domingo, 5 de janeiro de 2014

O DRAMA HUMANO DOS DIVINOS COMERCIANTES

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - Os ideólogos do sionismo, os seus historiadores e os seus distintos grupos e sectores, ignoraram a presença dos judeus palestinianos. Foram muitos os judeus palestinianos e judeus árabes que durante o Mandato Britânico da Palestina, militaram nas fileiras da Palmach, um comando sionista que foi referenciado como “terrorista”. Os caminhos da luta levaram-nos ao sionismo, ao qual entregaram os melhores anos da sua vida, de forma incondicional e alguns revelaram-se estrategas brilhantes (como, por exemplo, Mattityahu Peled, que foi general do IDF, as Forças de Defesa de Israel).
 
Os caminhos que os conduziram ao sionismo levaram, estes combatentes, após a formação do Estado de Israel, á resistência palestiniana, muitos deles convertidos á metodologia da não-violência, forma de luta que foi também assumida por diversos intelectuais palestinianos como Issam Sartawi e Walid Khalidi. Este sector da sociedade israelita representa um outro Israel, um país de paz e justiça, um Estado democrático e laico, em oposição ao actual Estado Judaico Terrorista. São homens e mulheres que lutaram por um Israel onde não fosse possível ocorrerem casos como os do recente período natalício, em que 4 jovens palestinianos morreram às mãos do IDF, número de mortos que parece ter sido insuficiente para ser notícia na indústria mediática internacional.
 
O que levou esta comunidade a mudar de ideias, passando de “falcões” a resistentes decididos a obter a paz? Em primeiro lugar o Estado Terrorista de Israel, que ao pretender tornar-se num Estado exclusivamente judeu, caiu na tentação do etnocídio, eliminando palestinianos – quer sejam ateus, cristãos ou islâmicos – que decidiram ficar a viver em Israel e cujo crescimento demográfico é impossível de deter. Os judeus da Palestina, pertencentes á geração nascida durante o Mandato Britânico, assumiram, numa primeira etapa, a sua condição de judeus, horrorizados com o Holocausto da II Guerra Mundial e com o sofrimento dos judeus da (e na) Europa, compartilhando a ideologia sionista com o intuito de resolver o que o Ocidente racista denominava “problema judeu”, “questão judaica”. Grande parte desta comunidade assumiu a ideia de implantação de um Estado judaico na Palestina, como forma de resolução do problema e aderiram á luta armada contra os ingleses, realizando atentados, sabotagens e outras acções. Para este sector os ingleses eram invasores e muitos converteram-se em guerrilheiros judeus.
 
Em 1907 os ingleses implantaram um enclave colonial na Palestina, com o intuito de impedir a independência destes territórios e de impossibilitar a união e soberania dos povos árabes. Para isso elaboraram o Informe Campbell-Bannerman, um documento redigido por peritos da Inglaterra, França, Bélgica, Holanda, Itália, Espanha e Portugal e que o Imperio britânico manteve secreto por um século. Os guerrilheiros judeus do Palmach desconheciam o informe, mas foram um dos factores que levaram á sua anulação na práctica, mesmo ignorando o documento e correndo o risco, em algumas das suas acções no terreno e da sua linha politica, de serem utilizados para os fins do Imperio.
 
Este percurso levou muitos destes homens e mulheres a aprender que a terra não pertence a ninguém, mas que os Homens pertencem á terra donde nasceram. Aprenderam esta lição na luta contra o colonialismo britânico e reaprenderam, anos mais tarde - depois da implementação do Estado de Israel - no sofrimento dos palestinianos, seus compatriotas, às mãos do IDF, convertido em exército de ocupação. Esta reaprendizagem levou-os a combater contra a colonização sionista, imposta às populações palestinianas, árabes e berberes.
 
Permaneceram actores, encarnando o mesmo personagem, mas num diferente cenário, encabeçado por diferentes personagens.
 
II - Se fizermos uma análise exaustiva aos textos escolares israelitas, ficaremos perplexos com as inexactidões e a as falsidades inculcadas aos estudantes israelitas, sobre a Palestina e os palestinianos. Neste país os livros escolares são escritos para jovens que cumprirão, compulsivamente, aos 18 anos de idade o serviço militar obrigatório. Estamos, assim, na presença de um Estado para o qual as políticas de Educação têm como finalidade a criação de super-soldados, um pouco á imagem e semelhança das políticas nazis na Alemanha da década de 30 e 40 do século passado.
 
