sábado, 8 de março de 2014

Portugal: É CARNAVAL, O DESPEDIMENTO É ILEGAL E NINGUÉM LEVA A MAL



PEDRO SOUSA CARVALHO – Público, opinião

O Governo quer baixar as indemnizações por despedimento ilegal. Até os patrões coram de vergonha.

É caso para dizer que o Governo quer mascarar o despedimento ilegal de despedimento por justa causa. Ao que consta, na próxima avaliação da troika, o Governo de Passos Coelho vai propor em sede de Concertação Social uma diminuição do valor das indemnizações pagas pelos patrões nos casos dos despedimentos que os tribunais consideram ilegais.

Hoje em dia, quando um trabalhador é despedido de uma forma ilícita, se o tribunal lhe der razão, e se esse trabalhador não quiser ser reintegrado na empresa, tem então direito a receber uma indemnização que pode variar entre 15 a 45 dias de salário por cada ano de trabalho, com o valor mínimo equivalente a três salários. No caso das microempresas, o valor pode variar entre 30 a 60 dias, com um mínimo de seis meses.

O Governo e o FMI argumentam que com a redução das compensações dos despedimentos com justa causa até um mínimo de 12 dias (seja por despedimento colectivo, extinção de postos de trabalho ou outras causas objectivas) abriu-se um gap face àquilo que se paga no caso dos despedimentos ilegais.

E é para desincentivar que os trabalhadores que se sintam lesados recorram à Justiça que o Governo quer embaratecer os despedimentos, mesmo que esses sejam feitos à margem da lei. E é preciso ter em atenção que as empresas consideradas culpadas também são obrigadas a pagar os chamados "salários intercalares", ou seja, o valor da remuneração que é devida ao trabalhador desde o momento em que é despedido até ao momento em que o tribunal toma uma decisão final.

Qual é lógica do Governo? É a lógica do vale tudo. Em nome de flexibilização do mercado laboral, o Governo suaviza o castigo a aplicar às empresas prevaricadoras, de forma a que os trabalhadores que se sintam injustiçados não tenham nenhum incentivo para recorrer aos tribunais. É como se agora a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, para não entupir os tribunais, decidisse aliviar as penas previstas no Código Penal, de forma a dissuadir os queixosos de apresentar queixas. Se me assaltam a casa, e se sei à partida que o larápio só se arrisca a levar meia dúzia de dias de cadeia, então não tenho grande incentivo para apresentar uma queixa.

Em relação ao Código do Trabalho, Passos Coelho nunca escondeu ao que vinha. Ainda antes de ser Governo, o PSD tinha um projecto de revisão da Constituição que previa alterar o Artigo 53.º e trocar o conceito de "despedimento sem justa causa" pelo "despedimento sem razão atendível". Com a recusa do PS em mexer na Constituição, o projecto de Paulo Teixeira Pinto não saiu da gaveta, mas o Governo não desistiu. E insistiu. E conseguiu. Mas como não conseguiu mudar a Constituição pela porta da frente, tenta agora pela porta dos fundos. Embaratecer e facilitar o despedimento ilegal é a mesma coisa que esvaziar o conceito de justa causa na lei fundamental.

Mas se este projecto do Governo avançar ainda terá de passar pelo crivo do Tribunal Constitucional. E o passado recente mostra que os juízes do Palácio Ratton são bastante zelosos em relação a essas duas palavras (justa e causa), que ainda dão bastante dignidade à Constituição. Recentemente o TC utilizou o argumento da proibição do despedimento sem justa causa para travar a liberalização do conceito do despedimento por extinção de posto de trabalho e do despedimento por inadaptação.

Os patrões, supostamente os que mais vão beneficiar com esta descida das indemnizações por despedimento ilegal, disseram que esta medida está longe de ser prioritária e que é um erro o Governo entrar por esse caminho. Até os patrões coram de vergonha perante tamanha generosidade por parte do Governo.

É preciso ver que as alterações ao Código do Trabalho em vigor desde Agosto de 2012 já embarateceram, e de que maneira, os custos de trabalho para as empresas portuguesas: suspensão de normas da contratação colectiva, cortes das férias e nos feriados, horas extraordinárias mais baratas, bancos de horas, descida das indemnizações, lay-off simplificado e um sem-número de alterações à lei que quase transformaram o Código do Trabalho num código de barras de supermercado.

É verdade que as empresas precisam de baixar os custos para ser competitivas. Mas há-de haver algures um limite. Até porque, em média, os custos laborais representam apenas 30% dos custos operacionais das empresas. E o custo da energia? E o custo de acesso aos portos? Mas aí olobby é capaz de ser demasiado poderoso.

E todas estas medidas, com o objectivo de reduzir os custos laborais, partem do princípio de que o mercado de bens e serviços está a enfrentar apenas um problema do lado da oferta. Mas a realidade é que as empresas também estão a lidar com um choque do lado da procura, sobretudo interna.

E o mais preocupante nesta quase obsessão do Governo e da troika em flexibilizar o mercado laboral é que estão a fazê-lo com um exagero que ultrapassa a lógica dos custos empresariais e já entra no campo do delírio, ou, pior, da ideologia.

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