16/7:
mulher lamenta morte de quatro crianças que brincavam na praia, em Gaza, e
foram atingidas por bomba disparada pela marinha israelense
Cumplicidade
com genocídio dos palestinos marca declínio do Ocidente. E cada criança morta é
um prego no caixão da velha democracia
Nuno
Ramos de Almeida – Outras Palavras
Em
1899, os Estados Unidos da América discutiam no Congresso a anexação das
antigas colônias espanholas que tinham lutado pela sua independência,
nomeadamente as Filipinas. Nessa altura, o poeta britânico Rudyard Kipling
escreveu um poema apologético para declarar que o facho da civilização tinha
passado das mãos do Reino Unido. “O Fardo do Homem Branco” defendia que passara a caber a
Washington tratar dos selvagens para o bem deles, sem contar com o seu
agradecimento. Os nativos do mundo tinham de ser dirigidos pelas potências
ocidentais. Eram homens inferiores, de civilizações fracas que precisavam de
ouvir a voz do dono. Os agitadores deviam ser castigados e eliminados, se
necessário por meios violentos. Os selvagens deviam ser controlados, para seu
bem. Assim começava a declaração de bondade civilizadora:
Tomai
o fardo do Homem Branco,
Enviai vossos melhores filhos.
Ide, condenai seus filhos ao exílio
Para servirem aos seus cativos;
Para esperar, com arreios
Com agitadores e selváticos
Seus cativos, servos obstinados,
Metade demônios, metade crianças.
Entre
o consenso dos meios de comunicação e dos poderosos, houve um homem que não se
calou. O escritor que assinava Mark Twain, autor das As Aventuras de
Huckleberry Finn, respondeu com um artigo em plena euforia “civilizadora”,
quando os poderosos norte-americanos abriam garrafas de champanhe pela anexação
das ilhas do Havaí, de Samoa e das Filipinas, de Cuba, Porto Rico e de uma
ilhota que se chama, eloquentemente, dos Ladrões. Perante isto, Mark Twain faz
uma singela proposta, pede que se mude a bandeira nacional: que sejam negras,
diz, as listas brancas, e que umas caveiras com tíbias cruzadas substituam as
estrelas e assumam a verdadeira identidade de piratas.
Em
pleno século XXI pouco mudou. Somos governados por piratas: a cumplicidade dos
governos ditos civilizados, e da sua obediente comunicação social, com o
genocídio dos palestinos, é reveladora da manutenção da ideia de que há seres
humanos mais humanos que outros. Os palestinos são para essa gente verdadeiros homo
sacer, que podem ser mortos e torturados, segundo o direito romano nos tempos
do Império, sem nenhuma sanção legal ou moral. Há gente que acha que Israel é
uma democracia e por isso tem o direito de assassinar crianças palestinas. Há
colaboracionistas ditos de esquerda que defendem que, como em Israel a situação
dos gays e das mulheres é melhor que nos países árabes, as tropas hebraicas têm
licença para destruir as casas palestinianas e matar as mulheres e crianças de
Gaza.
Ironia
da história, a operação ideológica que permite aos assassinos justificar o
sangue derramado é a mesma que permitia aos nazistas justificar aos alemães a
solução final. Para os nazis, os judeus eram sub-humanos, e por isso podiam ser
mandados para as câmaras de gás; para os “democratas ocidentais” os palestinos
são criaturas culpadas pela sua morte e as bombas israelitas são a garantia da
paz.
A
atitude de apoio ao genocídio dos governos europeus põe em causa a própria
democracia. Nem todos chegam ao nível de sabujice reles do líder socialista
francês François Hollande, que proíbe manifestações contra a invasão israelita
em Paris e manda a polícia de choque disparar contra os manifestantes, mas é
preciso dizer que uma democracia não é definida pela forma como trata os
poderosos, mas pela forma como trata os mais desprotegidos. Israel não é uma
democracia, não porque não trata bem os judeus, mas porque funciona como um
regime de apartheid para a sua população árabe e como um regime nazi
para os palestinos. O mesmo sucede com a Europa Ocidental: não existirá
democracia enquanto permitirmos, sem reagir, o massacre dos palestinos. A luta
pela paz e uma Palestina independente é um combate pela nossa liberdade e pela
afirmação dos seres humanos contra as bestas.
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