nos roubos de terras a que os berberes
assistem como vitimas.
A este Israel, a
esta Palestina opõem-se as palavras de Abu Ali Shahin, comandante da Fatah,
líder dos presos políticos palestinianos por mais de duas décadas, um dos
assistentes mais próximos de Arafat e um dos homens mais procurados pelos
sionistas: “Todos pertencemos a esta terra e necessitamos de viver juntos. Nem
Estado Árabe, nem Estado Judeu. O judaísmo é uma religião e eu luto por um
Estado secular. Essa é a única forma de todos vivermos aqui. Ser judeu,
muçulmano, cristão ou ateu, é uma opção pessoal, não é uma questão de eu ditar
ou que os outros ditem. Não quero um sacerdote, um rabino ou um shaij a
governarem a minha vida. Pertencemos a esta terra e necessitamos de viver aqui
como iguais. E isso apenas será possível num Estado democrático secular”.
Esta mensagem de
Abu Ali Shahin é também parte do manifesto da Fatah e do programa da OLP: a
criação de uma democracia secular na Palestina. E neste ponto os combatentes
palestinianos cruzam-se com os velhos combatentes sionistas, sejam de origem
europeia (que andaram nos campos de batalha da guerra civil de Espanha, ou que
provinham da Revolução soviética), ou dos judeus árabes, os judeus do Norte de
África e os judeus palestinianos (alguns deles islamizados, outros cristãos).
As elites sionistas
actuais espalham museus necrófilos por toda a Europa, amparando-se nas mortes e
no sofrimento dos judeus europeus que padeceram os horrores da II Guerra
Mundial, que foram vítimas do Holocausto e da brutalidade nazi e do
esquecimento dos governos ocidentais. Mas, em Israel, sinistras figuras
fascistoides como Lieberman ou Marcos Aguini (que lança longas e prolongadas
diatribes contra os palestinianos), falam o que as elites sionistas não podem
dizer no exterior.
Para os
palestinianos, um outro Israel é essencial para a reconstrução de uma Palestina
democrática. Para os judeus a democracia e a Paz são as únicas formas de construírem
um espaço onde a memória dos seus antepassados vítimas das barbáries
identitárias, não seja esquecida. Para ambos, judeus e palestinianos, há uma
ponte, fundamental, em construção e que urge ser reforçada.
Afinal, não é todos
os dias que podemos falar de um palestiniano sionista, de um árabe cristão, de
um berbere ateu ou de judeus islâmicos…
III - O maior
perigo que corre Israel não é a bomba nuclear iraniana. O maior perigo advém
dos seus dirigentes, o que diga-se em abono da verdade, não é um exclusivo de
Israel. A mediocridade e a imbecilidade são factores preponderantes nas actuais
lideranças mundiais e esse não é um sinal dos tempos. Já noutras épocas
existiram conjunturas idênticas, em que a imbecilidade demente predominava nas
elites de poder, como em 1914, em que essa acumulação de incompetências
conduziu á I Guerra Mundial. No entanto no meio da actual incompetência
generalizada, Benjamin Netanyahu e o seu gabinete ministerial alcançaram um
novo recorde nos medidores de insensatez e da ausência de bom senso.
O perigo não é o
Irão. Aliás o Irão é o grande vencedor. Foi reconhecido no seio da comunidade
internacional, a sua moeda está em fase de revalorização, o seu prestígio e
influência na região tornaram-se fundamentais e os seus inimigos no mundo
islâmico – a Arábia Saudita e os Estados do Golfo – foram humilhados. A imagem,
vendida pelo Ocidente, de um Irão governado por aiatolas dementes,
desvaneceu-se e com ela a hipótese de um ataque militar ao Irão, pelo menos na
actual conjuntura. A opinião publica internacional – e a Ocidental, em
particular – vê, agora, o Irão como um país responsável, com lideranças sóbrias
e astutas.
O grande derrotado
é Israel. As manobras da elite sionista conduziram-no, nesta questão, a uma
posição isolada, assistindo ao distanciamento dos seus tradicionais amigos.