Este é um dos muitos obstáculos á criação de um Estado laico e democrático, que mina por completo os resíduos estruturais democráticos ainda existentes na sociedade israelita e que afecta de forma profunda a integridade ética da sociedade israelita. O Estado de Israel não foi, afinal, implantado para resolver “a questão judaica”, mas sim para cumprir o papel de enclave colonial. O Informe Campbell-Bannerman continua, desta forma, a ser cumprido.
 
A crença do “povo eleito” e da “terra prometida” acabam por ser o grande coveiro do pensamento democrático sionista, tornando o sionismo uma imensa colagem de discursos incongruentes, ao estilo do fascista judeu Avigdor Lieberman – um imigrante russo chegado a Israel em 1987- que em nome do “povo eleito na terra prometida” pretende expulsar e exterminar os palestinianos. O perigo deste mito e a ameaça que representam para a democracia em Israel estão patentes no quotidiano da sociedade israelita, na violência sem limites, nas agressões e humilhações a que os palestinianos são sujeitos, nos roubos de terras a que os berberes assistem como vitimas.
 
A este Israel, a esta Palestina opõem-se as palavras de Abu Ali Shahin, comandante da Fatah, líder dos presos políticos palestinianos por mais de duas décadas, um dos assistentes mais próximos de Arafat e um dos homens mais procurados pelos sionistas: “Todos pertencemos a esta terra e necessitamos de viver juntos. Nem Estado Árabe, nem Estado Judeu. O judaísmo é uma religião e eu luto por um Estado secular. Essa é a única forma de todos vivermos aqui. Ser judeu, muçulmano, cristão ou ateu, é uma opção pessoal, não é uma questão de eu ditar ou que os outros ditem. Não quero um sacerdote, um rabino ou um shaij a governarem a minha vida. Pertencemos a esta terra e necessitamos de viver aqui como iguais. E isso apenas será possível num Estado democrático secular”.
 
Esta mensagem de Abu Ali Shahin é também parte do manifesto da Fatah e do programa da OLP: a criação de uma democracia secular na Palestina. E neste ponto os combatentes palestinianos cruzam-se com os velhos combatentes sionistas, sejam de origem europeia (que andaram nos campos de batalha da guerra civil de Espanha, ou que provinham da Revolução soviética), ou dos judeus árabes, os judeus do Norte de África e os judeus palestinianos (alguns deles islamizados, outros cristãos).
 
As elites sionistas actuais espalham museus necrófilos por toda a Europa, amparando-se nas mortes e no sofrimento dos judeus europeus que padeceram os horrores da II Guerra Mundial, que foram vítimas do Holocausto e da brutalidade nazi e do esquecimento dos governos ocidentais. Mas, em Israel, sinistras figuras fascistoides como Lieberman ou Marcos Aguini (que lança longas e prolongadas diatribes contra os palestinianos), falam o que as elites sionistas não podem dizer no exterior.
 
Para os palestinianos, um outro Israel é essencial para a reconstrução de uma Palestina democrática. Para os judeus a democracia e a Paz são as únicas formas de construírem um espaço onde a memória dos seus antepassados vítimas das barbáries identitárias, não seja esquecida. Para ambos, judeus e palestinianos, há uma ponte, fundamental, em construção e que urge ser reforçada.
 
Afinal, não é todos os dias que podemos falar de um palestiniano sionista, de um árabe cristão, de um berbere ateu ou de judeus islâmicos…
 
III - O maior perigo que corre Israel não é a bomba nuclear iraniana. O maior perigo advém dos seus dirigentes, o que diga-se em abono da verdade, não é um exclusivo de Israel. A mediocridade e a imbecilidade são factores preponderantes nas actuais lideranças mundiais e esse não é um sinal dos tempos. Já noutras épocas existiram conjunturas idênticas, em que a imbecilidade demente predominava nas elites de poder, como em 1914, em que essa acumulação de incompetências conduziu á I Guerra Mundial. No entanto no meio da actual incompetência generalizada, Benjamin Netanyahu e o seu gabinete ministerial alcançaram um novo recorde nos medidores de insensatez e da ausência de bom senso.
 
