Folha
8, 16 agosto 2014
Caíram
em cima da mesa de redacção do Folha 8 documentos a cheirar a esturro a
propósito de um diferendo que subsiste entre a empresa petrolífera
Chevron-Cabgoc e um cidadão angolano que dá pelo nome de Raimundo Zeferino da
Silva, trabalhador nocturno dessa multinacional norte-americana no campo de
produção Takula (Malongo), em offshore Cabinda , desde o dia 12 de Abril de1999
até 12 de Maio de 2004, data em que foi despedido por causa de incapacidade
permanente, resultante de um traumatismo laboral de que resultou o agravamento
irreversível duma fractura do tornozelo ocorrida fora do tempo de trabalho.
A
esse respeito o referido trabalhador, depois de ter sido vítima de todo um
conjunto de manobras, camuflagens e falsificações, enviou uma carta ao vice-presidente
da República a fim de lhe expor o seu ponto vista: «(…) Esclareça-se,
Excelência, que antes do referido acidente (que ocasionou a fractura no
tornozelo), ao signatário foi-lhe diagnosticado, às 08h e 56 minutos do dia 12
de Setembro de 2000, pelo médico da empresa (…), uma hérnia inguinal com
testículo cheio, tendo sido submetido a exame médico pré-cirúrgico na mesma
hora e recomendado a empresa o seguinte: « Vai hoje ou amanhã para Takula para
o seu turno de 14 dias, e na volta será reobservado e marcado consulta de
cirurgia (…)!» (sic).
As
coisas não se passaram como o departamento de Saúde da Chevron tinha
prognosticado, e sua recomendação médica foi ignorada, tendo Raimundo
permanecido em serviço nocturno em Takula até Dezembro do ano 2000, isto é,
durante 4 penosos turnos consecutivamente, numa plataforma offshore, sem
avaliação de risco de saúde e segurança e sem assistência médica conducente a
uma prometida futura intervenção cirúrgica.
Raimundo
foi operado, só, em 20 de Abril de 2001, ou seja, sete meses após a data do
diagnóstico da hérnia.
Em
seguida, numa manifesta e completa depreciação do estado de saúde do seu
trabalhador nocturno, a Chevron não atendeu à urgente necessidade de conceder
algum repouso a um homem que acabou de fazer cirurgia a uma hérnia inguinal e
“contemplou-o” com o estatuto “trabalhador com incapacidade parcial”,
incluindo-o num período de trabalho com o mesmo nome, que se estendeu de 20 de
Maio de 2001 a
22 de Fevereiro de 2003.
Teoricamente
esta situação podia ser aceite, mas na prática a empresa agiu violando
reiterada e propositadamente as normas de segurança, saúde e higiene, emanadas
pelos médicos assistentes e Raimundo foi intimado a trabalhar cerca de dois
anos sem declaração de concordância e sem conhecimento da Inspecção Geral do
Trabalho, vendo-se muitas vezes obrigado a manear, levantar e transportar
pesos muito acima dos 20 quilos, limite máximo que as instâncias médicas
tinham estabelecido em virtude da sua lesão.
Nisto,
no dia 15 de Janeiro de 2003, foram detectadas alterações patológicas na
fractura d e aumento substancial no tornozelo afectado “traduzidas em produção
de lesões artrósicas por grave negligência da petrolífera durante o período
de incapacidade temporária” (ver relatório dos Drs. Jaime Fragata de Abreu e
Pedro Miguel, médicos assistentes da Chevron).
Raimundo
foi visto e examinado na clínica Sagrada Esperança pelo Doutor Joaquim Simão,
e a esse respeito é de salientar que o relatório final do perito em radiologia
nunca foi tomado em consideração pela direcção da Chevron. Ficou por ali e ali
morreu sem nunca ter sido apresentado em tribunal. A empresa
petrolífera escondeu o relatório, de facto uma ”DESCRIÇÃO TÉCNICA” baseada num
“estudo das articulações tíbio-tárcicas e, sobretudo, astrágalo-calcaneana,
tendo-se também realizado estudo comparativo para melhor analise”. Nota-se,
diz ainda esse importante documento, uma “ (…)acentuada diminuição de
densidade óssea radiológica dos diferentes elementos ósseos da região do
tarso do pé direito, em particular do calcâneo do mesmo lado”, o que significa
que o agravamento da lesão de Raimundo não se deve à queda que a originou, mas
à ausência de tratamentos que deviam ser assumidos pela Chevron e não foram,
pois estamos em face de uma lesão artrósica pós-traumática decorrente dos
trabalhos que Raimundo foi obrigado assumir, mesmo estando num estado que
requeria tratamento adequado. Repetimos, tudo isto foi escamoteado pela
Chevron.
No
dia 23 de Fevereiro de 2003, quer dizer, um pouco antes do termo do período de
incapacidade parcial, Raimundo foi finalmente operado ao tornozelo, sendo-lhe
aplicada uma prótese intra-óssea – isso, sem que ele seja informado sobre o
facto de a prótese ser um pedaço de ferro que lhe metiam no corpo um tanto ou
quanto à socapa -, com vista à reparação das referidas alterações e lesões
artrósicas traumáticas da articulação astrágalo calcaneana, prótese que ele
mantém até à presente data.
