quinta-feira, 12 de junho de 2014

Brasil: Você está a favor ou contra a Copa do Mundo?




Na discussão sobre a Copa, razão e paixão precisam estar divorciadas? É possível conciliar o pensamento crítico e o sentimento emocionado?

Marcelo Weishaupt Proni (*) – Carta Maior

Uma parte influente da grande imprensa no Brasil tem conduzido o debate sobre a Copa a partir de uma visão de mundo maniqueísta, estabelecendo dois polos em torno dos quais todos os leitores, ouvintes ou espectadores devem se posicionar: ou a) é um evento imaculado, capaz de despertar os melhores sentimentos nas pessoas e cuja realização traz uma série de benefícios para o País – portanto, é um privilégio que deve ser recebido sem reservas; ou b) é um evento obscuro, controlado por uma instituição corrupta que impõe exigências descabidas, marcado por propaganda enganosa e gasto irresponsável de dinheiro público – portanto, é um engodo cuja conta está sendo paga pelos contribuintes.

Essa maneira simplista de colocar a questão – opondo argumentos retirados de uma interpretação estilizada dos fatos e separando a opinião pública entre aqueles que se declaram totalmente a favor da Copa e aqueles que assumem uma postura absolutamente contrária ao evento – põe em dúvida a intenção dos formadores de opinião. Em alguns casos, fica em segundo plano o respeito à diversidade de opiniões – fundamento do debate público que deveria animar as democracias modernas –, predominando a manipulação das discussões para direcionar a insatisfação de amplas parcelas da população.

É preciso reconhecer a contribuição da grande imprensa na difusão de informações que oferecem maior transparência para os projetos e ações do governo federal, dos governos estaduais e das prefeituras envolvidas na preparação da infraestrutura requerida para a realização do torneio no Brasil. Mas, é necessário qualificar melhor o debate que está sendo travado, cuja repercussão política em ano eleitoral é bastante evidente.

Semanalmente, são mencionados os projetos inscritos na Matriz de Responsabilidades, os impactos esperados e o legado prometido da Copa, que presumidamente deveria estimular a atividade econômica e a modernização da infraestrutura de transporte, gerar empregos e melhorar a mobilidade nas cidades-sede. Ainda que algumas obras importantes tenham sido realizadas e que alguns segmentos econômicos tenham sido estimulados, prevalece a frustração com o adiamento de alguns projetos ou o atraso na entrega de outros, prevalecem as denúncias sobre o superfaturamento de algumas obras e a falta de investimentos em áreas sociais prioritárias. O problema maior parece ser a expectativa criada em torno dos benefícios que o torneio traria para o país.

A origem de todo o mal-entendido sobre o legado econômico da Copa do Mundo pode ser encontrada na estratégia adotada pela FIFA para difundir a ideia de que vale a pena sediar o torneio. Principalmente, quando a entidade decidiu voltar a realizar a Copa em países em desenvolvimento, que não contam com a infraestrutura necessária. Como a produção do espetáculo requer as melhores condições para o desempenho dos atletas em campo, para o conforto dos torcedores nas arenas e para o trabalho dos jornalistas, as candidaturas precisam demonstrar que são capazes de propiciar instalações modernas, confortáveis e seguras. E precisam provar que o país se compromete a fazer os investimentos requeridos, o que implica destinar bilhões de dólares para viabilizar o megaevento.

Ou seja, uma candidatura não se sustenta sem a participação efetiva do Estado e a alocação de recursos públicos. Por isso, em contrapartida, a sociedade local deveria ser recompensada por meio do legado deixado pela Copa. Por isso, a entidade recomenda que sejam feitos estudos para projetar os impactos econômicos potenciais do gasto público previsto e seus benefícios para a população.

A Copa é um negócio altamente lucrativo: proporciona receitas bilionárias para a FIFA, assim como um retorno de mídia garantido para os patrocinadores e um faturamento elevado para empresas de comunicação. Portanto, é essencial a garantia dos governos nacionais de que todas as exigências do Caderno de Encargos serão cumpridas, incluindo o compromisso de que nenhum imprevisto vai ameaçar a realização do torneio e que todos os interesses comerciais envolvidos serão preservados.

Porém, qual a razão de argumentar que a Copa é um bom negócio para o país que hospeda o torneio? Uma avaliação baseada no cálculo “custo x benefício” – ou seja, numa racionalidade estritamente econômica e numa ética utilitária – tende a restringir os termos do debate. O ponto a destacar é que, em princípio, seria possível sediar a Copa com um volume menor de investimentos públicos, mas a promessa de elevado retorno econômico justifica um aporte maior de recursos. A responsabilidade assumida pelo governo federal, pelos governos estaduais e pelas prefeituras, em especial no que diz respeito ao prazo de entrega das obras, pressiona as autoridades a aceitarem aumentos nos custos estimados. E a aprovação de um regime diferenciado de contração pública para projetos relacionados com a preparação do torneio talvez estimule a inclusão de itens que não seriam fundamentais.