O perigo não é o Irão. Aliás o Irão é o grande vencedor. Foi reconhecido no seio da comunidade internacional, a sua moeda está em fase de revalorização, o seu prestígio e influência na região tornaram-se fundamentais e os seus inimigos no mundo islâmico – a Arábia Saudita e os Estados do Golfo – foram humilhados. A imagem, vendida pelo Ocidente, de um Irão governado por aiatolas dementes, desvaneceu-se e com ela a hipótese de um ataque militar ao Irão, pelo menos na actual conjuntura. A opinião publica internacional – e a Ocidental, em particular – vê, agora, o Irão como um país responsável, com lideranças sóbrias e astutas.
 
O grande derrotado é Israel. As manobras da elite sionista conduziram-no, nesta questão, a uma posição isolada, assistindo ao distanciamento dos seus tradicionais amigos. Acima de tudo, as relações entre Israel e os USA foram afectadas. A dependência total de Israel em relação aos USA é assunto conhecido por todos, inclusive pelos mais acérrimos defensores do sionismo. Mas há um aspecto neste relacionamento que nunca é focado: os corredores conducentes á Casa Branca, controlados por Israel. Este activo é uma posição única e de grande vantagem para Israel. Ora, a derrota do governo de Netanyahu na questão iraniana, minou estes corredores e a perda é incalculável.
 
Os políticos israelitas, iguais á grande maioria dos seus colegas no resto do mundo, não são gente versada em História. Preferem mergulhar na intriga política e nas cotoveladas nos bastidores, a cultivarem os espíritos, lendo alguns livros de História, ou assistindo a palestras e conferencias. Porque se estudassem qualquer coisa de História, nunca teriam construido a armadilha em que eles próprios caíram. É que não basta olhar para o mapa e saber onde está o Estreito de Ormuz. É essencial saber o que este estreito representa no grande painel de mosaicos em que Israel encontra-se geográfica e culturalmente inserido. Qualquer acção militar contra o Irão está condenada ao fracasso – na melhor das hipóteses – ou a desencadear uma guerra de grande amplitude, o que fará eclipsar, em primeiro lugar, a rede petrolífera e afins.
 
A nova palavra de ordem da propaganda sionista é que o “Irão engana”. A mensagem que está a ser passada pela indústria mediática a soldo da elite sionista é que os “iranianos são mestres na arte do engano”. Esta estratégia é reveladora do racismo intrínseco da elite sionista, mas é também o reflexo do próprio passado de Israel. Quando na década de 50 do século passado, Israel iniciou o seu programa nuclear, em parceria com a França, enganou toda a gente, com uma eficácia impressionante. Nesses tempos idos, a Lakam – uma agência israelita de inteligência, especializada em espionagem industrial e tecnológica, desmantelada durante a década de 80 – adquiriu os materiais necessários para o arranque do programa nuclear. Os ensaios foram realizados longe da vista do mundo, na África do Sul (no regime do apartheid, um velho aliado do sionismo), na orla litoral banhada pelo Oceano Indico. A História (que as elites teimam em ignorar) está carregada de ironias e uma delas foi o facto de, nesses tempos, o Irão (governado pelo Xá) ter uma grande cooperação com Israel e a Mossad ter ajudado o Irão no seu programa nuclear (iniciado durante a administração do Xá, com o apoio dos USA e da NATO).
 
No que se refere á camuflagem israelita e á forma como estes enganaram a comunidade internacional em relação ao seu projecto nuclear, basta referir que o edifício do reactor nuclear de Dimona era uma “fábrica têxtil” e que os convidados estrangeiros de visita ao edifício de Dimona eram enganados com paredes falsas, pisos ocultos e outras artimanhas. Portanto, quando as elites sionistas acusam os iranianos de estarem a enganar a comunidade internacional, estão, no fundo, a reproduzir o seu comportamento anterior, dos tempos em que para iludir a aplicação e o desenvolvimento do seu programa nuclear, ludibriaram este mundo e o outro.
 
Mas a encenação maior é a indignação com que Israel refere o facto de que os norte-americanos terem optado por manter um via diplomática secreta com o Irão, como se Israel não tivesse conhecimento disso! E o tom indignado dos sionistas atinge o choro, quando afirmam, a soluçar, que esse acordo USA / Irão foi obtido através desses encontros secretos e não durante as demoradas negociações em Genebra. E para que os USA não fiquem com dúvidas de como é que os serviços de informação israelita sabiam dessa via diplomática secreta, os sionistas afirmam que a fonte foi a Arábia Saudita e não um dos milhões de informadores que Israel tem na administração norte-americana e corredores afins (Congresso, Senado, Agências…)!
 
