Ao
invés de rechaçar cultura pop, neonazis tentam apropriar-se dela.
Consomem como “hipsters”, vestem-se de negro e… agridem violentamente
um número cada vez maior de imigrantes
Cauê
Seignemartin Ameni – Outras Palavras, em Blog da Redação
O atual
movimento neonazista alemão vem buscando novos recrutas na subcultura dos
jovens com barbas, sacolas de pano, óculos antigos e faixas com slogans
nazistas. Ao se deparar com o número cada vez maior dos chamados hipster em
manifestações anti-imigrantes organizadas pela extrema-direita, a mídia local
apelidou-os de “nipsters”, relata longa reportagem de
Thomas Rogers para revista Rolling Stones.
Assim
como a propaganda foi essencial ao regime do Terceiro Reich, as redes sociais
têm sido a principal plataforma do movimento. Os jovens usam intensamente o
YouTube, Tumblr, Instagram e outras redes sociais para ganhar mais apoio na
Alemanha, disse à revista Patrick Schroeder, um dos líderes do movimento no
nordeste da Bavária, onde pretende dar um rosto social e político mais
descolado à extrema-direita alemã.
Schroeder,
descreve a reportagem, tem as laterais do cabelo raspado, só veste preto e usa
uma bandana com as inicias H8 – que significa “Heil Hitler”. Ele ficou
conhecido com seu programa no canal nazista online FSN.tv,
onde apresenta, ao lado de um mapa da Alemanha de 1937, as novidades sobre o
movimento nazista. Procura mostrar uma extrema-direita menos ameaçadora,
dizendo que pessoas de outras subculturas, incluindo hip-hop, poderiam se
juntar ao grupo sem alterar seu visual.
“Se
a definição do nipster é de alguém que pode viver no mainstream”, explicou
Schroeder à Rolling Stone, “então vejo isso como o futuro do movimento”. Para
ele “se o Terceiro Reich fosse tão ruim, teria ruído”.
Schroeder organiza um show anual de bandas nazistas conhecido como Live
H8 concert, mas está furioso por ter seu evento impedido pelas autoridades
ano passado. “Neste país, se você tem a opinião errada, todo mundo está
contra você”, lamenta.
Para
Andry Knape, 28, membro chefe da Junge Nationaldemokraten (JN), a ala jovem do Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD), o
maior partido de extrema-direita do país, não há contradições em usar um visual
americano e ter como objetivo “preservar a cultura alemã”. Fundado em 1964 por
hitleristas, o NPD tem envolvido cada vez mais jovens. Como Scroedes,
Kanpe quer dar ao “nacionalismo” uma cara mais palatável, conta a
reportagem. Para ele, que cresceu sobre influência da cultura pop
norte-americana, a ideia de policiar os hábitos culturais dos jovens é bobagem.
Ele prefere manipular a cultura com o intuito de “usá-la para trazer mais
jovens ao rebanho”. “Nós não queremos nos desligar”, diz Knape à revista, sobre
a cultura hipster. “Eu vejo rap e hip-hop, por exemplo, como uma maneira de
transportar a nossa mensagem”.
O
grupo de Knape vem obtendo grande audiência: “A internet nos permite alcançar
as pessoas que não alcançamos na rua”. Seu último vídeo que viralizou na rede,
apresenta pessoas dançando com máscaras, em meio a carros destroçados, com
cartazes dizendo “Tenha mais relações sexuais com nazistas”. No canal também é
possível assistir homens encapuzados tagarelando como fazer diversos
pratos veganos.
Michael
Schaefer, 31, também membro do JN, diz que: “Nós assumimos o nipster. Quero
dizer hipster nacionalista, não hipster nazista”. Segundo o livro de Mark
Greif, What Was Hipster?, o termo hipster refere-se a um consumidor
que “se alinhou com a rebeldia da subcultura e com a classe dominante, e assim,
abriu um canal venenoso entre os dois”. Nos últimos anos, uma série de rappers
de extrema-direita surgiu na Alemanha, como Makss Danos e Dee Ex.
Eles exaltam as supostas virtudes da identidade alemã em suas letras.
Assim como o techno neonazista, do DJ Adolf, lembra Thomas Rogers.
O jornalista
alemão John Riceburg explica que
os nazistas sempre tentaram copiar as subculturas juvenis, dando os exemplos
dos skinheads, que são originalmente “uma espécie de subcultura proletária da
juventude”. Em entrevista à RT,
Weyman Bennet, secretário União Anti-Fascista, disse: “Eles estão tentando
integrar as ideias nazistas e fascistas como algo aceitável. Vimos isso na
década de 70 – quando parte dos primeiros punks começaram a usar suásticas”. No
início dos anos 70 até os anos 90, o movimento fascista tentou se “reconectar
na cultura dos jovens”, acrescentou.
As
autoridades e a população tem reagido ao fenômeno. O Tribunal Superior está
preparando uma audiência para tentar proibir a face pública do movimento: o Partido Nacional Democrático da Alemanha, composto por
vários grupos de extrema-direita em todo país. Em 2014, com 1% dos votos, ele
conseguiu pela primeira vez um assento no Parlamento Europeu. Em abril, uma
marcha contra imigrantes feita pelo NPD em Berlim foi bloqueada com sucesso por
milhares de manifestantes. Em Munique, está em curso o julgamento do membro do National
Socialist Underground, célula de extrema-direita, acusado de matar 10 pessoas
entre 2000 e 2007.
Com
o vestuário neonazista mais arrumado é difícil de reconhecê-los, diz
Cynthia Miller-Idriss, professora norte-americana que vem realizando pesquisas
com jovens de extrema-direita nas escolas. “Se você era um professor”, diz
ela, “você costumava identificar um skinhead em sua classe e poderia pensar
como intervir. Mas agora é mais difícil para sociedade em geral entender quem
esses jovens são para se engajar com eles”.
No
último relatório de 2013 do Bundesverfassungsschutz, agência de segurança
interna alemã, concluiu-se que existem cerca de 22.000 membros de
extrema-direita na Alemanha, incluindo 9.600 que estão “dispostos a envolver-se
em violência”. De acordo com as estatísticas, eles cometeram 473 crimes
violentos contra estrangeiros ano passado, um aumento de 20% em relação ao ano
anterior.
Coincidência
ou não, o surgimento do nipster ocorre no mesmo tempo que a extrema direita vem
ganhando apoio em toda a Europa. Muitos associam o sucesso destes partidos à
sua capacidade de maquiar-se com um slogan mais amigável e menos ameaçador. O
cientista político holandês Cas Mudde, argumentou que esses partidos conseguiram ligar a
crise do euro “com suas características ideológicas fundamentais: nativismo,
autoritarismo e populismo”, elaborando uma solução simplista, de fácil
aceitação entre jovens desolados.
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