segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Angola: OS HERÓIS QUE DESTROÇARAM A MÁQUINA DE GUERRA COLONIAL

 

Pereira Dinis e Cristina da Silva – Jornal de Angola
 
A memória do início da Luta Armada de Libertação Nacional continua viva na memória do Povo Angolano. Militares, funcionários públicos e estudantes contactados pela nossa reportagem foram unânimes em afirmar que o 4 de Fevereiro foi um acto de imensa coragem.
 
Winnie Monteiro é funcionária pública e nasceu pouco antes da Independência Nacional. Aprendeu que o acto revolucionário marcou sobretudo “a libertação da mente dos angolanos” porque existia a crença de que a máquina de repressão colonial “era invencível e intocável”.

Manuel Bié, estudante, tem uma proposta: “hoje devemos aproveitar as experiências do passado para garantir a paz e a democracia. A determinação e coragem dos jovens do passado conduziram à Independência Nacional. Hoje a nossa missão deve ser a manutenção da paz”.

Gildo Rodrigues é oficial da Marinha de Guerra de Angola. Disse que a acção dos jovens que participaram no 4 de Fevereiro de 1961 foi fundamental para a conquista da Independência Nacional. Segredo Garcia, outro oficial da Marinha de Guerra, disse que o grupo de jovens que atacou as cadeias de Luanda mostrou a todos os angolanos que a máquina de repressão colonial era vulnerável. E desde esse dia os angolanos perderam o medo e foram à luta “Os pais têm a obrigação de passar esta informação aos filhos”, disse.

Domingos Manganda é funcionário público e conhece o 4 de Fevereiro pelos artigos dos jornais, livros e relatos dos mais velhos. Com 43 anos, Manganda defende que os jovens devem honrar os heróis de 4 de Fevereiro “contribuindo para o desenvolvimento económico e social”.

Acontecimento histórico

Um mês após a revolta de milhares de camponeses do algodão da Baixa de Cassange devido à exploração de que eram alvo pela companhia Cotonang, um grupo de nacionalistas atacou, em Luanda, a Casa de Reclusão Militar, a 7ª Esquadra da Polícia Móvel e a cadeia de São Paulo. Também passaram pela Emissora Oficial de Angola, hoje RNA, na altura instalada num barracão de zinco, ao lado dos Correios da Cuca.

O ataque de 4 de Fevereiro de 1961 coincidiu com a presença de jornalistas estrangeiros, que aguardavam por notícias do navio “Santa Maria”, desviado pelo capitão Henrique Galvão e outros oposicionistas ao regime português, e que se supunha vir atracar em Luanda.

Ocupação colonial

A ocupação estrangeira em territórios que hoje são Angola teve sempre oposição. Depois da Conferência de Berlim, em 1884, Portugal começou a ocupar o interior do território e houve simultaneamente uma escalada da guerra e da opressão colonial com as chamadas campanhas de pacificação. Nos finais do século XIX princípios do século XX, intelectuais angolanos começaram a reivindicar a Independência Nacional. Mas nessa altura o “mapa” de Angola ainda não estava completamente desenhado.

A publicação em 1901 do manifesto “Voz de Angola Clamando no Deserto” é uma pedrada no charco do colonialismo. Em 1948, surgiu em Luanda o movimento literário e artístico “Vamos Descobrir Angola”, manifesto de escritores e intelectuais da época que resultou na Geração Mensagem (1950-53).

As independências de vários países africanos na década de 1950 serviram de mola impulsionadora para a independência de Angola e surgiram várias pequenas organizações políticas. Às reivindicações independentistas, o regime colonialista respondeu com o envio de cada vez mais imigrantes para as colónias africanas nas décadas de 40 e 50.

A ocupação de cada vez mais terras pelos colonos e grandes companhias que praticavam a monocultura, como foi o caso da Cotonang, a exploração dos angolanos através do contrato e a discriminação racista resultaram num sentimento de revolta que apenas precisava de uma faísca para explodir.

A revolta da Baixa de Cassange, a 4 de Janeiro de 1961, os ataques às cadeias de Luanda a 4 de Fevereiro, levados a cabo por nacionalistas do MPLA e a grande insurreição popular de 15 de Março dirigida pela UPA (hoje FNLA) no Norte de Angola marcam o princípio do fim do colonialismo.

Revolucionários em acção

Relatos de várias fontes, incluindo participantes no 4 de Fevereiro, falam na existência de seis grupos de nacionalistas, a cada um dos quais correspondeu um alvo. O ataque à Casa de Reclusão foi efectuado pelo grupo chefiado por Bento António e Imperial Santana. A cadeia de S. Paulo foi atacada pelo grupo dirigido por Adão Neves Bendinha. Domingos Manuel Agostinho comandou o grupo que atacou a Polícia Móvel na Estrada de Catete. Paiva Domingos da Silva e Virgílio Sotto Mayor deviam atacar a Emissora Oficial de Angola junto aos Correios da Cuca, mas a acção teve pouco impacto. Outros grupos revolucionários não conseguiram cumprir as suas missões.

Cada grupo tinha entre 20 e 30 elementos. O sinal para o início dos ataques era dado por um foguete pirotécnico.

Os revolucionários iam armados sobretudo de catanas e envergavam roupas escuras para se confundirem com a noite. Armas e fardas foram compradas com dinheiro obtido através de quotizações.

Nos preparativos dos ataques há a destacar a participação do cónego Manuel das Neves. Uma mulher, Engrácia Cabenha, hoje a Rainha do 4 de Fevereiro e general das Forças Armadas Angolanas, teve grande importância na direcção política do 4 de Fevereiro.

Fim do colonialismo

Do ponto de vista militar, a acção protagonizada pelos combatentes do 4 de Fevereiro ficou longe dos objectivos preconizados, dos quais o principal era a libertação dos presos políticos. Os combatentes mataram cinco polícias, um cipaio e um militar da guarnição da Casa de Reclusão, enquanto do lado dos revolucionários houve muitas baixas e prisioneiros. Mas o pior, foram os massacres nos musseques de Luanda. As forças de repressão mataram centenas de civis indefesos. A reacção das autoridades colonialistas foi de extrema violência. Um missionário metodista aponta para 300 mortos causados pelas chacinas perpetradas por soldados, polícias e colonos armados, ávidos de vingança. Do ponto de vista político, o 4 de Fevereiro teve grande repercussão internacional, para o que contribuiu a presença de jornalistas em Luanda, tendo a 10 de Março a questão da Independência de Angola sido introduzida nas reuniões da ONU.

O exemplo dos angolanos foi seguido pelos povos das outras colónias, com o início da luta de libertação na Guiné-Bissau, em 1963, e em Moçambique, em 1964.

A Luta de Libertação Nacional acabou por se espalhar por várias regiões do país e, apesar do reforço das tropas portuguesas no território, que atingiram a cifra de 65 mil no final da guerra em 1975, Portugal foi perdendo superioridade ao longo do conflito. Dados do Estado-Maior General das Forças Armadas Portuguesas indicam a morte de 8.831 militares, dos quis 4.027 em combate. Dessas baixas, 3.136 ocorrerem em Angola.

Os heróis do 4 de Fevereiro destroçaram a máquina de guerra colonial.

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