E para os que pensam que na esquerda sionista existe contestação a esta birra sobre a Pérsia, estão equivocados. O novo líder trabalhista, Yitzhak Herzog, juntamente com a centrista Tzipi Livni e com Netanyahu, é um guardião do muro das lamentações…
 
IV - O apartheid sionista não é do mesmo tipo do apartheid sociobiológico das elites bóeres que governaram a África do Sul, nem do mesmo tipo de apartheid sociocultural ou etno-social que as elites africanas e asiáticas praticam, nem do género de apartheid social-hereditário das elites hindus, ou do tipo de apartheid social das oligarquias sul-americanas, nem mesmo do novo tipo de apartheid das novíssimas e sempre liberais elites ocidentais. O apartheid sionista é um hibrido, onde misturam-se todos estes tipos e géneros. É racista, classista, arrogante, tem conotações religiosas, biológicas e genéticas, étnicas, mas tudo bem doseado e em busca de um equilíbrio da atitude, que mais nenhum outro mito identitário conseguiu.
 
O eixo deste equilíbrio é a cultura milenária do judaísmo, a religião hebraica, de raiz semita que sempre representou um arquétipo contraditório, mesmo dialéctico, na vida das comunidades judaicas. Por exemplo: a contradição povo eleito / movimento de libertação (tanto no que respeita a luta contra o faraó e a escravatura no Imperio do Egipto, como á luta de libertação nacional no Imperio romano); ou a contradição teológica em que Deus é apresentado, numas passagens, como Senhor dos Exércitos e noutras (quando não nas mesmas) como um ser profundamente justo e misericordioso (embora esta seja uma característica semita, visível também no Islamismo e que marcam, ainda, o Cristianismo, nascido no seio do judaísmo). Em termos prácticos esta contradição pode ser observada em qualquer hospital israelita, onde podem ser encontrados pacientes e internados judeus, árabes, berberes, palestinianos, etc..
 
Em Israel o apartheid é camuflado por uma série de factores, que devidamente trabalhados pelo discurso oficial passam de secundários a principais, como a segurança (este assunto não consegue ser tratado com mais mestria do que em Israel), as referências históricas ao Holocausto, ou a “origem divina” da terra. Se for feita uma sopa com estes três ingredientes, teremos um cenário onde os judeus, vítimas de perseguições através da História da Humanidade (sempre perseguidos pelos carros do faraó, ou pelo menos pelos que conseguiram contornar a separação das águas, realizada por Moisés), vítimas das atrocidades da barbárie nazi (o Holocausto), em busca da “Terra Prometida”, durante milénios e agora nela residentes, têm toda a legitimidade para manterem-se nos territórios ocupados e de forma impune (porque é assim que no Antigo Testamento o Senhor dos Exércitos “fere” os seus inimigos) executa os seus oponentes e ultrapassa todas as normas e recomendação da ONU.
 
Vejamos um exemplo do apartheid sionista: a Cisjordânia. Existem dois sistemas judiciais em vigor: um civil, para judeus e outro militar, para os palestinianos. Esta filosofia é válida, também, para as infraestruturas: estradas para os judeus circularem (sempre em bom estado); estradas (sinuosas) feitas para os palestinianos circularem; rede de distribuição eléctrica para judeus e outra para palestinianos; um sistema de abastecimento de água para judeus e outro para palestinianos e inclusive locais, semelhantes aos bantustões do apartheid sul-africano de outros tempos, onde os palestinianos administram – de forma muito limitada – os seus assuntos públicos. Aliás no ano em que os sul-africanos aboliram os sistemas de restrições de viagens e as normas impeditivas da livre-circulação de pessoas no território sul-africano (1991), entrou em vigor um sistema de vistos e de restrições á livre-circulação de pessoas em Israel.
 
No entanto os palestinianos que são cidadãos israelitas votam. Este é um elemento que distingue o apartheid sionista do seu congénere sul-africano de outros tempos. Em Israel os cidadãos árabes são eleitores, exercem o seu direito de voto (o voto deve sempre ser entendido como um direito, nunca como uma obrigação, como acontece em algumas legislações ou como as elites pretendem fazer crer, para poderem obter uma legitimidade mais consensual), mas servem apenas para votar (á semelhança do que acontece na maioria do continente africano, onde o voto é a única possibilidade de expressar a soberania popular, mas em que a participação é vedada, em nome de uma pretensa estabilidade, o malcheiroso pântano africano da paz podre da putrefação social), estando excluídos da participação.
 
