Baptista-Bastos
– Diário de Notícias, opinião
Um
espectro percorre Portugal: é o espectro da pobreza, da miséria moral, da
fraude, da mentira, do embuste, da indecência, da ladroagem, da velhacaria.
Este indecoro do BES foi o destapar do fétido tacho da pouca-vergonha. Os
valores mais rudimentares das relações humanas pulverizaram-se. Já antes haviam
sido atingidos por decepções constantes daqueles que ainda acreditavam na
integridade de quem dirige, decide, organiza. Agora, o surto alcançou a fase
mais sórdida. Creio que, depois de se conhecer toda a extensão desta burla,
algo terá de acontecer. Com outra gente, com outros padrões, não com estes que
se substituem, num jogo de paciências cujo resultado é sempre o mesmo. Mas esta
afirmação pertence aos domínios da fé, não aos territórios das certezas.
O
Dr. Carlos Costa revelou ter avisado a família Espírito Santo de que ia ser
removida. Na TVI, Marques Mendes, vinte e quatro horas antes, anunciara o
cambalacho. Já destituído, Ricardo Salgado e os seus estabeleceram três
negócios ruinosos para o banco, abrindo o buraco da vigarice para quase cinco
mil milhões de euros. Quem são os outros cúmplices, e quais as razões
explicativas de não estarem na cadeia?
Enquanto
o País mergulha num atoleiro, o Dr. Passos nada o crawl, com esfuziante
aprazimento, nas doces águas algarvias. Há dias, afirmou que os contribuintes
não serão onerados com as aldrabices dos outros. Mas já foi criado um chamado
Fundo de Resolução, com dinheiro procedente, de viés, do nosso próprio
dinheiro, embuçado na prestação de um grupo de bancos. Quanto ao extraordinário
Dr. Cavaco, o reconhecimento generalizado da sua inutilidade como medianeiro de
conflitos, e conivente com o que de mais detestável existe na sociedade
portuguesa, converteu-se num lugar-comum.
Foi
o "sistema" que criou esta ordem de valores espúrios. Este poder
dissolvente fez nascer, por todo o lado, a ideia do facilitismo, oposta às
regras da convivência que estruturaram os princípios da nossa civilização,
dando-lhe um sentido humano. Tudo é permitido, e esta noção brutal, inculcada
por "ideólogos" estipendiados ou fanatizados concebeu as suas
próprias regras. A impunidade nasce do "sistema", e Salgado é o
resultado, não a causa, o resultado de um aproveitamento imoral estimulado
pelas fórmulas dessa ordem de valores. Surpreendemo-nos com o comportamento de
quem assim foi educado, porém temos de estudar e de analisar aquilo que os explica.
O
"sistema", em cuja origem está a raiz do mal, não carece de
"regulação", exactamente porque a "regulação" nada resolve
e apenas prolonga a crise sobre a crise. O capitalismo sabe e consegue simular
a sua própria regeneração. Mas é uma hidra que se apoia em referências na
aparência inexpugnáveis, realmente falaciosas. Enfim: o nosso dinheiro está à
guarda de ladrões.
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