Acima de tudo, as relações entre Israel e os USA foram afectadas. A dependência
total de Israel em relação aos USA é assunto conhecido por todos, inclusive
pelos mais acérrimos defensores do sionismo. Mas há um aspecto neste
relacionamento que nunca é focado: os corredores conducentes á Casa Branca,
controlados por Israel. Este activo é uma posição única e de grande vantagem
para Israel. Ora, a derrota do governo de Netanyahu na questão iraniana, minou
estes corredores e a perda é incalculável.
Os políticos
israelitas, iguais á grande maioria dos seus colegas no resto do mundo, não são
gente versada em História. Preferem mergulhar na intriga política e nas
cotoveladas nos bastidores, a cultivarem os espíritos, lendo alguns livros de
História, ou assistindo a palestras e conferencias. Porque se estudassem
qualquer coisa de História, nunca teriam construido a armadilha em que eles
próprios caíram. É que não basta olhar para o mapa e saber onde está o Estreito
de Ormuz. É essencial saber o que este estreito representa no grande painel de
mosaicos em que Israel encontra-se geográfica e culturalmente inserido.
Qualquer acção militar contra o Irão está condenada ao fracasso – na melhor das
hipóteses – ou a desencadear uma guerra de grande amplitude, o que fará
eclipsar, em primeiro lugar, a rede petrolífera e afins.
A nova palavra de
ordem da propaganda sionista é que o “Irão engana”. A mensagem que está a ser
passada pela indústria mediática a soldo da elite sionista é que os “iranianos
são mestres na arte do engano”. Esta estratégia é reveladora do racismo
intrínseco da elite sionista, mas é também o reflexo do próprio passado de
Israel. Quando na década de 50 do século passado, Israel iniciou o seu programa
nuclear, em parceria com a França, enganou toda a gente, com uma eficácia
impressionante. Nesses tempos idos, a Lakam – uma agência israelita de
inteligência, especializada em espionagem industrial e tecnológica,
desmantelada durante a década de 80 – adquiriu os materiais necessários para o
arranque do programa nuclear. Os ensaios foram realizados longe da vista do
mundo, na África do Sul (no regime do apartheid, um velho aliado do sionismo),
na orla litoral banhada pelo Oceano Indico. A História (que as elites teimam em
ignorar) está carregada de ironias e uma delas foi o facto de, nesses tempos, o
Irão (governado pelo Xá) ter uma grande cooperação com Israel e a Mossad ter
ajudado o Irão no seu programa nuclear (iniciado durante a administração do Xá,
com o apoio dos USA e da NATO).
No que se refere á
camuflagem israelita e á forma como estes enganaram a comunidade internacional
em relação ao seu projecto nuclear, basta referir que o edifício do reactor
nuclear de Dimona era uma “fábrica têxtil” e que os convidados estrangeiros de
visita ao edifício de Dimona eram enganados com paredes falsas, pisos ocultos e
outras artimanhas. Portanto, quando as elites sionistas acusam os iranianos de
estarem a enganar a comunidade internacional, estão, no fundo, a reproduzir o seu
comportamento anterior, dos tempos em que para iludir a aplicação e o
desenvolvimento do seu programa nuclear, ludibriaram este mundo e o outro.
Mas a encenação
maior é a indignação com que Israel refere o facto de que os norte-americanos
terem optado por manter um via diplomática secreta com o Irão, como se Israel
não tivesse conhecimento disso! E o tom indignado dos sionistas atinge o choro,
quando afirmam, a soluçar, que esse acordo USA / Irão foi obtido através desses
encontros secretos e não durante as demoradas negociações em Genebra. E para
que os USA não fiquem com dúvidas de como é que os serviços de informação
israelita sabiam dessa via diplomática secreta, os sionistas afirmam que a
fonte foi a Arábia Saudita e não um dos milhões de informadores que Israel tem
na administração norte-americana e corredores afins (Congresso, Senado,
Agências…)!