Em relação á Africa do Sul existia um componente essencial no tempo do apartheid que era a relação entre raça e classe. A classe operária era maioritariamente negra e a burguesia maioritariamente branca. Em Israel o capitalismo não depende da mão-de-obra palestiniana, embora esta seja importante em alguns sectores da economia.
 
Um outro factor de relevo no apartheid sionista em Israel é diferenciação a que os judeus são sujeitos entre si, segundo a sua origem (judeus europeus, judeus árabes e judeus africanos), a residência, (nos centros urbanos ou nas periferias) ou o tempo de permanência (entre os que chegaram á muito ao país, os que nasceram em Israel, os que chegaram depois, ou vão chegando). Estes factores no entanto são geralmente factores de diferenciação (que cavam fossos sociais, mais notórios nos judeus africanos, que estão em ultimo lugar nesta escala) sem grandes efeitos no plano jurídico.
 
Qualquer judeu, seja qual for a sua origem, usufrui dos direitos da Lei de Retorno, podendo regressar ao país em qualquer altura da sua vida, direito que não é aplicável aos palestinianos nascidos em Israel. Da mesma forma, os judeus podem mudar de residência livremente (alguém que viva em Telavive, pode mudar-se para a Margem ocidental), mas um palestiniano que resida em Belém, por exemplo, não pode mudar para as zonas costeiras. A escala de desigualdades tem diferentes patamares para os residentes da Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jerusalém Este e todos os cidadãos palestinianos de Israel. Estas divisões e subdivisões são desenhadas em função da fragmentação da nação palestiniana, criando diferente enfoques em relação á “área”, as “zonas”, de forma a diferenciar palestinianos, drusos, berberes, beduínos, árabes, mouros e depois em função da identidade cultural e religiosa (cristãos, muçulmanos e respectivas matizes).
 
Estes princípios de desigualdade são administrados por uma burocracia minuciosa, de forma a beneficiar o grupo hegemónico. Vejamos por exemplo a Zona C da Cisjordânia. Uma forma de entender a administração colonial da Zona C é recuarmos á década de 50 na África do Sul, quando o governo racista desalojou os residentes negros e mestiços das suas casas e despejou-os das suas terras, para criar espaço de colonização para os brancos. Na Zona C passou-se o mesmo. Os colonos sionistas desalojaram os residentes palestinianos e apossaram-se das terras dos palestinianos. Estamos, portanto, na presença de uma componente colonial comum.
 
Se é certo que o apartheid racial institucionalizado desapareceu na África do Sul (pelo menos institucionalmente, claro que na sociedade ainda existem sectores onde estes sentimentos e estruturas culturais estão arreigados) o apartheid classista nunca foi abolido e tomou, inclusive novas formas e características. E isso parece despertar a atenção das elites sionistas, se atendermos á forma calorosa com que Shimon Peres elogiou Nelson Mandela.
 
Não deixa de ser curioso o facto de Peres, que jogou um importante papel nas relações económicas e na cooperação militar entre Israel e o governo bóer (cujos ideólogos eram pró-nazis) da África do Sul, fosse um dos pais fundadores dos assentamentos na Cisjordânia e seja o instigador principal da “solução funcional” (uma daqueles diatribes que “harmoniza” a “solução final” dos nazis, transformando-a num instrumento mais soft e “liberal” de genocídio), ter prestado tamanhos encómios a Mandela.
 
O drama maior é que o perdão torna-se imperdoável e com sabor a traição. Por isso perdoa-lhes Tu, Pai! Não porque eles não saibam o que estão a fazer, mas porque o fazem da única forma que sabem…
 
Fontes
Peled,Miko El hijo del general. El viaje de un israelí en Palestina. Editorial Canaán, Buenos Aires, 2013
D. Smith, Anthony Chosen peoples. Sacred Sources of National Identity. Oxford University Press, 2003.
Prior, Michael La Biblia y el colonialismo. Una crítica moral. Editorial Canaán, Buenos Aires,2005.
Chedid, Saad y Masalha,Nur La Biblia leída con los ojos de los cananeos. Editorial Canaán, Buenos Aires, 2012.
Peled-Elhanan, Nurit Palestine in Israel School Books. Ideology and Propaganda in Education. I. B. Tauris & Co. Ltd., New York, 2012
 

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