quinta-feira, 20 de março de 2014

Angola: A JUSTIÇA A TEMPO INTEIRO



Arnaldo Santos – Jornal de Angola, opinião

A justiça faz muita falta e quando fica de férias, por razões que até podem ser justificadas, tende a inscrever-se a eito ou, o que é pior, a direito e nem sempre sob inspiração divina como no tempo de Moisés.

Não é bom que ela se aplique sob o império das emoções de homens impacientes.

Há que ter em conta os Direitos Humanos, mas as pessoas não são de ferro e por vezes excedem-se e perante o espectáculo de alguns assassinatos brutais – cometidos por comandos motorizados em plena luz do dia, numa das ruas mais concorridas da cidade – o sangue do cidadão pacífico ferve.

A vista turva-se e mal se entendem os intentos reorganizativos subjacentes aos discursos proferidos na abertura do Ano Judicial, distinguido desta vez com a presença do próprio Presidente da República.

Começa por não se compreender por que o Ano Judicial tem que se encerrar. Estranha-se que a Justiça para Todos (ainda que seja por enquanto apenas um simples programa experimental), não tenha garantia do mais alto Magistrado da Nação para ganhar uma maior permanência e efectividade a nível de todo o país. Anuncia-se mesmo a sua suspensão para breve, mas entretanto a própria Justiça é posta à prova de uma forma singularmente provocatória por quifumbes motorizados da capital, ansiosos por se exibirem à galera.

Na circunstância, e de certo não apenas por estarmos no mês de Março consagrado à Mulher, os quifumbes decidiram convertê-la no seu alvo principal e de preferência. A mulher trabalhadora e não acompanhada nas suas viaturas. Esta aberrante distinção, além de repugnante, atinge directamente a vida das famílias que normalmente têm nelas o seu principal esteio.

Mas os criminosos que até já nem sequer se escondem, parecem querer ser bem visíveis aos olhos de todos, e dos observadores da Human Rights Watch e outras Agências Internacionais, não vá surgir alguma reacção de parentes cacimbados mesu makusuku, que pretendam exercer a justiça por sua conta e risco.

Deste modo, a problemática do Direito para Todos talvez tenha que ser redefinida de maneira a incluir o Direito de Todos e da Mulher em especial.

Desta circunstância ocorre-nos a alusão às “mulheres invisíveis”, no sentido que lhe é dado nessa feliz expressão, atribuída pela Fundação Gotz Fidel às mulheres que se distinguem como verdadeiros agentes de transformação, numa inspiração do Papa Francisco, e creio também caber às mulheres angolanas que vivem no meio rural ou fora das zonas urbanas. Há muito que são tão mais vulneráveis quanto menos protegidas pelo direito. As suas vozes são pouco audíveis, mas a sua fé é evidente relativamente ao futuro por que não se cansam de lutar.

Meu kamba Fernando Oliveira, douto Professor de Direito, diria, se tivesse sido consultado, que para a mulher cairia bem a máxima latina, sum quique tribuere, que eu me atrevo a deturpar de acordo com a conclusão a que pretendo chegar relativamente às dificuldades da mulher do meio rural: “a cada uma segundo o que é de todos e o seu próprio trabalho”.

Na realidade, não antevejo a possibilidade de sobrevivência para grande parte da população neste país, e as crianças em especial que dependem das mamãs, sem atender a essa máxima, já que na administração da justiça parece não se ter isso em muita conta.

Foto Pedro Parente, Angop


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