quarta-feira, 11 de junho de 2014

Portugal: Com Costa não há pacto de Cavaco



Manuel Tavares - Jornal de Notícias, opinião

A insistência com que o presidente da República tem convidado os partidos do chamado arco da governação a entenderem-se segundo os objetivos de uma plataforma de médio e longo prazo começou por ser atribuída mais à propensão de Cavaco Silva para uma leitura económica e de algum modo despolitizada da situação em Portugal. Por isso mesmo, essas tentativas foram sendo goradas em função das sucessivas crispações das forças sociais e políticas, sejam as do antissocratismo que terminou com a queda do Governo socialista, sejam as do antitroikismo que se batem agora pelo derrube da aliança PSD/CDS contestando os sucessivos aumentos de impostos e de cortes em salários, pensões e funções sociais do Estado, sejam ainda as nascidas de episódios turbulentos no interior do próprio Governo, como foram as demissões de Vítor Gaspar e Paulo Portas, ou ainda as que não param de se agravar entre o Governo e o Tribunal Constitucional.

Acontece que esse pacto de regime que Cavaco se propôs patrocinar teve um tempo muito concreto para ganhar corpo, precisamente quando Gaspar e Portas se demitiram e António José Seguro procurava o seu espaço na liderança do PS, longe ainda dos tormentos pelos quais haveria de passar até este momento em que vai ter de colocar o lugar em jogo numa disputa com António Costa, o qual surge em campo com um discurso em que perpassa a ideia de poder vir a conseguir federar a Esquerda.

Defensor da estabilidade através dos grandes consensos como acontece na Alemanha, Cavaco não acrescentou uma grande razão de política da União Europeia - de onde partiu e onde reside ainda parte importante das causas da crise financeira e da austeridade social - olhando, desde logo, para a derrocada eleitoral do bloco central em Espanha, onde, apesar de terem selado um pacto de regime para evitarem a troika, o Partido Popular, no Governo, e o PSOE, na Oposição, perderam em conjunto mais de cinco milhões de votos.

Assim sendo, para que a história venha a dar razão ao presidente da República, vai ser preciso esperar pelas próximas eleições legislativas e que à míngua de uma maioria absoluta o tal pacto de regime se imponha como única solução, o que, até surgir Costa, parecia uma inevitabilidade por força da erosão do PSD e do CDS na governação e pela dificuldade do PS em ganhar uma vantagem substancial nas intenções de voto dos portugueses.

Porém, com Costa surgiu um novo cenário. Ao admitir que pode criar condições para um entendimento parlamentar com as forças mais à esquerda do PS, o ainda presidente da Câmara de Lisboa esboça uma resposta política para a questão em aberto desde que mais de um milhão de portugueses vieram para a rua, em março de 2013, desenquadrados dos partidos.

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