Manuel
Tavares - Jornal de Notícias, opinião
A
insistência com que o presidente da República tem convidado os partidos do
chamado arco da governação a entenderem-se segundo os objetivos de uma
plataforma de médio e longo prazo começou por ser atribuída mais à propensão de
Cavaco Silva para uma leitura económica e de algum modo despolitizada da
situação em Portugal.
Por isso mesmo, essas tentativas foram sendo goradas em
função das sucessivas crispações das forças sociais e políticas, sejam as do
antissocratismo que terminou com a queda do Governo socialista, sejam as do
antitroikismo que se batem agora pelo derrube da aliança PSD/CDS contestando os
sucessivos aumentos de impostos e de cortes em salários, pensões e funções
sociais do Estado, sejam ainda as nascidas de episódios turbulentos no interior
do próprio Governo, como foram as demissões de Vítor Gaspar e Paulo Portas, ou
ainda as que não param de se agravar entre o Governo e o Tribunal
Constitucional.
Acontece
que esse pacto de regime que Cavaco se propôs patrocinar teve um tempo muito
concreto para ganhar corpo, precisamente quando Gaspar e Portas se demitiram e
António José Seguro procurava o seu espaço na liderança do PS, longe ainda dos
tormentos pelos quais haveria de passar até este momento em que vai ter de
colocar o lugar em jogo numa disputa com António Costa, o qual surge em campo
com um discurso em que perpassa a ideia de poder vir a conseguir federar a
Esquerda.
Defensor
da estabilidade através dos grandes consensos como acontece na Alemanha, Cavaco
não acrescentou uma grande razão de política da União Europeia - de onde partiu
e onde reside ainda parte importante das causas da crise financeira e da
austeridade social - olhando, desde logo, para a derrocada eleitoral do bloco
central em Espanha, onde, apesar de terem selado um pacto de regime para
evitarem a troika, o Partido Popular, no Governo, e o PSOE, na Oposição,
perderam em conjunto mais de cinco milhões de votos.
Assim
sendo, para que a história venha a dar razão ao presidente da República, vai
ser preciso esperar pelas próximas eleições legislativas e que à míngua de uma
maioria absoluta o tal pacto de regime se imponha como única solução, o que,
até surgir Costa, parecia uma inevitabilidade por força da erosão do PSD e do
CDS na governação e pela dificuldade do PS em ganhar uma vantagem substancial
nas intenções de voto dos portugueses.
Porém,
com Costa surgiu um novo cenário. Ao admitir que pode criar condições para um
entendimento parlamentar com as forças mais à esquerda do PS, o ainda
presidente da Câmara de Lisboa esboça uma resposta política para a questão em
aberto desde que mais de um milhão de portugueses vieram para a rua, em março
de 2013, desenquadrados dos partidos.
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