E para os que
pensam que na esquerda sionista existe contestação a esta birra sobre a Pérsia,
estão equivocados. O novo líder trabalhista, Yitzhak Herzog, juntamente com a
centrista Tzipi Livni e com Netanyahu, é um guardião do muro das lamentações…
IV - O apartheid
sionista não é do mesmo tipo do apartheid sociobiológico das elites bóeres que
governaram a África do Sul, nem do mesmo tipo de apartheid sociocultural ou
etno-social que as elites africanas e asiáticas praticam, nem do género de
apartheid social-hereditário das elites hindus, ou do tipo de apartheid social
das oligarquias sul-americanas, nem mesmo do novo tipo de apartheid das
novíssimas e sempre liberais elites ocidentais. O apartheid sionista é um
hibrido, onde misturam-se todos estes tipos e géneros. É racista, classista,
arrogante, tem conotações religiosas, biológicas e genéticas, étnicas, mas tudo
bem doseado e em busca de um equilíbrio da atitude, que mais nenhum outro mito
identitário conseguiu.
O eixo deste
equilíbrio é a cultura milenária do judaísmo, a religião hebraica, de raiz
semita que sempre representou um arquétipo contraditório, mesmo dialéctico, na
vida das comunidades judaicas. Por exemplo: a contradição povo eleito /
movimento de libertação (tanto no que respeita a luta contra o faraó e a
escravatura no Imperio do Egipto, como á luta de libertação nacional no Imperio
romano); ou a contradição teológica em que Deus é apresentado, numas passagens,
como Senhor dos Exércitos e noutras (quando não nas mesmas) como um ser
profundamente justo e misericordioso (embora esta seja uma característica
semita, visível também no Islamismo e que marcam, ainda, o Cristianismo,
nascido no seio do judaísmo). Em termos prácticos esta contradição pode ser
observada em qualquer hospital israelita, onde podem ser encontrados pacientes
e internados judeus, árabes, berberes, palestinianos, etc..
Em Israel o
apartheid é camuflado por uma série de factores, que devidamente trabalhados
pelo discurso oficial passam de secundários a principais, como a segurança
(este assunto não consegue ser tratado com mais mestria do que em Israel), as
referências históricas ao Holocausto, ou a “origem divina” da terra. Se for
feita uma sopa com estes três ingredientes, teremos um cenário onde os judeus,
vítimas de perseguições através da História da Humanidade (sempre perseguidos
pelos carros do faraó, ou pelo menos pelos que conseguiram contornar a separação
das águas, realizada por Moisés), vítimas das atrocidades da barbárie nazi (o
Holocausto), em busca da “Terra Prometida”, durante milénios e agora nela
residentes, têm toda a legitimidade para manterem-se nos territórios ocupados e
de forma impune (porque é assim que no Antigo Testamento o Senhor dos Exércitos
“fere” os seus inimigos) executa os seus oponentes e ultrapassa todas as normas
e recomendação da ONU.
Vejamos um exemplo
do apartheid sionista: a Cisjordânia. Existem dois sistemas judiciais em vigor:
um civil, para judeus e outro militar, para os palestinianos. Esta filosofia é
válida, também, para as infraestruturas: estradas para os judeus circularem
(sempre em bom estado); estradas (sinuosas) feitas para os palestinianos
circularem; rede de distribuição eléctrica para judeus e outra para
palestinianos; um sistema de abastecimento de água para judeus e outro para
palestinianos e inclusive locais, semelhantes aos bantustões do apartheid
sul-africano de outros tempos, onde os palestinianos administram – de forma
muito limitada – os seus assuntos públicos. Aliás no ano em que os
sul-africanos aboliram os sistemas de restrições de viagens e as normas
impeditivas da livre-circulação de pessoas no território sul-africano (1991),
entrou em vigor um sistema de vistos e de restrições á livre-circulação de
pessoas em Israel.
No entanto os
palestinianos que são cidadãos israelitas votam. Este é um elemento que
distingue o apartheid sionista do seu congénere sul-africano de outros tempos.
Em Israel os cidadãos árabes são eleitores, exercem o seu direito de voto (o
voto deve sempre ser entendido como um direito, nunca como uma obrigação, como
acontece em algumas legislações ou como as elites pretendem fazer crer, para
poderem obter uma legitimidade mais consensual), mas servem apenas para votar
(á semelhança do que acontece na maioria do continente africano, onde o voto é
a única possibilidade de expressar a soberania popular, mas em que a
participação é vedada, em nome de uma pretensa estabilidade, o malcheiroso pântano
africano da paz podre da putrefação social), estando excluídos da participação.