Seguiu-se
um período de 6 meses de convalescença, até 23 de Agosto do mesmo ano, marcado
por rigidez e falta de mobilidade da articulação. Entretanto, foi realizada
uma consulta de fisioterapia na clínica Fikcit Lda. no dia 17 de Junho, mas os
tratamentos médicos que se seguiram a essa consulta, prescritos pelo
departamento médico da Chevron, não foram correctamente lavrados, com
diagnóstico impróprio numa elaboração de relatórios médicos manuscritos, com
rasuras e sem serem antecedidos de exames médicos complementares (ver
relatórios do 25 de Julho e 16 de Setembro, que serviram de base para a Chevron
para os despiste do sinistro, da doença profissional e da ilegalidade do
despedimento).
Foi
precisamente nesse dia, 16 de Setembro, que Raimundo foi colocado no programa
de recolocação, decisão que nada mais era do que uma simples simulação, pois o
trabalhador passou a actuar no programa de melhoria de desempenho, PIP, que
nada tem a ver com o caso em questão, mas servia perfeitamente para amenizar a
execução do já programado despedimento, que acabou por ser efectivo a 12 de
Maio de 2004.
Eram
na realidade duas rupturas, uma, do emprego, a outra, dos tratamentos médicos
de modo total e definitivo, gerando-se assim para o sinistrado Raimundo, sua
esposa e seus 8 filhos, numa situação pouco viável, pelo que, sentindo-se
injustiçado, intentou duas acções judiciais na Sala de Trabalho do Tribunal
Provincial de Luanda, com vista a fazer valer os seus direitos, nomeadamente
sua integração nos programas de reforma e pensão correspondente (50% do seu
salário), que lhe era devida por causa da sua incapacidade permanente de
trabalho.
Raimundo
também recorreu aos serviços da Provedoria de Justiça, que aceitou tratar o
caso e deu seguimento à sua denúncia numa carta enviada ao tribunal em 15 de
Fevereiro 2007, dando conta das injustiças de que ele tinha sido vítima,
“(...) sucessivamente ostracisado e despedido por aquela Empresa (Chevron) em
consequência da deficiência permanente, resultante do traumatismo laboral”).
Neste
passo, a Petrolífera respondeu argumentando que o queixoso não reunia
requisitos para a reforma, o que estava em total contradição com o que viria
ser a decisão da Junta Médica Provincial de Luanda no dia 17 de Dezembro de
2009, decisão essa lavrada num documento exarado no final de uma consulta
médica atestando o seguinte sobre o estado de saúde do trabalhador Raimundo:
«(…) apresenta incapacidade permanente, absoluta para o trabalho habitual, com
25% de incapacidade)”. Isto sem esquecer o Regulamento da própria empresa, o
qual estipula que qualquer trabalhador que se encontra em estado de
incapacidade permanente tem direito a 50% do seu salário.
No
seguimento desta nega da Chevron, o recurso possível era a Assembleia Nacional
(NA), o que foi feito. Mas, apesar de o Presidente “Nandó” ter solicitado a
intervenção das 8ª e 10ª Comissão (doc 0212 da Assembleia, do 31.01.13), e após
ter enviado um ofício (em 25.02.13) ao PCA da Chevron nos E.U.A., a resposta à
solicitações foi dada SETE MESES mais tarde, não pelo PCA dos EUA, mas pelos
angolanos da Chevron – Angola, refutando estes as queixas, devido, em
primeiro lugar, por o Tribunal Provincial de Luanda, no dia 9 de Agosto de
2008 ter absolvido da Chevron e arquivado o processo por caducidade, e também
por a petrolífera ter cumprido com todos os pressupostos legais e integralmente
pago todos os salários e emolumentos ad hoc ao seu trabalhador.
Ora,
a verdade é que o Processo nª 29/10 – C, continua bem vivo na primeira secção
do TPL, e o pagamento total ao trabalhador ainda não foi feito.
O
problema é que o Tribunal encontra-se em estado de carência de informações,
porque a Chevron tenta fugir com o rabo à seringa e recorre a toda a espécie de
manobras dilatórias para não dar margem para o seu prosseguimento, isto sem
esquecer que os relatórios médicos inclusos no dito processo foram aplicados
com vícios, ignorando a intervenção da Junta Médica.
A
INTERVENÇÃO DOLOSA DAS AAA
A
questão pendente continua a ser o direito às pensões. A esse respeito, a
Chevron descartou a sua responsabilidade e enviou Raimundo para a seguradora
AAA, que assumiu o pagamento de 32 mil 798,68 dólares, como indemnização, isto
em 8 de Junho de 2009, quer dizer, seis meses antes da intervenção legal de
Junta Médica (17.12.09), o que é mais que bizarro! Vejamos por quê. A própria
AAA enviou de seu próprio grado o trabalhador à Junta Médica e depois lavrou
uma decisão de pagamento da indemnização muito antes de ter conhecimento da
decisão da Junta. Resumindo, a AAA resolveu o assunto no exercício do que só
pode ter o nome abuso de poder, quiçá de burla, na medida em que depois de ter
enviado o Raimundo à Junta Médica, não podia decidir nada antes de receber o
seu parecer!!
Ora
a decisão da Junta é a 100% favorável a Raimundo e nunca foi apresentada a
tribunal!!
O
mais tenebroso nesta triste comédia do capitalismo selvagem, é que os
protagonistas que tentam enterrar os direito do Raimundo, angolano de gema ao
serviço duma Multinacional petrolífera, não são americanos, mandantes da
empresa mãe estadunidense, não, são também angolanos e não se coíbem de
atraiçoar pelas costas um irmão.
Nota
final: todos os documentos favoráveis a Raimundo foram escamoteados pela
Chevron.
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