Há outros argumentos mais convincentes para legitimar o esforço deliberado de obter esse “privilégio”, pelo menos em países onde a população tem paixão pelo futebol. É verdade que a Copa poderia propiciar um “legado intangível” bastante positivo, no Brasil, em termos de know-how nas áreas de turismo e arquitetura, de ampliação de relações culturais com outras nações, de fortalecimento da autoestima do povo brasileiro, entre outros. Por sua vez, parece evidente que o principal legado intangível se encontra no próprio campo futebolístico: as novas arenas aumentam a capacidade de faturamento de alguns clubes, alteram a correlação de forças existente e tendem a elitizar o público que frequenta os estádios.

Desde o ano passado, diferentes segmentos sociais têm questionado o modo como foram realizados os investimentos públicos destinados a alcançar o padrão de qualidade exigido pela FIFA, diante da precária situação do transporte público e da qualidade das escolas e hospitais nas cidades-sede. As manifestações de rua ameaçam fazer erodir uma parte do legado esperado pelas autoridades governamentais. E, ao contradizer o discurso articulado pela entidade, reforçam as denúncias de que os dirigentes da FIFA se preocupam apenas em defender seus próprios interesses. É preciso entender que não se trata da “Copa do Brasil” e sim da “Copa da FIFA” no Brasil.

Convém lembrar que a vitória da candidatura, em 2007, gerou uma onda de euforia no país e que houve uma grande mobilização de governos estaduais e prefeitos para a participação no torneio. Entre o empresariado, havia a opinião unânime de que os gastos com a Copa trariam bom retorno ao longo do tempo. Na época, sete anos parecia ser um prazo suficiente para a preparação. Até 2010, prevalecia a ideia de que o país estava mudando para melhor e que a Copa contribuiria para gerar um clima de otimismo na economia nacional, para impulsionar o turismo internacional e para resolver alguns dos graves problemas de transporte aéreo e mobilidade urbana, ao menos nas cidades-sede.

Mas, o planejamento foi mal executado, o início das obras foi tardio, vários fatores retardaram a execução dos projetos, a participação do setor privado se retraiu. Não é de estranhar que muitos analistas tenham mudado suas opiniões sobre o megaevento. Hoje, a impressão prevalecente é de que muitas promessas não foram cumpridas e a oportunidade foi desperdiçada. Contudo, apenas depois de encerrado o torneio será possível fazer uma avaliação sensata e abrangente do processo como um todo, identificar os erros e acertos de cada esfera decisória e, quem sabe, retirar lições valiosas dessa experiência.

O debate sobre o significado da Copa e seus legados tem contribuído para um aprendizado social importante: sobre a delimitação de uma linha divisória entre os interesses particulares e os interesses coletivos; sobre as formas de colaboração entre o setor privado e o setor público; e sobre a diferença entre a legitimidade das políticas governamentais e a avaliação de seus resultados.

A Copa coloca em evidência o que o país tem de melhor e traz à tona seus principais problemas. É preciso aproveitar a oportunidade para estabelecer fóruns apropriados para um debate democrático e construtivo. Ao mesmo tempo, desfrutar a experiência única que só um megaevento esportivo proporciona – no caso, a interação festiva de delegações e torcedores de 32 nações, que vão enriquecer os espaços de convivência e oferecer referências para contrastar a realidade econômica, social e política do país.

Na discussão sobre a Copa, razão e paixão precisam estar divorciadas? É possível conciliar o pensamento crítico e o sentimento emocionado? Evitar o maniqueísmo ajuda a examinar os fatos com isenção. Perceber que a Copa não poderia resolver os graves problemas sociais ajuda a torcer sem culpa para nossa seleção ser campeã.

(*) O autor deste artigo, Marcelo Proni é economista formado pela Unicamp, mestre em Ciências Econômicas e doutor em Educação Física, também pela Unicamp. 

Atualmente, é diretor associado do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit). Autor do livro “A Metamorfose do Futebol” (Editora da Unicamp) e de vários artigos sobre economia do esporte. É torcedor do Botafogo de Ribeirão Preto.

Neste artigo, Marcelo condensa o conteúdo de seu recém-lançado livro “Impactos Econômicos de Megaeventos Esportivos” em parceria com Raphael Faustino e Leonardo Oliveira da Silva.  

Créditos da foto: Torcedores mexicanos invadem o Recife (Foto: Laura Cortizo/Portal da Copa)

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