Em relação á Africa
do Sul existia um componente essencial no tempo do apartheid que era a relação
entre raça e classe. A classe operária era maioritariamente negra e a burguesia
maioritariamente branca. Em Israel o capitalismo não depende da mão-de-obra
palestiniana, embora esta seja importante em alguns sectores da economia.
Um outro factor de
relevo no apartheid sionista em Israel é diferenciação a que os judeus são sujeitos
entre si, segundo a sua origem (judeus europeus, judeus árabes e judeus
africanos), a residência, (nos centros urbanos ou nas periferias) ou o tempo de
permanência (entre os que chegaram á muito ao país, os que nasceram em Israel,
os que chegaram depois, ou vão chegando). Estes factores no entanto são
geralmente factores de diferenciação (que cavam fossos sociais, mais notórios
nos judeus africanos, que estão em ultimo lugar nesta escala) sem grandes
efeitos no plano jurídico.
Qualquer judeu,
seja qual for a sua origem, usufrui dos direitos da Lei de Retorno, podendo
regressar ao país em qualquer altura da sua vida, direito que não é aplicável
aos palestinianos nascidos em Israel. Da mesma forma, os judeus podem mudar de
residência livremente (alguém que viva em Telavive, pode mudar-se para a Margem
ocidental), mas um palestiniano que resida em Belém, por exemplo, não pode
mudar para as zonas costeiras. A escala de desigualdades tem diferentes
patamares para os residentes da Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jerusalém Este e
todos os cidadãos palestinianos de Israel. Estas divisões e subdivisões são
desenhadas em função da fragmentação da nação palestiniana, criando diferente
enfoques em relação á “área”, as “zonas”, de forma a diferenciar palestinianos,
drusos, berberes, beduínos, árabes, mouros e depois em função da identidade
cultural e religiosa (cristãos, muçulmanos e respectivas matizes).
Estes princípios de
desigualdade são administrados por uma burocracia minuciosa, de forma a
beneficiar o grupo hegemónico. Vejamos por exemplo a Zona C da Cisjordânia. Uma
forma de entender a administração colonial da Zona C é recuarmos á década de 50
na África do Sul, quando o governo racista desalojou os residentes negros e
mestiços das suas casas e despejou-os das suas terras, para criar espaço de
colonização para os brancos. Na Zona C passou-se o mesmo. Os colonos sionistas
desalojaram os residentes palestinianos e apossaram-se das terras dos
palestinianos. Estamos, portanto, na presença de uma componente colonial comum.
Se é certo que o
apartheid racial institucionalizado desapareceu na África do Sul (pelo menos
institucionalmente, claro que na sociedade ainda existem sectores onde estes
sentimentos e estruturas culturais estão arreigados) o apartheid classista nunca
foi abolido e tomou, inclusive novas formas e características. E isso parece
despertar a atenção das elites sionistas, se atendermos á forma calorosa com
que Shimon Peres elogiou Nelson Mandela.
Não deixa de ser
curioso o facto de Peres, que jogou um importante papel nas relações económicas
e na cooperação militar entre Israel e o governo bóer (cujos ideólogos eram
pró-nazis) da África do Sul, fosse um dos pais fundadores dos assentamentos na
Cisjordânia e seja o instigador principal da “solução funcional” (uma daqueles
diatribes que “harmoniza” a “solução final” dos nazis, transformando-a num
instrumento mais soft e “liberal” de genocídio), ter prestado tamanhos encómios
a Mandela.
O drama maior é que
o perdão torna-se imperdoável e com sabor a traição. Por isso perdoa-lhes Tu,
Pai! Não porque eles não saibam o que estão a fazer, mas porque o fazem da
única forma que sabem…
Fontes
Peled,Miko El hijo
del general. El viaje de un israelí en Palestina. Editorial Canaán, Buenos
Aires, 2013
D. Smith, Anthony Chosen
peoples. Sacred Sources of National Identity. Oxford University Press, 2003.
Prior, Michael La
Biblia y el colonialismo. Una crítica moral. Editorial Canaán, Buenos
Aires,2005.
Chedid, Saad y
Masalha,Nur La Biblia leída con los ojos de los cananeos. Editorial Canaán,
Buenos Aires, 2012.
Peled-Elhanan,
Nurit Palestine in Israel School Books. Ideology and Propaganda in Education.
I. B. Tauris & Co. Ltd., New York, 2012
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